X Encontro Internacional Saber Urbano e Linguagem promove debate sobre “Artefatos de Leitura”

Texto: Thais Alencar

O X Encontro Internacional Saber Urbano e Linguagem aconteceu nos dias 27 e 28 de novembro e foi promovido pelo Labeurb (Laboratório de Estudos Urbanos), com o apoio da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). A edição desse ano debateu o tema “Artefatos de Leitura” e contou com a presença de pesquisadores brasileiros e estrangeiros que apresentaram suas pesquisas relacionadas ao tema. A programação foi composta de mostras de pesquisas e conferências, seguidas da participação do auditório com perguntas e comentários, o que contribuiu para o enriquecimento do debate.

A pesquisadora Greciely Costa – pesquisadora do Labeurb e uma das organizadoras do evento ao lado dos pesquisadores Cristiane Dias e Marcos Barbai – explica que o tema do evento foi inspirado nas formulações sobre artefato de Eni Orlandi, pesquisadora-fundadora do Labeurb e docente do IEL/Unicamp, tendo em vista a definição de artefato como fabricado teoricamente e resultado da produção de conhecimento. “A nossa ideia com o evento foi contrapor a visão utilitarista e positivista da ciência mostrando o artefato como esse objeto que se constitui em um processo que é o da pesquisa”, completa.

A crítica ao discurso utilitarista da ciência esteve presente em todo o evento de diferentes maneiras. A conferência de abertura foi proferida pela professora Alma Bolón. Vinda do Uruguai, da Universidade da República, a pesquisadora falou a respeito da leitura e apresentou análises que mostram como a realidade é similar tanto no Brasil quanto no Uruguai, no que diz respeito às políticas educacionais e de incentivo à cultura.

As mostras de pesquisa, da maneira como foram organizadas, propunham alcançar um objetivo do evento apontado por Greciely: “Nós quisemos discutir esse artefato, mostrando como cada pesquisador, na sua área, no seu campo teórico, pode construir um artefato e como esse processo se dá investido na produção do conhecimento”. Tal discussão se deu a partir da apresentação dos vários artefatos, mostrando-os como resultado do caminho trilhado por cada pesquisador em sua área de estudo e pesquisa. 

Verli Petri foi uma das convidadas, vinda do Rio Grande do Sul, da Universidade Federal de Santa Maria, para apresentar o seu trabalho. Toda a sua carreira acadêmica foi dedicada a área das letras e apresentou sua reflexão a respeito de artefato, a partir de um dicionário da Língua de Fronteira, construído em conjunto com alunos do ensino fundamental de escolas públicas da cidade de Itaqui. “Estar aqui pra mim hoje foi muito importante porque eu fiz uma reflexão sobre um material que eu já havia produzido há algum tempo, mas agora sob um novo prisma”. A respeito do processo da construção do artefato, ela contou que os alunos demoraram um pouco para tomar consciência da língua, mas que quando aconteceu foi maravilhoso, “porque falar dessa língua que é nossa e é tão diferente da dos outros, nos dá um lugar no mundo”, pondera.

Camila Biazus que é psicóloga de formação e, em algum momento, sua trajetória cruzou com o universo das Letras, também desenvolveu um dicionário compartilhado. Dessa vez, os participantes do processo foram crianças de uma organização não governamental já extinta, também no Rio Grande do Sul. Os pequenos foram convidados a significar palavras do seu cotidiano à sua maneira. A pesquisadora conta que não foi um processo muito simples o de fazer os alunos entenderem que eles podiam escrever. Para isso, a criação de um vínculo com as crianças foi fundamental. “Foi um processo de reaproximação da língua e da escrita. E aos poucos, eles foram se sentindo mais à vontade”, diz. Sentimento esse que levou embora o medo, colocando-os no lugar da autoria, e mudou a relação deles com a língua.

Quando perguntadas sobre as mudanças observadas na vida dos pequenos a partir dessa interação, as pesquisadoras esclareceram que ao realizar um trabalho assim, os problemas sociais não vão embora. Isso porque esses projetos não são assistenciais, mas tem o objetivo de estabelecer uma relação social com os envolvidos. “Os problemas sociais não desaparecem porque você faz o projeto social na comunidade. Mas, eu acho que você dá um lugar de existência, um lugar para sonhar, que as vezes é tão roubado deles”, conclui Verli.

O artefato desenvolvido por Maraísa Lopes, da Universidade Federal do Piauí, deu a alguns sinais da Língua Brasileira de Sinais, um lugar teórico. Ela decidiu criar, junto com sua equipe, um sinalário de Análise de Discurso. “Começamos a perceber que havia uma dificuldade de compreensão e interpretação por parte dos alunos, daí surgiu a ideia de criar o sinalário”, conta. No entanto, antes da criação ou modificação desses sinais, eles se reuniam para discutir os principais conceitos da Análise de Discurso, para decidir como seriam os sinais. Desta forma, ao sinal foi dado um lugar de teoria. Isso, segundo ela, resultou na apropriação da teoria. “Agora, eles podem se inserir melhor na Análise de Discurso”, avalia.

 

Um momento a celebrar

O Encontro teve, como parte das comemorações do cinquentenário da obra Análise Automática do Discurso de Michel Pêcheux, o lançamento da primeira tradução dessa obra na íntegra para o português, produzida por Eni Orlandi e Greciely Costa e publicada pela Pontes Editores. O lançamento contou com uma homenagem dos pesquisadores do Labeurb, por meio da leitura da obra naquilo que marca o percurso de trabalho de cada um, e contou com a homenagem de familiares do autor Michel Pêcheux.  

Para Greciely Costa, a tradução dessa obra foi um processo de atualização da memória de uma leitura outrora já realizada e, além disso de perceber de que forma se deu a apresentação dos fundamentos da teoria da Análise de Discurso. “Foi importante observar como já em 69, os fundamentos dessa teria já estavam, na sutileza, mesmo que na sutileza, já amparando a elaboração desse objeto chamado discurso”, comenta.

Além da tradução inédita, o evento foi marcado pelo lançamento do número 44 da revista Línguas e Instrumentos Linguísticos, que conta com um dossiê temático sobre a obra de Pêcheux, organizado por Eni Orlandi, que convidou, tanto pesquisadores que ela formou, quanto pesquisadores que são de uma outra geração, a participarem deste dossiê com suas reflexões que de algum modo se voltam para o Análise Automática do Discurso. A revista Línguas e Instrumentos Linguísticos pode ser acessada pelo link: revistalinguas.com.

A alegria e emoção do momento dos lançamentos acompanhou os participantes para o coquetel que se seguiu. As conversas acabavam em comentários sobre como tudo havia sido bonito, emocionante e surpreendente. Camila Biazus afirmou, com um sorriso no rosto, o quanto foi significativo participar. “Foi um evento incrível, que me fez repensar muito assim, o meu lugar enquanto pesquisadora, mas, enquanto professora. Eu acho que isso alimenta a minha prática. Eu volto mais energizada com tudo o que eu vi aqui”.