Mostra de Pesquisas II - Escuta na margem: um artefato?
Gravado em 27/11/2019

A ideia inicial da que nominamos Pulso: clínica social de psicanálise era no campo do fazer puro e simples. “Precisamos fazer algo”. Entendíamos que algo estava mal escutado, algo não chegava aos nossos ouvidos na clínica tradicional, um tanto distanciada daquilo que provisoriamente hoje chamarei de “saber fronteiriço” – pois ainda é cedo para concluir. Nasceu, portanto, de uma ideia que buscava implicar a psicanálise no discurso que não é apenas o seu próprio.
Éramos inicialmente um grupo de quatro psicanalistas em formação, mas desejantes. O grupo depois se modificou, algumas pessoas deixaram o projeto, outras chegaram. Hoje estamos em sete. O primeiro movimento foi no campo da prática: encontramos lugares que acolheram nossa ideia e nos lançamos à escuta na Vila União, aqui em Campinas, um bairro construído por seus próprios moradores há cerca de 20 anos, por meio de mutirões. Estamos atualmente atendendo na Maloca, uma ocupação de arte e cultura lá no bairro.
O trabalho atual tem uma dinâmica de escuta clínica, um grupo de estudos permanente entre os membros da Pulso e uma supervisão coletiva dos atendimentos a cada três semanas.
A clínica tomada em si funciona como funcionaria em outro lugar qualquer, atendimentos individuais, hora marcada, semanal, como sempre foi um atendimento psicanalítico. O que atravessa radicalmente é a margem: a escuta da fala historicamente subtraída, expropriada e exilada. Os exilados de sua condição de fala, a eles propomos a escuta psicanalítica.
Ora, despir nossos ouvidos de muros deve produzir, e apostamos que produzirá, um furo no saber da psicanálise. O que restará dessa escuta? O que podemos recolher? Essa clínica pode ser pensada como um artefato de leitura de um saber fronteiriço, entendido como aquele discurso que se produz às margens e apesar da pólis?
Ao tentarmos ler isso que insistentemente nos desloca, nos fura e, sobretudo, nos convoca, apostamos para o futuro em uma nova possibilidade de formação do analista, constituída em um lugar que é outro e não o mesmo. Onde os significantes, verbetes, discursos são territorialmente produzidos como saber.
A clínica psicanalítica caída de sua posição palaciana e alinhada, aliada da margem/fronteira, torna-se um artefato? Um dispositivo?
A comunicação que propomos propõe-se a compartilhar desta experiência que permita abrir hipóteses e mais possibilidades de escuta, já que o trabalho tem ainda pouco mais de um ano de percurso, e parece ainda cedo para concluir.