A língua, os museus e os espelhos


resumo resumo

Larissa Montagner Cervo



adâmica, a que Deus concedeu a Adão para que fossem dados nomes às coisas; em seguida, com a construção de Babel pelos descendentes de Noé, Deus castiga os homens pela soberba de construir uma torre tão alta que não os dispersasse na terra. O castigo nada mais é do que espalhar esses homens por toda a Terra e fazê-los falar diferentes línguas, para que não mais se entendessem. Auroux (2008, p. 17-8) explica que, nesse discurso bíblico, “a causa do nascimento da linguagem [...] não é a mesma que a da diferenciação das línguas [...]. A relação da língua original com as línguas diferenciadas é representada sob o único traço da confusão, sem que seja evocada a questão de eventuais semelhanças. A partir dos filhos de Noé, a sequência das línguas e dos povos confunde-se com a questão das descendências”. A partir dessa formulação, entendemos como o discurso religioso, em sua constituição mitológica e histórica, resolve o problema da primeira língua a partir do poder de Deus.

Esse mito da origem está representado em mais de uma moldura sobre a torre de babel no interior do Mundolingua, no entanto, nos monitores interativos, o que se coloca sobre a relação entre linguagem e religião é apenas o seguinte:

 

Los idiomas y la iglesia

El vínculo entre idioma y iglesia a veces no es evidente, sin embargo esta institución es muy a menudo la base de estudios de idiomas.

 

Nessa formulação, ao se sugerir uma opacidade que não deixar ver a relação entre a língua e a igreja como evidente, somos levados a considerar uma saturação de sentidos presente nesse imaginário de origem, o que transborda o equívoco significado na própria formulação discursiva. Se há algo que nem sempre é devidamente visto, também há algo que, portanto, deveria ser reafirmado. No entanto, o já-dito, qual seja, a tese da origem divina da linguagem, é silenciado em favor de um efeito de obviedade que funciona no gesto mesmo de, ao nada ou muito pouco se dizer, fazer significar algo que já foi dito ou que não precisa mais ser dito por já ser institucionalizado, em um processo de interpelação que joga com sentidos do saber crer: ao sujeito que sabe e que crê, certas explicações não precisam ser dadas. Além disso, a esse sujeito detentor, o acesso ao saber não se dá por meio de divulgação.

Esse funcionamento a partir do qual a tese da natureza da linguagem funciona como interdito instiga-nos diferentes possibilidades de interpretação: por um lado, atribuímos um gesto de leitura ao que está silenciado como uma forma de opacificação que tira da evidência o que não dispõe de fundamentação plausível e que corre o risco de ser facilmente questionado. Por outro, considerando-se que a organização expositiva