A MPB no regime militar: silenciamento, resistência e produção de sentidos


resumo resumo

Olimpia Maluf-Souza
Fernanda Surubi Fernandes
Ana Cláudia de Moraes Salles



 

Assim se focamos a voz como lugar material desta composição, os traços acústicos e prosódicos que tecem o ritmo e a melodia do ato de enunciar – intensidade, altura, força, lentidão, rapidez –, suscitam interrogações a respeito do sujeito em vias de aparecer no rastro sonoro da emissão vocal. Este é o momento quando nada de aprioristicamente personológico é alcançável na voz. Em síntese, a  voz é lugar-fonte no corpo, o mesmo de onde se emite o assovio, o riso, o choro, o grito, o canto. Tomo então a voz como pura enunciação exposta à obrigação de interpretar e ser interpretada, gesto dramático situado na coxia do teatro simbólico (SOUZA, 2000, p. 03).

 

Souza (idem) fala do acontecimento do canto, no qual o indivíduo assujeita-se e toma posições de acordo com as variações formuladas por sua voz, no discurso musical. Isso nos mostra os modos como a voz se coloca em diferentes temáticas (amor, protesto, ódio) e situações. Na música de Marcos Valle, o tom debochado, utilizado em grande parte da canção, remete ao “jeitinho brasileiro de ser”[1], da malandragem, da pilantragem.

A pilantragem pode ser entendida aqui de duas formas: a) enquanto gênero musical[2] híbrido, que incorpora propriedades musicais de diferentes naturezas à música popular do Brasil; e b) com outro sentido atribuído ao termo por Simonal, no qual há a malemolência para se conseguir o que quer. Também inclui o burlar das regras, não em sentido militante, mas sim a questão da quebra das normas para promover um auto favorecimento. Em ambas as concepções, temos a irreverência do brasileiro, a sua tranquilidade e despreocupação, e que, como vemos na música, permaneciam mesmo na situação aflitiva causada pelo vigor da ditadura. Mas, existem dois momentos, em que o compasso entusiasmado acompanhado pela voz, torna-se sóbrio e entra em uma cadência bem contrastante com a anterior. O cantar fica vagaroso e atenuado e vai em direção à letra da música que salienta a rijeza militar; nesse conjunto entre melodia e voz, vistos nessa parte da letra, evoca-se um lamento.

Pilantragem, um projeto estético da década de 60, inventado por Simonal, Carlos Imperial e Nonato Buzar, buscava, como o Tropicalismo, fundir o que vinha ‘de fora’ com as tradições de ‘de dentro’”. O Globo: Blog do Xexéu. Pilantragem, o gênero que a MPB esqueceu. Disponível em: < http://oglobo.globo.com/cultura/xexeo/posts/2011/08/03/pilantragem-genero-que-mpb-esqueceu-395968.asp>. Acesso em: 22 de Jul. de 2014.



[1] Há certas imagens sobre o comportamento do brasileiro que permeiam as percepções das pessoas nas suas relações sociais. [...] Para a grande maioria dos brasileiros, a busca de atalhos, soluções facilitadas ou vantagens fazem parte do cotidiano das pessoas explica Rachel Meneguello, cientista política da Universidade de Campinas (Unicamp). O Globo: 'Jeitinho brasileiro': 82% acham que maioria pretende tirar vantagem, diz pesquisa. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/brasil/jeitinho-brasileiro-82-acham-que-maioria-pretende-tirar-vantagem-diz-pesquisa-11842428>. Acesso em: 22 de Jul. de 2014.

[2] Pilantragem, um projeto estético da década de 60, inventado por Simonal, Carlos Imperial e Nonato Buzar, buscava, como o Tropicalismo, fundir o que vinha ‘de fora’ com as tradições de ‘de dentro’”. O Globo: Blog do Xexéu. Pilantragem, o gênero que a MPB esqueceu. Disponível em: < http://oglobo.globo.com/cultura/xexeo/posts/2011/08/03/pilantragem-genero-que-mpb-esqueceu-395968.asp>. Acesso em: 22 de Jul. de 2014.