A língua, os museus e os espelhos


resumo resumo

Larissa Montagner Cervo



mostrada não se silencia por completo, mas é largamente substituída por um discurso didático[4] que funciona, no arquivo, em paralelo com um discurso religioso.

Para a análise, centraremos nosso gesto de interpretação sobre esse imaginário da natureza da linguagem verbal a partir de duas interpretações: uma oriunda do discurso religioso e outra oriunda do discurso de divulgação científica em circulação no museu. De modo mais específico, confrontaremos textualidades que são divulgadas nos monitores do Mundolingua e que significam como modos de dizer a respeito da linguagem verbal e das línguas.

No livro Língua brasileira e outras histórias (2009), Orlandi discorre sobre a disputa de poder entre os imaginários da origem da língua oriundos da ciência e da religião. Trata-se, segundo a autora (Ibid.), de instâncias de saber que se valem de diferentes formas de conhecimento para se constituir e que sempre conflitaram explicações sobre o início e o fim de tudo, o que, em termos de explicações sobre a língua, residiria no confronto entre unidade e diversidade, correlatos à pureza e à degradação. Em se tratando da Linguística, Auroux (2008) explica que, para se permitir a delimitação de seu objeto, tal ciência deixou de lado questões correlacionais como aquelas voltadas à origem, à essência e à universalidade das línguas para se voltar exclusivamente ao estudo positivista das línguas nas e por elas mesmas. Esse movimento, segundo o autor, era necessário, na história da disciplina, para que ela exercesse pelo menos uma pretensa autonomia. No entanto, ainda que positiva para a constituição de um campo disciplinar, a tomada de posição da Linguística não silenciou interesses anteriores que redundam sobre questões ligadas à origem e à natureza da linguagem, como é o caso do discurso bíblico em funcionamento no mundo ocidental cristão, discurso esse que encontra lugar profícuo no Mundolingua pelo diálogo que, inexoravelmente, os museus estabelecem com os territórios dos quais fazem parte (CRIPPA, 2013).

Se no âmbito da Linguística não é tarefa do linguista fornecer verdades absolutas, até porque, no caso do imaginário das origens, isso implicaria a construção do que seria a língua primitiva (AUROUX, 2008) e o acesso ao funcionamento da mente, no âmbito do religioso a resposta para a questão é da ordem do mito e encontra-se registrada em forma de narrativa: na teoria divina, uma primeira língua seria a



[4] Pontuo essa diferença entre o discurso de divulgação científica e o discurso didático a partir da leitura que Horta Nunes (2013) faz do Museu da Língua Portuguesa a partir do texto de Authier-Revuz (2004), leitura essa que entendo ser válida também para o Mundolingua.