A MPB no regime militar: silenciamento, resistência e produção de sentidos


resumo resumo

Olimpia Maluf-Souza
Fernanda Surubi Fernandes
Ana Cláudia de Moraes Salles



A música é constituída de várias insinuações sutis que são marcadas, em alguns momentos, por um certo tom de inconformidade e de denúncia mais acentuado. Assim, temos nos versos: e o resto a gente sabe, mas não diz/ e o resto é pau é pedra águas de março ou de abril. Podemos observar que esse trecho produz efeitos de denúncia sobre a acomodação do brasileiro que, envolvido pelo entretenimento do futebol, apesar de estar ciente da condição caótica do seu país, não faz nada a respeito, não se manifesta. O povo sabe, mas não diz com medo da repressão, das torturas, do exílio. O povo está ciente da condição, mas não fazer nada é efeito do próprio período militar, das condições de produção pelas quais esses sujeitos são interpelados. Ou seja, há um silenciamento da voz do povo que se aliena por não se sentir nas condições de poder fazer, poder dizer algo.

O recorte faz também menção à música Águas de Março (1972), composta por Tom Jobim, assim, o resto que os brasileiros sabem, mas não dizem, segundo o cantor e compositor bossa-novista, é o “pau”, a “pedra”, que aludem à dureza imposta pelo Regime Militar, ou seja, as palavras “pau”, “pedra” fazem significar os ditames e a rigidez às quais o país estava comodamente imerso. Assim, temos dizeres que memoram outros; temos diferentes discursos que se relacionam e que produzem diferentes sentidos, de acordo com a ideologia, que, segundo Indursky (1997), mesmo externa à formação discursiva, tece efeitos em seu interior.

Outro funcionamento que também significa na música em análise é a sua construção rítmica, harmônica e instrumental. Flamengo Até Morrer apresenta a estrutura rítmica de um samba, que é cadenciado pelo som de uma cuíca bem marcante. Tal gênero musical carrega brasilidade e exalta a nacionalidade, identificando o Brasil, como o país do samba, do carnaval e do futebol. A própria escolha desse ritmo, pelo autor, já produz efeitos e dá visibilidade ao patriotismo, que a gestão militar incutia na população, pois o povo brasileiro devia louvar e exaltar tudo o que prosperava no país e fazer vistas grossas ao caos econômico, às limitações dos seus direitos, à opressão.

Esse funcionamento podia ser notado também pelo slogan adesista "Brasil: Ame-o ou deixe-o”[1], amplamente divulgado no período. O slogan funcionava, então,

Slogan criado no mandato de Médici. Naquele período o governo investia muito dinheiro em propagandas que objetivavam a melhora da imagem dos militares junto ao povo. Folha online, Brasil: ame-o ou deixe-o. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2002/eleicoes/historia-1969.shtml>. Acesso em: 10 Dez. 2013.

 



[1] Slogan criado no mandato de Médici. Naquele período o governo investia muito dinheiro em propagandas que objetivavam a melhora da imagem dos militares junto ao povo. Folha online, Brasil: ame-o ou deixe-o. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2002/eleicoes/historia-1969.shtml>. Acesso em: 10 Dez. 2013.