A língua, os museus e os espelhos


resumo resumo

Larissa Montagner Cervo



Todo arquivo responde a estratégias institucionais de organização e conservação de documentos e acervos, e através delas, de gestão de memória de uma sociedade. Enquanto tal, todo arquivo é resultado de um cruzamento de diversos procedimentos de identificação dos documentos que o compõem, seja através das datas, disciplinas, temas e/ou nomes próprios (de lugar, de autor, de obra, de instituição), que os alocam dentro de uma ou mais séries arquivísticas (ZOPPI FONTANA, 2005, p. 97).

 

Na Análise de Discurso, o arquivo é definido por Pêcheux (1997 [1994], p. 57) como o “campo de documentos pertinentes e disponíveis sobre uma questão”. O conceito remete a um campo discursivo de documentos reunidos e organizados por uma filiação de memória, os quais são lidos, segundo Zoppi Fontana (2005), por um efeito de fechamento, de congelamento e de escritura no tempo que se realiza na/pela materialidade da língua, inscrição esta que, para nós, significa o arquivo tanto sujeito à interpretação quanto resultado de uma interpretação.

O arquivo é uma discursividade produzida a partir de uma leitura feita no limiar da memória institucional e dos efeitos da memória produzidos pelo interdiscurso, resultando em estabilidade ou em deslocamento de sentidos (ORLANDI, 2003 [1999]). Sendo um campo organizado de/da leitura do legível em relação ao próprio legível, ele se relaciona com a memória discursiva entendida como princípio de legibilidade dos enunciados (cf. ZOPPI FONTANA, 2005), contudo distancia-se dela em uma perspectiva conceitual: “[...] o arquivo, à diferença da memória discursiva, estrutura-se pelo não-esquecimento, pela presença, pelo acúmulo, pelo efeito de completude. E, também, pela autoria em relação a práticas de escrita, de legitimação, de documentação, de indexação, de catalogação, de permanência, de acessibilidade” (Ibid., p. 97). Como efeito de uma interpretação e em sendo presença e não esquecimento, organização e não dispersão, o arquivo “desconhece um seu exterior, [...] apaga a referência a discursos outros, [...] se concentra sobre si mesmo, estabelecendo uma rede interna de citações datadas, de referências intertextuais precisas, que produzem um efeito de completude [...]” (Ibid., p. 98).

O arquivo é resultado de um trabalho de leitura, reunião e ordenamento de documentos de diversas ordens (públicas ou privadas), práticas essas que funcionam sempre em relação ao silenciamento do que não foi escolhido, ao gesto de interpretação que dá contorno à organização dos elementos e à construção da narrativa. Também, ao efeito de completude que se constitui nesta organização, haja vista que o arquivo cria a ilusão de que os elementos necessários para a ‘reconstituição’ de uma memória estariam ali presentes e reunidos em sua força simbólica. Organizar o que é disperso,