A MPB no regime militar: silenciamento, resistência e produção de sentidos


resumo resumo

Olimpia Maluf-Souza
Fernanda Surubi Fernandes
Ana Cláudia de Moraes Salles



O livro, Eu não sou cachorro não, lançado em 2002, fala sobre a inconformidade política no período da ditadura, através da música brasileira, principalmente a brega – como já sugerido pelo título[1]. O autor faz um percurso pelas músicas de protesto compostas durante o Regime Militar, dando foco ao brega, ao afirmar que, apesar de ter sido deixado de lado, figurou grande importância no cenário musical do país daquele momento.

Em um dos capítulos de seu livro, Ufanismo e guerrilha, são trazidos compositores que, segundo o historiador, se dedicaram a escrever músicas patrióticas, que vangloriavam o governo ditador, assim, artistas como Don e Ravel, Jorge Ben Jor, etc. são citados. Mas a surpresa maior foi a referência aos irmãos Valle, que apesar de já terem lançado músicas de cunho crítico social e político[2], foram, com Flamengo Até Morrer, tachados de ufanistas.

Paulo César de Araújo ao tomar a música como adesista apaga tudo o que poderia soar como resistência, até mesmo o repertório anterior de protestos dos compositores é esquecido e não afeta a interpretação. Assim, a música, para o autor do livro, é vista como uma glorificação à imagem do então presidente Emílio Garrastazu Médici, que era declaradamente um flamenguista apaixonado por futebol.

Visualizamos com os dizeres desse historiador outra interpretação da música que mais uma vez desloca-se daquilo que foi proposto pelo autor, pois ele, conforme afirma Orlandi (2007, p. 123), “[...] já não decide: ele mesmo faz parte do funcionamento dos sentidos que inaugurou. Ele é parte do ‘evento histórico’ que se instalara no jogo entre censura e resistência”, uma vez que ambos os funcionamentos são coexistentes, ou seja, um implica o outro, pois não há repressão sem resistência. A repressão e a revolta constituem-se através de um relacionamento mútuo, do mesmo modo como acontece com a língua e sua falha inerente, apesar de procurarmos seu



[1] “Eu Não Sou Cachorro, Não” é o título da música de maior sucesso do cantor baiano Waldick Soriano, um dos ícones da música brega. O nome da música se tornou expressão popular no Brasil, fazendo referência ao desprezo e ao rechaço não merecido. Tal como aconteceu, segundo Araújo, com a música brega na ditadura. Folha Online. Conheça curiosidades da vida do cantor Waldick Soriano, 2008. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u441262.shtml>. Acesso em: 14 Dez. 2013.

[2]  Marcos e Paulo Sérgio Valle já haviam composto canções com temas de favela (“Maria da Favela” e ”Tião Braço Forte”); políticas agrárias como em “Terra de ninguém”, “Gente” e “Deus brasileiro”. E ainda, posteriormente, sobre o assassinato de Che Guevara (“Réquiem”, 1968, cantado em dupla com Milton) e sobre a Passeata dos Cem Mil (“Dia de vitória”, 1969, com o conjunto de jovem guarda Golden Boys). Revista Forum. O hibridismo musical de Marcos Valle, 2012. Disponível em: <http://revistaforum.com.br/blog/2012/02/o-hibridismo-musical-de-marcos-valle/>.  Acesso em: 16 Nov. 2014.