A MPB no regime militar: silenciamento, resistência e produção de sentidos


resumo resumo

Olimpia Maluf-Souza
Fernanda Surubi Fernandes
Ana Cláudia de Moraes Salles



MV - Não é impossível que ele tenha interpretado como favorável ao exército. A música era realmente pra dar uma sacaneada total no governo...

TF - Essa passou pela censura?

MV - Passou!

TF - Até devem ter gostado!

MV - Eles não devem ter entendido, assim como o cara do livro.

 

Nessa entrevista, o próprio Marcos diz que não é impossível que as pessoas tenham interpretado a música como favorável ao governo, mas que não entenderam, ou seja, que os sentidos não foram apreendidos pelos interlocutores do modo como o pretendido pelo autor, não havendo, portanto, compreensão por parte dos ouvintes, como se o distanciamento semântico entre o sentido pretendido pelo autor e o interpretado pelo interlocutor fosse uma deturpação, uma incapacidade do interlocutor de interpretar conforme o esperado. Todavia, pela Análise de Discurso, estamos instados a interpretar, assim, não concebemos a interpretação como erro, mas como produto da relação entre história e ideologia que, por sua vez, se edifica na língua(gem), que é própria de cada posição-sujeito. Na visão do compositor, os sentidos que a música deve produzir são únicos, aqueles pretendidos pelo autor, pois ele está interpelado por uma ideologia cujo dizer tem sentido único, transparente. Por esse entendimento, os sentidos são sempre os pretendidos por quem enuncia. Pela ideologia, a evidência toma o sujeito, o enclausura em um recinto de determinada significação, a ponto de não permitir com que reconheça a possibilidade de diferentes sentidos, devido à natureza inconsciente desse processo.

No momento em que o compositor diz que compreende a possibilidade de o sentido ter tomado essa direção, porque a finalidade da música era realmente dar uma sacaneada total no governo, percebemos que houve aí uma tentativa, por parte dos autores, de camuflar a natureza crítica da música, ou, dito de outra forma, procuraram driblar a censura, usando a ironia que jogou com a dubiedade de forma a atribuir à canção uma crítica que fica subsumida pelo tema do enaltecimento do futebol. Dessa maneira, a composição pauta-se em um assunto tão disseminado, tão comentado, tão lugar-comum que cristaliza os sentidos, criando “[...] condições para que o sujeito não apareça, diluindo-se na universalidade indistinta” (ORLANDI, 2007 p. 126). É nesse espaço que se instala o estereótipo, que se torna o lugar no qual o sujeito, contraditoriamente, encontra a possibilidade de instituir o dessemelhante. Por apresentar-se trivialmente como o clichê, a padronização, o lugar do consentimento