A língua, os museus e os espelhos


resumo resumo

Larissa Montagner Cervo



linearizando, sob um efeito de verdade e de completude, é uma prática política e de poder sobre a memória, porque a montagem do arquivo sempre é uma decisão entre o quê, como e por quais meios contar uma história sobre uma memória, e este não é um processo automático e técnico tão somente. É, precisamente, algo da ordem do político.

 

A língua, os museus e o mal-estar dos começos e das origens

Em geral, a prática de musealização de línguas tem se apresentado como alternativa de intrumentalização de línguas imaginárias, em prol de processos de construção de identidades e territórios nacionais ou de rememoração e ressignificação dessas identidades. Casos como o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, o Afrikaanse Taalmuseum e o Afrikaanse Taalmonument[2], respectivamente, museu e monumento dedicados à língua africâner, em Paarl, na África do Sul, demonstram, em suas diferentes condições de produção, uma mesma busca por uma comemoração de identidade cidadã e de naturalização e determinação de origens não só das línguas, mas também dos sujeitos que as falam.

Nesse ínterim, o mal-estar dos começos ou das origens se faz presente, porque, como vimos, é da ordem do arquivo o efeito de naturalização dos sentidos e de determinação de fronteiras simbólicas. Com a tridimensionalidade do tempo no interior de museus, narra-se o caminho de onde se vem e o caminho para onde se deve seguir, processo este tomado por sentidos de responsabilização. No entanto, não só pelas especificidades do arquivo como também pelas especificidades da língua, o gesto de leitura da história é sempre um gesto político que resulta em versões e que parcela em fatos e dados não só a historicidade das línguas, como também de sua constituição sócio-histórica, tornando singulares histórias e acontecimentos que podem e, muitas vezes, são plurais e que não necessariamente carecem ou dispõem de precisão.

Auroux (2008) afirma que línguas são seres históricos cujos começos não podem ser necessariamente precisados, sendo as datações contingências da história que se referem apenas aos fatos. Para além disso, consideramos também que línguas têm modos de significação no real que se dividem em corpo pleno e acontecimento no mundo (ORLANDI, 2009). Isso implica que constituir arquivo, nessas condições de produção relacionadas a museus, possa significar uma disputa de poder em relação a imaginários sociais dos sujeitos e dos grupos em relação à língua que falam, disputa



[2] Brevemente descritos e estudados em Cervo (2012). Site de acesso ao museu: /www.taalmuseum.co.za.