A língua, os museus e os espelhos


resumo resumo

Larissa Montagner Cervo



essa que muito contribui para refletirmos sobre os meios e modos de historicização das línguas no campo da História das Ideias Linguísticas, mas que, talvez, muito pouco acrescente para a relação que os sujeitos exercem, de fato, com sua língua, pelo tratamento, muitas vezes, distorcido de certos sentidos ou pelo enfoque a questões residuais ou pouco interessantes às nossas práticas cotidianas.

No caso do Museu da Língua Portuguesa, cujo arquivo inscreve-se na problemática da nossa “origem” de país colonizado, a perspectiva da musealização e de instrumentalização tem sido lida pelo viés da descolonização[3], definida por Orlandi como a necessidade, em países colonizados, “de instrumentos teóricos diferenciados” que apreendam “os efeitos de sentidos produzidos nessa relação entre conhecimento e imaginário, para compreendermos o que afinal é esta questão de origem” (2009, p. 156). Para a autora, essa necessidade decorre da história linguística dos países colonizados, o que, no nosso gesto de interpretação, poderia ser entendido como a demanda de um modo outro de contar essa história, dizendo por si mesmo, e não mais pela voz do outro.

Em análise do arquivo do Museu da Língua Portuguesa, observamos que a organização do arquivo do Museu da Língua Portuguesa volta-se para a etimologia, a literatura dos cânones e a sociolinguística, a fim de dar sustentabilidade ao inventário e à catalogação da língua portuguesa e das variações que são admitidas no interior de um determinado imaginário dessa língua. Neste museu, a falta ou a estereotipação do fluido e do plural, somadas à questão da língua indígena como um apêndice, indicam que dessa tensão resulta uma língua, a língua portuguesa no museu como uma língua no singular, uma língua de raiz latina, princípio estético e função normativa.

Estar no singular significa ter o político silenciado em favor de um projeto idealizado e unificante que apaga a disjunção necessária de nossa memória plural, derivada da nossa condição de país colonizado (cf. ORLANDI, 2009). Consequentemente, afeta o imaginário do nosso ser sujeito pela língua que falamos, ao produzir efeitos de sentido que, muitas vezes, destoam das nossas práticas cotidianas e que pouco movimentam sentidos outros - que não os já instados como oficiais - para a reflexão sobre a língua portuguesa no espaço de enunciação brasileiro. Nesse processo de historização da língua portuguesa, afinal, o quanto o museu repete e quanto ele desloca em relação aos ‘ecos da colonização’ para, então, produzir sentidos nesse movimento de descolonização e do dizer sobre nós e por nós, brasileiros?

 



[3] A relação do Museu da Língua Portuguesa com a noção de descolonização é discutida em Baldini (2013).