A MPB no regime militar: silenciamento, resistência e produção de sentidos


resumo resumo

Olimpia Maluf-Souza
Fernanda Surubi Fernandes
Ana Cláudia de Moraes Salles



indiscutido, o estereótipo pode trabalhar, em condições de censura, como espaço de resistência e de irrupção do equívoco, pois não só magnetiza os sentidos, como se é concebido convencionalmente, mas também os repele em um processo de reconhecimento e de afastamento. É, então, daquilo que se repete à exaustão, daquilo que estagna os sentidos que surge o desconcerto, o deslize.

Na língua, o processo entrecruzado de discursos, de posições, de sentidos nunca se estanca e sempre dá lugar à falha; “[...] dizemos o mesmo para significar outra coisa e dizemos coisas diferentes para ficar no mesmo sentido” (ORLANDI, 2007, 94). São esses deslocamentos que observamos na relação entre a censura e a resistência, pois o querer dizer o proibido dá vazão a diferentes gestos de interpretação.

Na entrevista, vemos o autor da música tentar explicar o que tentou significar, com questões como a alienação e a escalação dos jogadores como um exército convocado pelos militares. Entretanto, ainda hoje a música continua não produzindo esses sentidos, tanto que atualmente ainda é reproduzida como um hino, pelos flamenguistas[1]. Isso se deve, principalmente, ao fato de não ser mais aquele momento histórico, de não se ter memória do que significou a ditadura, assim, pode-se até saber que a música foi composta durante o Regime Militar, mas os mesmos efeitos já não são produzidos depois da extinção dela.  É outra situação histórica, que implica outros sentidos.

Diante disso, notamos que o autor Marcos menciona na entrevista um caso interessante, no qual um escritor publica um livro colocando Flamengo Até Morrer na categoria de ufanista.

 

(09)  Trecho do livro Eu não sou cachorro, não, de Paulo César de Araújo    (2002, p. 357)

 

Mesmo os irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle, que na década de 60 compuseram canções de crítica social, após a Copa do Mundo de 1970, apareceram [...] com o samba Flamengo até morrer, que em um de seus versos diz: “Que sorte eu ter nascido no Brasil / até o Presidente é Flamengo até morrer / e olha que ele é o Presidente do país”, enfatizando o fato de o presidente Médici cultivar a imagem de amante do futebol e aparecer nas tribunas do Maracanã com radinho de pilha ao ouvido torcendo para o mais popular clube brasileiro. Como observou o escritor Edilberto Coutinho, “creio que devemos dar razão a quem achou a letra dos Valle meio patrioteira”.

 

 



[1] Acreditamos que, mais do que atribuir a permanência da música aos que desconhecem e aos que não têm memória do que significou o momento histórico da ditadura, a manutenção da música se faz em razão de ela ter sido liberada e de ter sido considerada um hino de amor ao Flamengo e à pátria.