A MPB no regime militar: silenciamento, resistência e produção de sentidos


resumo resumo

Olimpia Maluf-Souza
Fernanda Surubi Fernandes
Ana Cláudia de Moraes Salles



Assim, não é trivial que o Flamengo, a maior torcida do país, ganhe lugar de destaque na canção. Nessa direção, poderíamos dizer que, assim como a maior parte dos brasileiros são torcedores do Flamengo, a maior parte dos brasileiros também é alienada pelo futebol. Tomar o Flamengo é fazer funcionar os sentidos de massa, não de uma massa que recentemente foi às ruas gritar contra os desmandos do governo, mas o de uma massa constantemente alegre e feliz, mesmo diante dos problemas sociais, econômicos e políticos do Brasil.

Na construção musical fala-se, como sempre, do mesmo futebol e da paixão que o povo tem por ele. Em um movimento de paráfrase, retornamos a esse tema e ao que já foi construído e estabelecido a respeito dele, mas nessa atual enunciação, apesar do discurso ter se fundado por essa memória, os sentidos não são mais os mesmos, se deslocam em um movimento de polissemia. Desse modo, apesar do aparente louvor ao esporte, que se cristalizou, há uma ruptura nessa rede semântica que faz com que Flamengo Até Morrer possa fugir do evidente. Por esse processo, confirmamos que os sujeitos e os discursos são feitos devido ao jogo dinâmico entre o parafrástico e o polissêmico (ORLANDI, 2012). 

Apesar de todas essas formas irônicas de oposição, a música além de liberada, pelo fato de os censores não compreenderem o seu caráter oposicionista, foi também interpretada como adesista ao regime, tanto na época da sua publicação quanto na atualidade, pois, em 2002, um historiador escreveu que a música Flamengo Até Morrer demonstrava ser patriótica.

Marcos Valle fala sobre o caso para a revista eletrônica Thefrekium, em entrevista cedida em 2007:

 

(08)   Entrevista Marcos Valle (2007)[1]

TF - Flamengo Até Morrer costuma ser citada como uma canção simpática ao governo, quando é exatamente o contrário. [...] É bem debochada até...

MV - Totalmente debochada! Até quando a gente fala: Fio na reserva, Dario no comando/ E o resto a gente sabe mas não diz... a gente tá sacaneando o exército, mostrando que na verdade quem comandava o povo era a alienação causada pelo futebol. Era essa a sacanagem da música. Teve um cara que escreveu um livro e não entendeu nada.

TF - O Paulo César de Araújo no livro Eu não sou cachorro não...

 



[1] No recorte da entrevista, as legendas TF e MV referem-se respectivamente à Revista Thefrekium e a Marcos Valle.