Política de línguas, circulação de jornais e integração em cidades-gêmeas da fronteira.


resumo resumo

Andréa F. Weber



Apenas um jornal de abrangência exclusivamente brasileira, o Jornal Regional, da cidade de Ponta Porã, usa a língua espanhola para enunciar. Essa situação nos faz pensar que o jornal projeta falantes de língua espanhola em território brasileiro. Nesse caso, a sobreposição identificada por Guimarães (2003) para a língua portuguesa, como nacional, oficial e materna do Brasil, seria contrariada pela enunciação do periódico. É, porém, uma situação peculiar dentro do quadro investigado.

Por fim, chama a atenção a ausência do guarani em todos os jornais analisados, mas, sobretudo, naqueles que circulam na fronteira com o Paraguai, onde a língua é mais difundida socialmente e desfruta de certo reconhecimento conferido pela oficialização, em 1992, e pelo ensino bilíngue, em funcionamento no país desde 1994 (ZAJÍKOVÁ, 2009). Como todos os jornais da fronteira paraguaia delimitam sua abrangência ao lado brasileiro, podemos interpretar que o guarani significa, nesse espaço, uma língua não brasileira, muito embora ela tenha raízes históricas nesse território e as fronteiras tenham sido, justamente, o lugar de refúgio da língua frente ao processo colonizador (Meliá, 1988).

Diferentemente do que ocorreu com a língua espanhola, que foi acolhida pelo jornal de Ponta Porã, apesar de este circular apenas no lado brasileiro, a língua guarani não foi incorporada por nenhum desses jornais. Entendemos que vários fatores podem colaborar para essa ausência do guarani, como a distribuição política da língua como nacional do Paraguai, bem como a sua associação à oralidade (resultando na ausência de leitores e escritores em guarani), às classes médias e baixas (Rodriguez-ZucColillo, 2000). No entanto, o que nos interessa assinalar aqui é que os jornais fronteiriços reforçam esses sentidos ao interditarem o guarani de sua enunciação.

Como ressalta Steinberger-Elias (2005), é corrente na sociedade a ideia de que tudo pode ser coberto jornalisticamente, de que tudo é dizível e representável pelo jornalismo, quando, na verdade, a atividade jornalística sempre resulta em uma seleção limitada de fatos noticiáveis. Poderíamos complementar que também resulta em uma seleção limitada de línguas. Desse modo, as línguas que não são mobilizadas pelo jornal deixam de existir no imaginário social, ou, no mínimo, se tornam menos relevantes. E, quando são mobilizadas, os lugares que aparecem, o modo como são organizadas, tornam-se a verdade sobre elas. A circulação dos jornais, portanto, não só produz um sentimento de comunidade na fronteira, que pode ser transfronteiriço ou não, como, produz, também, uma distribuição política das línguas nesse espaço local, por meio das línguas que usa em sua enunciação.