Apresentação

E chegamos ao final de 2020, ainda em trabalho remoto, lançando o segundo volume da revista Rua, neste mês de novembro! Continuamos na resistência de fazer circular a ciência, em nível de excelência, com amplo acesso público de modo a fomentar um fórum contínuo de debate e visibilidade de importantes análises que se fazem sobre cidade e linguagem. Como já dissemos, não é simples manter uma publicação com vigor nas atuais condições. Assim, reafirmamos que, se a Revista nunca se faz sozinha, é preciso aqui agradecer de modo muito especial e específico aos autores e pareceristas que continuaram, com energia, seus trabalhos de escrita e leitura de artigos, apesar de todos os desafios que estamos enfrentando, assim como a todos da equipe da Revista que a mantêm em dia e forte e bela. É preciso ainda agradecer à Unicamp que vem construindo condições para que todos os seus integrantes que tenham possibilidades continuem trabalhando de modo remoto e seguro. E é preciso agradecer, também, àqueles profissionais da Universidade cuja função exige o trabalho presencial. A todos nosso agradecimento científico-político-institucional por tudo o que os gestos de cada um significam na ciência, na sociedade, na vida em comum. Obrigada!

 Esta edição é brindada com um dossiê especialíssimo que é fruto de um convênio entre a Unicamp e a Universidade de Turim coordenado pelas professoras Eni Orlandi e Mariagrazia Margarito. O Dossiê Nos museus, em torno dos museus é apresentado pelas coordenações brasileira e italiana e conta com 6 (seis) potentes artigos oriundos dessa pesquisa coletiva. Na seção Estudos, temos 13 artigos. Nossa seção começa com o artigo O corte urbano, as ambiências situadas e o “paradigma indiciário”: ferramentas para a fabricação de um olhar compartilhado sobre a cidade de Carolina Rodríguez-Alcalá o qual apresenta uma discussão teórica sobre o valor heurístico dos instrumentos descritivos da cidade nas pesquisas sobre as ambiências, a partir de uma reflexão sobre o corte urbano e o modelo epistemológico que Carlo Ginzburg chamou de “indiciário”. Em seguida, refletindo também sobre instrumentos científicos de compreensão do funcionamento do espaço urbano, temos o artigo A utilização de registros sequenciais na avaliação do impacto na paisagem urbana do subúrbio ferroviário de salvador de Marcos Antonio Nunes Rodrigues e Márcia Maria Couto Mello que aborda a utilização da técnica de registro visual, sequencial para realizar uma análise sobre a modificação da paisagem urbana por meio de um estudo de caso: o anteprojeto de implantação de uma linha de monotrilho na cidade de Salvador, numa região de orla marítima ao longo do seu subúrbio ferroviário. Posteriormente, segue o artigo Auscultação urbana: ou percebendo a ação do coração de Shannon Mattern, traduzido por Eduardo Harry Luersen, em que se dá foco igualmente para modos de compreensão do espaço urbano; no presente artigo isso se faz por meio de uma analogia com a auscultação – a prática de ouvir o corpo, normalmente com instrumentos –, propondo a visibilidade de uma escuta urbana que se dá através de ouvidos humanos e mecânicos e , mais recentemente, com novos ouvidos da inteligência artificial que têm pautado a cidade conforme a sua própria lógica computacional. Ainda como um modo de compreensão do espaço urbano e de suas relações simbólicas, o artigo Por uma nova flânerie: um olhar para Fortaleza a partir de viagens nos transportes públicos urbanos de Rosana Roseo Batista e Sílvia Helena Belmino traz a possibilidade de fazer flânerie a partir de viagens em transportes coletivos urbanos e, assim, obter um olhar diferente para a cidade, suas histórias e habitantes, propondo que, para além de uma análise dos aspectos urbanísticos de Fortaleza, a flânerie permite refletir sobre o cotidiano (CERTEAU, 2012; BLANCHOT, 2007) das localidades por onde se transita, levando em consideração as interações estabelecidas (CAIAFA, 2002, 2004) entre os passageiros e deles com o espaço que se avizinha e acompanha toda a jornada. Com o artigo Ainda um corpo estranho? Mastro da Bandeira – Brasília, 1972: vozes×vozes-silêncio-discurso(s) de Marcelo Felicetti e Eliane Marquez da Fonseca Fernandes temos reflexões discursivas sobre “as formas do silêncio no movimento dos sentidos” (ORLANDI, 2018) acerca da obra do centenário arquiteto carioca Sergio Bernardes (1919/2002), em especial sobre o Monumento ao Pavilhão Nacional compreendido como elemento simbólico/discursivo, numa operação crítica entre os campos da arquitetura e da análise do discurso (AD) de matriz francesa. Por seu lado, o artigo Cada um no seu quadrado: a pandemia, a cidade e suas bolhas de Maini de Oliveira Perpétuo e Adriana Sansão Fontes analisa efeitos da pandemia da COVID-19 materializados em inúmeras iniciativas que vêm surgindo nos espaços públicos e coletivos urbanos, na tentativa de adaptá-los às necessidades de distanciamento interpessoal recomendadas pela Organização Mundial da Saúde, vindo a reforçar a segregação social e ambiental de nossas cidades. Também perscrutando efeitos da Pandemia, o artigo Mascarados no espaço urbano: discurso jornalístico sobre Jornadas de Junho e pandemia de Covid-19 de Vinícius Brito pergunta como sujeitos mascarados e máscaras no espaço urbano significam pelo discurso jornalístico, analisando formulações sobre máscara e mascarados em diferentes condições de produção, a partir de materiais que circularam nos jornais em 2013 e 2020, em meio à discursividade sobre a tática black bloc nas Jornadas de Junho, naquele primeiro momento, e ao acontecimento discursivo da pandemia de Covid-19, na atualidade. De seu lado, o artigo Um olhar discursivo-desconstrutivo sobre representações na Carta Aberta: “Contra o genocídio da população indígena” de Vania Maria Lescano Guerra e Graziele Ferreira dos Santos procura problematizar as representações sobre os povos indígenas sul-mato-grossenses que atravessam o discurso da Carta Aberta ‒ Contra o genocídio da população indígena, recurso utilizado pelo Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas, do Instituto Federal de São Paulo, para denunciar conflitos sofridos pelas etnias indígenas que faz circular por meio de diferentes mídias essa denúncia junto à sociedade. Olhando também para a relação entre mídia e processos de significação do espaço urbano e especificamente aqui em seu contraponto construído na relação com o rural, o artigo Agro é tudo: a Rede Globo e a produção de sentidos na relação urbano/rural de Tânia Pitombo de Oliveira e Débora Pereira Lucas Costa lança o olhar sobre a campanha institucional Agro: a indústria-riqueza do Brasil produzida e veiculada pela Rede Globo de Televisão, a partir de 2016, analisando os modos de significação da formulação agro como a proposta de um novo conceito, que atualiza as relações entre cidade, campo, urbano e rural. Ainda no espaço da publicidade, o artigo Modos de ser, formas de habitar: práticas discursivas da publicidade imobiliária no Recife de Marcela Barbosa Lins e Cristina Teixeira Vieira de Melo apresenta o anúncio de imóveis enquanto uma materialidade discursiva que, por excelência, comunica e agencia modos de ser que efetivam sentidos na relação dos sujeitos com a moradia, implicando em uma ética do morar pautada da negação da heterogeneidade da cidade e na defesa da propriedade privada, na esteira da consolidação de uma governamentalidade neoliberal no país. Observando também práticas de identificação dos sujeitos nos espaços citadinos, o artigo Os cantos da Dança do Congo nos processos de identificação:  o discurso encenando uma tradição de Weverton Ortiz Fernandes e Eliana de Almeida procura compreender o funcionamento discursivo dos cantos da Dança do Congo em Vila Bela – MT, mobilizando, pela memória discursiva, os sentidos que definem Vila Bela como uma cidade de tradição negra, perguntando sobre o modo como essas formulações significam, numa relação com o Estado Moderno, os saberes discursivos sobre a cultura local nos processos de identificação do sujeito-festeiro. Trazendo à cena também a arte para compreender relações de sentido que se materializam nas formações sociais, o artigo O cheiro e alguns ascos: imbricações materiais entre as obras Parasita e A Metamorfose de Liliane Souza dos Anjos coloca no centro do debate o estatuto analítico-discursivo do cheiro, procurando demonstrar que é possível pôr à escuta o funcionamento do cheiro na imbricação material com o corpo, o espaço, a língua e o gesto; e faz isso por meio do diálogo entre o filme Parasita e a obra literária A Metamorfose, em que o cheiro coloca em causa relações simbólicas capazes de capturar os sujeitos em rupturas, ausências e humilhações. Ainda no espaço das artes e encerrando a seção Estudos, o artigo A memorialística do espaço em Gilberto Freyre, Jayme Griz e Pedro Nava de Maria Alice Ribeiro Gabriel traz os conceitos de lugar e espaço enquanto essenciais para se entender como a memória cultural associada a um lugar opera na criação de relatos legendários, literários e míticos da História, examinando, no artigo, aspectos históricos, literários e sociológicos da ideia de espaço em memórias públicas e privadas, em textos de Gilberto Freyre, Jayme Griz e Pedro Nava. Na seção Notícias e Resenhas, o leitor poderá acompanhar as principais atividades do Labeurb no período de julho a novembro de 2020 e ler a resenha De Foucault à Butler: como a teoria queer contamina os discursos de Redson Pagnan que procura divulgar as ideias centrais sobre gênero, sexualidade, raça e classe social discutidas na obra “Foucault e a teoria queer”, em três momentos distintos: os problemas de gênero; a vida cotidiana e social pós-secular pautada nos marcadores sociais; e, por fim, o avanço dos discursos de gênero, sexualidade e religião pautados em uma linha de discussão que vai de Michel Foucault à Judith Butler. Finalmente, em nossa seção Artes temos contribuições em 3 diferentes linguagens: as fotografias de Tatiane Mendes, com o Projeto Paquetá; as fotocolagens de Vinicius Brito que compõem o trabalho Maldonado; e a série  ilustrações  de Maximilian Barbosa, intitulada Ethos.

Boa leitura!

Cuidem-se!

Fiquem bem!