Espaços e sujeitos divididos - tensões, contradições, deslocamentos


resumo resumo

Claudia Castellanos Pfeiffer
Mariza Vieira da Silva



Palavreando princípios

 

Devo incluir-me, porque eu também sou favelada. Sou rebotalho. Estou no quarto de despejo, e o que está no quarto de despejo ou queima-se ou joga-se no lixo. (Carolina Maria de Jesus, “Quarto de despejo”, 2020, p 41)

 

Tenho sangrado demais

Tenho chorado pra cachorro

Ano passado eu morri

Mas esse ano eu não morro

Eu sonho mais alto que drones

Combustível do meu tipo? A fome

Pra arregaçar como um ciclone

Pra que amanhã não seja só um ontem

Com um novo nome

(Emicida, Felipe Vassao e Dj Duhé, “AmarElo”, 2019)

 

Carolina e Emicida, Felipe e Dj Duhé nos ajudam a pensar em cidades e sujeitos divididos e, ao mesmo tempo, em cidades e sujeitos em movimento de sentidos, em outros gestos de interpretação, atos simbólicos que trazem possibilidades de resistência, de luta, de mudanças, de transformações mesmo que sejam mais lentas do que gostaríamos. Resistência e luta que eles fazem com a palavra, como diz Carolina sobre um valentão que chegou na favela:

 

Dia 1 de janeiro de 1958 ele disse que ia quebrar-me a cara.

Mas, eu lhe ensinei que a é a b é b. Ele é de ferro e eu sou de aço. Não tenho força física, mas as minhas palavras ferem mais do que espada. E as feridas são incicatrisáveis. (Jesus, 2020, p. 51)

 

Carolina relata a absurda, terrível e amarga realidade dos cidadãos urbanos brasileiros negros que viviam às margens – nas favelas – nos anos 1950, no Rio de Janeiro. Escrever, além de ser uma necessidade para ela, também podia abrir porvires: queria escrever um livro para vendê-lo e comprar um terreno para sair da favela. Emicida, Felipe e Dj Duhé são cidadãos urbanos brasileiros também negros que cresceram nas periferias de uma outra grande cidade brasileira – São Paulo. E Emicida consegue levar o show de lançamento do álbum “AmarElo” ao palco do Theatro Municipal de São Paulo, espaço cultural representativo da chamada alta cultura significada enquanto oposta à assim chamada cultura popular, ao samba, ao rap. Abrindo porvires.

O trabalho deles e de tantos outros não é só sair da periferia, mas retomar espaços, compartilhar saberes, emoções, afetos em todos os lugares da cidade, o que historicamente lhes foi negado: produzir outros processos de subjetivação, de sociabilidade. Escutemos o que dizem, em AmarElo, após uma série de três estrofes que retomam a formulação “permita que eu fale não as minhas cicratizes”,

 

Por fim, permita que eu fale

Não as minhas cicatrizes

Achar que essas mazelas me definem

É o pior dos crimes

É dar o troféu pro nosso algoz e fazer nóis sumir, aí

(Emicida, Felipe Vassao e Dj Duhé, “AmarElo”, 2019)

 

Dirigir-se a esse outro/Outro na metáfora3 da permissão, afirma um eu-nós que rompe com a discursividade dominante que os toma como objeto de um dizer, que os estabiliza no fora, no resto produzidos dentro de uma discursividade branca, ocidental, liberal afetada pela memória discursiva de um país colonizado, escravocrata e patrimonialista, produzindo, como dissemos, outros processos de subjetivação.

O ritual falha, como diz Pêcheux:

 

levar até as últimas consequências a interpelação ideológica como ritual supõe o reconhecimento de que não há ritual sem falha, desmaio ou rachadura (...) e assim começar a se despedir do sentido que reproduz o discurso da dominação, de modo que o irrealizado advenha formando sentido do interior do sem-sentido. (1990, p. 17 – grifo do autor)

 

E a ousadia, as resistências, acontecem no encontro de uma memória com uma atualidade, “Pra que amanhã não seja só um ontem/Com um novo nome”, como dizem os rappers. Como essas “feridas incicatrizáveis” que a palavra provoca, como diz Carolina, vão se desdobrando, se transformando em verdadeiros rituais de cura, de espaços-tempos de afeto, interpelando outros indivíduos em sujeitos de práticas transformadoras em uma conjuntura dada? Como a relação história, sujeito, língua funciona em uma formação discursiva determinada, em um país colonizado, escravocrata, patrimonialista como o Brasil em que se produz um capitalismo periférico, sob a forma do (neo)liberalismo, a partir da segunda metade do século XX no desenvolvimento das cidades?

Em nossa trajetória de pesquisas, olhamos para os espaços formativos, e suas políticas, assim como para os espaços de divulgação e construção de conhecimento(s), e suas políticas, como formas de perpetuação e sustentação da formação ideológica neoliberal e, ao mesmo tempo, como espaços possíveis de ressignificação e deslocamentos, como o fazemos também neste artigo.

 

Conjuntura histórica, social, política

Entre os anos vividos por Carolina Maria de Jesus e aqueles em que vivem Emicida, Felipe Vassao e Dj Duhé, as cidades brasileiras passaram por modificações bastantes significativas em seu funcionamento em termos de espaços públicos de acolhimento, de lazer, de mobilidades, de segurança, de educação de suas/seus cidadãs/cidadãos. Modificações que se fazem dentro de uma formação ideológica burguesa. Assim, as transformações – esse amanhã que não tem apenas um nome diferente do ontem – exigem radicalidade.

David Harvey fala em reivindicar o direito à cidade como equivalente:

 

a reivindicar algum poder configurador sobre os processos de urbanização, sobre o modo como nossas cidades são feitas e refeitas, e pressupõe fazê-lo de maneira radical e fundamental. Desde que passaram a existir, as cidades surgiram da concentração geográfica e social de um excedente de produção. A urbanização sempre foi, portanto, algum tipo de fenômeno de classe, uma vez que os excedentes são extraídos de algum lugar ou de alguém, enquanto o controle sobre o uso desse lucro acumulado costuma permanecer nas mãos de poucos... (Harvey, 2014, p. 30)

 

E para ele, “esse direito à cidade deve ser entendido não como um direito ao que já existe, mas como um direito de reconstruir e recriar a cidade como um corpo político socialista com uma imagem totalmente distinta”. (Ibid, p. 247) “Pra que amanhã não seja só um ontem/Com um novo nome”, como diz nossa epígrafe. Um direito ao diferente, à retomada de uma memória discursiva que seja outra daquela que se presentifica como única, estabilizadora da divisão social.

Harvey trata, em seu texto, da transformação feita em Paris por Haussmann e da feita na região metropolitana de Nova York por Robert Moses depois da Segunda Guerra Mundial. Apesar da especificidade, suas considerações são fundamentais para compreendermos as conjunturas internacionais que não deixam de afetar as condições de produção no espaço brasileiro. Assim, ao lado de Harvey, trazemos Raquel Rolnik com sua sólida compreensão da configuração das cidades na conjuntura brasileira na qual se tensionam formações sociais.

Raquel Rolnik fala em

modelo de desenvolvimento urbano neoliberal, voltado única e exclusivamente para facilitar a ação do mercado e abrir frentes de expansão do capital financeirizado do qual o projeto Copa/Olimpíadas é a expressão mais recente... e radical (Rolnik, 2013, p. 9).

 

Nessa perspectiva, a vida urbana torna-se uma mercadoria para seus habitantes consumidores-empreendedores-competidores-individualistas, vivendo em cidades divididas, fragmentadas, que demandam muros, cercas, câmeras, condomínios, reconhecimento facial para entrar-sair, ser incluído ou excluído.

E esse movimento foi fortemente acelerado, na segunda metade do século XX, quando há, no Brasil, uma forte migração interna e as cidades crescem de uma perspectiva segregacionista, privatista, que vai dividindo, fragmentando, hierarquizando os espaços públicos e privados, precarizando os transportes, a segurança, movimentando sentidos e sujeitos em termos de conflitos e de alianças. Uma distinção mais nítida entre o rural e o urbano começa a se desfazer, dando lugar a divisões e apagamento de sentidos, de pertencimento, tornando os espaços citadinos permeáveis sob o domínio do capital, do discurso jurídico, da escolarização tornada imprescindível, criando condições para o funcionamento, mesmo que inicial, da formação discursiva neoliberal de responsabilização individual pelas conquistas, pelo sucesso, pelo fracasso; de mudanças das regras do papel do Estado; de novas formas de gerenciamento das instituições públicas, das cidades. Nesse período, vivemos uma ditadura por 21 anos – 1964-1985 – com todas as nossas contradições sendo trabalhadas nas práticas de censura, de prisões, de torturas, de mortes e, ao mesmo tempo, de luta, resistência; de movimentos culturais, movimentos estudantis, que vão sendo abafados principalmente a partir do AI5 dos anos 1970. Os movimentos de resistência, então, nunca deixam de estar presentes, mesmo que sob o efeito de apagamentos. Assim, ao lado da injunção neoliberal, paradoxalmente, ainda com Harvey, observamos

 

movimentos sociais urbanos em evidência buscando superar o isolamento e reconfigurar a cidade de modo que ela passe a apresentar uma imagem social diferente daquela que lhe foi dada pelos poderes dos empreiteiros apoiados pelas finanças, pelo capital empresarial e por um aparato estatal que só parece conceber o mundo em termos de negócios e empreendimentos. (Harvey, 2014, p. 49)

 

Um espaço acadêmico-científico que tensiona a uniformidade

Em termos de movimentos que procuram dar visibilidade a outras ordens de significação – a uma imagem do social diferente daquela que lhe foi dada, nos termos de Harvey (2014) acima citado – o Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb/Nudecri/Unicamp), fundado em 1992, e sua Revista RUA, criada em 1995, têm contribuído de modo significativo, no espaço acadêmico-científico, produzindo visibilidade a movimentos de ressignificação das cidades e de suas/seus cidadãs/cidadãos por meio de seu fazer cotidiano.

Essa prática acadêmico-científica foi configurando a área do Saber Urbano e Linguagem que procura, justamente, fazer ver, nos termos de Orlandi (1999a), a relação tensa e contraditória entre a ordem da cidade e a organização do urbano. Ou seja, é uma prática que procura dar visibilidade às tensões e contradições em funcionamento na relação, conforme nos fala Orlandi (1999a, p 9-10), entre o discurso do urbano (um conhecimento sobre o urbano institucional e cotidiano) e o discurso urbano (o real da cidade) de modo a “flagrar esse real por onde ele foge não se deixando pegar pela fala do urbano” (Orlandi, 1999a, p.9), de modo a “compreender flagrantes da cidade. Modos seus próprios de aparição” (Orlandi, 2004, p. 30).

Nessa relação tensa e contraditória entre a ordem da cidade e a organização do urbano (Orlandi, 1999a), saberes especializados e cotidianos se confluem, se entrecruzam e se refluem na tensão com aquilo que escapa à organização da língua/do urbano – unidade configurada pelo imaginário. A instituição escolar, os processos de escolarização configurados por políticas públicas e práticas cotidianas, fazem parte da tensão entre a unidade imaginária e aquilo que fura, que racha, que falha no ritual (Pêcheux, 1990).

 

Políticas públicas de educação e a cidade

Nessa conjuntura anteriormente esboçada, há uma reorganização capitalista que ocorre a partir dos anos 1970, marcada pela globalização da economia, pela transnacionalização das estruturas de poder, pelas novas tecnologias e pela reestruturação produtiva que irá demandar novos processos de subjetivação e novas formas de sociabilidade, uma vez que a pobreza, a desigualdade, a possibilidade de conflitos e confrontos vão se adensando. Ao lado desse adensamento, a educação vai sendo colocada, globalmente também, por meio das políticas desencadeadas pelos organismos internacionais de financiamentos, como uma solução estratégica da pobreza (do pobre, melhor dizendo, como Silva mostra em vários trabalhos4) e, portanto, nessa discursividade, do assim chamado desenvolvimento econômico.

É nessa conjuntura que o “III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto – 1980-1985” (1980) textualiza essa posição que afeta diretamente as políticas públicas de educação e de línguas, no espaço discursivo brasileiro. Na Apresentação do referido Plano, assinada pelo Ministro da Educação, Cultura e Desporto, constrói-se uma textualidade em que flagramos um processo de nomeação que se presentifica sob um funcionamento parafrástico e sob o efeito de palavras intercambiáveis: “margem urbana” e “periferias”, de um lado, e “campo” e “meio rural”, de outro, sob o efeito de sinonímia, nomeiam os espaços sociais que são priorizados para a “encarnação social” da educação. Isso porque, conforme podemos observar no recorte abaixo, nessa discursividade – “o que pode e deve ser dito em uma conjuntura dada” (Pêcheux, 1988, p. 160) –, “a educação ganha sentido e consequência” em razão “de sua inserção social”. E a inserção social é territorializada/espacializada. Inserção social que é equivalente, nessa discursividade, a desigualdade social e a desequilíbrio regional:

 

A educação ganha sentido e consequência a partir de sua inserção no espaço social. É ela que determina prioridades e oferece os elementos de avaliação quanto a um rendimento que, no Brasil dos nossos dias, terá de ser medido pela redução das desigualdades sociais e dos desequilíbrios regionais.

A prioridade hoje conferida pelo MEC às estruturas básicas, a sua absorvente preocupação com as áreas mais carentes, precisamente o campo e a margem urbana, corresponde a esse compromisso integrador. Através dele, desse conjunto de ações sócio-educativas e culturais, no meio rural e junto às periferias urbanas, a educação será uma encarnação social. (Brasil, 1980, s/n. Grifos nossos)

 

Esse processo discursivo já foi flagrado por Silva (2018) quando ela mostra que

a segunda metade do século XIX, quando acontecimentos como a Independência, a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República produzem movimentos político-sociais decisivos em relação à urbanização e à escolarização da população brasileira, configurando a posição sujeito livre e pobre; e a segunda metade do século XX, em que se inicia efetivamente a universalização da Educação Fundamental em meio a uma crescente e complexa urbanização, em que o efeito sujeito excluído produz-se no centro da cena enunciativa de diferentes discursividades pela inscrição dos efeitos linguísticos materiais na história (GADET; PÊCHEUX, 2004) em que estão implicadas as noções de direito, de democracia, de cidadania, de desigualdade, em determinadas condições materiais de existência de uma sociedade extremamente desigual como a nossa. Nesse momento, sob o ideário do capital humano, em uma conjuntura econômica desenvolvimentista, o problema da desigualdade de classe social desloca-se para a desigualdade educacional, ficando, então, a educação, a escola (logo, o ensino de língua(s)) como principais responsáveis pela superação das desigualdades sociais e pelo progresso do País. (Silva, 2018, p. 249-250).

Vemos, ainda, na parte denominada “Concepção Fundamental” do III Plano, essa posição inscrita na Apresentação reforçada em torno de questões que irão se desenvolver, nos anos subsequentes a sua publicação, na direção de duas linhas prioritárias: a educação no meio rural e a educação nas periferias urbanas. Linhas prioritárias de um “esforço educacional” voltado a “preparar a mão-de-obra” dentro de uma “estrutura produtiva” que atenda “às necessidades básicas da população majoritária” e que ofereça “postos de trabalho acima de níveis de estrita subsistência” (Ibid, p. 13).

Assim, ao tempo de territorializar/espacializar a “inserção social” da educação, essa inserção – enquanto solução da “desigualdade social” e do “desequilíbrio regional” – produz um sentido específico/limitador para a educação na Periferia: a preparação de mão-de-obra. Mão-de-obra que receba um salário que permita acumulação e não apenas “estrita subsistência”. Desse modo, consubstancia-se essa educação – na Periferia – como superação da pobreza (que implica no pobre, que precisa se superar ou ser superado (?)) e promoção do desenvolvimento econômico em uma formação ideológica capitalista que depende de uma força de trabalho, preparada pela educação, para trabalhar adequadamente:

o esforço educacional faz parte de um esforço geral, não somente dentro da área social, mas também dentro da área econômica, porque não há solução satisfatória dos problemas, se não houver convergência entre as áreas sociais e as áreas econômicas. Pouco adianta preparar a mão-de-obra se a estrutura produtiva não estiver adequada às necessidades básicas da população majoritária e contiver suficiente tendência de criação de postos de trabalho acima de níveis de estrita subsistência. Dentro do atual estilo de crescimento econômico, que tem, entre seus traços característicos, presença ainda reduzida do setor industrial na economia e propensão pouco absorvedora de mão-de-obra em sua parte mais dinâmica, o impacto da profissionalização pode ser maior em favor dos empregadores do que favor dos empregados. (Brasil, 1980, p. 13, grifos nossos)

 

A Educação é inscrita, nessa discursividade, na área social justamente pela sua captura enquanto solução da pobreza: reduz-se, por um funcionamento de metaforização metonímica (Lagazzi, 2013), educação e social à pobreza, à sua superação. A aliança educação e economia, por sua vez, materializa-se em um encadeamento calculado e estimulado (financiado) entre formação adequada e existência de postos de trabalho: conferindo-se assim “sentido” e “consequência” à educação.

Filiando-se a essa discursividade, da posição do Estado, vamos encontrar nos anos 1990, uma primeira política de currículo nacional, fornecendo uma base comum não só pedagógica, mas, ao mesmo tempo, epistemológica, logo social, política, para a constituição de processos de subjetivação e de sociabilidade que são configurados por uma política educacional: Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), “com a finalidade de apresentar linhas norteadoras, enquanto uma proposta de reorientação curricular que é oferecida “a secretarias de educação, escolas, instituições formadoras de professores, instituições de pesquisa, editoras e a todas as pessoas interessadas [leia-se bancos e organizações internacionais, Ongs, Institutos] em educação, dos diferentes estados e municípios brasileiros” (Brasil, 1998, p. 9). Mas não só! Também com a finalidade de apresentar “Uma análise da conjuntura mundial e brasileira [que] revela a necessidade de construção de uma educação básica voltada para a cidadania” (Ibid., p. 9). Superação da pobreza, desenvolvimento econômico e cidadania entram em uma nova/mesma aliança que sustenta essa discursividade.

Nesse sentido, trazemos uma compreensão fundamental em Silva (2021) quando a autora formula que

Apreender e compreender as “lutas ideológicas de movimento” [Pêcheux, 2011] presentes nas políticas de línguas desenvolvidas no Brasil a partir da segunda metade do século XX, em sua dimensão histórica, [permite] (...) enfrentar os desafios que se apresentam em movimentos recentes da política educacional brasileira e, ao mesmo tempo, [permite] trabalhar outros gestos de leitura possíveis como forma de resistência. Lutas ideológicas de movimento estruturadas em e estruturantes de uma formação social capitalista periférica, resultante de um processo de colonização e escravização de índios e negros, em que a educação de qualidade não se constituiu– nem se constitui ainda - como um direito para todos e nem em prioridade para os grupos econômica e politicamente dominantes. Uma sociedade em que o interesse e as demandas privadas prevalecem sobre as públicas, em que as diferenças se transformam em desigualdades e em discriminação, em que o outro não é reconhecido como sujeito, como alteridade. (Silva, 2021, p. 229-230)

 

E podemos prosseguir mais um pouco na textualidade da Apresentação do PCN, destacando, - como irão analisar vários autores de diferentes áreas como Bruno (2019); Chauí (2021); Laval (2023); Dardot & Laval (2010) -, a importância central dos processos de individuação do sujeito capitalista (Orlandi, 2001) nessa etapa do capitalismo (com suas crises): “A educação está na pauta das discussões mundiais. Em diferentes lugares do mundo discute-se cada vez mais o papel essencial que ela desempenha no desenvolvimento das pessoas e das sociedades”. (Brasil, 1998, p. 15).

Nesse batimento de memória e atualização, a periferização da educação – compreendida no movimento restritivo que a coloca no ângulo de preparação de mão-de-obra territorializada em determinados espaços (urbanos/sociais/citadinos) resvala em uma questão que é ao mesmo tempo de construção de conhecimento, de divulgação de conhecimento e, portanto, formativa.

Nesse sentido, vemos no Dicionário de Favelas Marielle Franco (DFMF)5 um ponto de ancoragem fundamental para compreender as tensões, contradições e os deslocamentos que se inscrevem em movimentos que procuram, justamente, abrir espaços para um amanhã diferente de ontem se efetivar não apenas em um novo nome, mas nas condições de produção das redes de subjetivação.

 

O dicionário de Favelas Marielle Franco – uma tomada de posição

O Dicionário de Favelas Marielle Franco (DFMF) é um artefato de conhecimento construído em ambiente digital e que funciona na combinação entre uma equipe permanente vinculada ao dicionário e a submissão de colaborações, sendo por isso considerada como uma wiki. Nele há, conforme mostra Medeiros (2025b) com base em Esteves (2014), um funcionamento indistinto/fundido, entre dicionário e enciclopédia, bastante produtivo. Nesse sentido, trazemos Esteves (2014) para colocar em cena a(s) produção(ões) de conhecimento(s) nos dois tipos de artefatos:

 

há entre dicionários e enciclopédias diferentes imaginários daquilo que está sendo tratado: os dicionários abordam a língua; as enciclopédias, os fatos, as ciências, as técnicas. Ambos são instrumentos extremamente atrelados a uma produção imaginária de conhecimento, mas cada um com um repertório de objetos a serem construídos discursivamente na organização dos instrumentos. Ademais, a presença de informação metalinguística na discursivização dos referentes é determinante no funcionamento de dicionários e enciclopédias. (Esteves, 2014, p. 66-67)

 

Continuando, o autor nos dirá que

 

nas enciclopédias se produzem, de acordo com nossa proposta, metassaberes, numa ilusão de apreensão, divulgação e ensino dos conhecimentos de diversas regiões do saber. (...) Instrumentos de saber metalinguístico e instrumentos linguísticos de metassaber: ambos instrumentos linguísticos, para retomar o sintagma. Saber e língua estão presentes se interafetando nos dois tipos de instrumento, mas de maneiras diferentes. (...) os instrumentos linguísticos de metassaber (...) funcionam de modo a descrever as ciências, as artes, as coisas, a história, as técnicas, e acabam por significar também as línguas – e isso se dá, por exemplo, já pela escolha da organização do conhecimento: se haverá ordem alfabética ou se a enciclopédia apresentará artigos e subartigos; se há remissivas; se há índice geral; se haverá informações sobre as classes gramaticais a que os verbetes pertencem; se o instrumento é traduzido; se há notas de rodapé para dizer das palavras. Enquanto os instrumentos de saber metalinguístico ocupam um espaço que se pretende descrever a língua pela língua (metalinguagem), os instrumentos linguísticos de metassaber ocupam outro, que se inscreve no desejo de descrever o saber pelo saber (metassaber), e necessariamente pela língua como base material. (Esteves, 2014, p. 70-71)

 

Nessa fluição entre dicionário e enciclopédia, o DFMF se inscreve na tensão entre processos legitimadores e deslegitimadores dos conhecimentos, dos sujeitos, dos espaços da cidade, nas palavras de Medeiros (2025a), na tensão entre saberes subjugados e saberes que subjugam6.

Não vamos incidir nossa análise na organização do DFMF, apesar de não desconhecermos que essa estrutura e seus modos de dizer de si efetivam efeitos de sentido nos recortes com os quais trabalhamos7. Buscamos, retomando as palavras de Orlandi: flagrar esse real por onde ele foge não se deixando pegar pela fala do urbano” (Orlandi, 1999a, p.9), de modo a “compreender flagrantes da cidade. Modos seus próprios de aparição” (Orlandi, 2004, p. 30). Interessa-nos, particularmente, as múltiplas dimensões do DFMF de presença na relação com um território nomeado que se inscreve na memória discursiva das formações sociais no Brasil de diferentes formas: favelas. Território cuja nomeação recebe letra maiúscula, funcionando como nome próprio em relação de justaposição com outro nome próprio, o de Marielle Franco. Sobre isso, vejamos as compreensões de Medeiros (2024b).

 

Com Dicionário de favelas se tem, então, uma tomada de palavra por sujeitos do espaço posto na nossa formação social como da periferia. Julgo que o nome Marielle Franco incide sobre o sintagma Dicionário de Favelas acrescentando sentidos de luta e resistência bem como funcionando de modo a autorizar seus dizeres.” (Medeiros, 2024b, 412-413)

Além disso,

Dar o nome de Marielle Franco – uma liderança política e intelectual – ao dicionário é apostar e antecipar um futuro enquanto o constrói. Em nossa leitura, o nome Marielle Franco funciona como horizonte de projeção – projeto de futuro – possibilitando desdobramentos que dizem respeito a saberes; funciona como um catalizador de saberes que não adentra(ra)m em instrumentos linguísticos reconhecidos como lugares de saber.” (Medeiros, 2024b, 414)

 

O DFMF se formula, assim, na tensão entre o institucionalizado e o não institucionalizado que procura fissuras para se dizer de outro lugar: Ou seja, como coloca Medeiros (2025b), o DFMF se inscreve na história de embates das formações sociais que, dentre outros modos de controle das alteridades, tem no discurso do conhecimento e sobre o conhecimento, uma forma de dessignificar o outro, aquele que é significado enquanto margem. Não sem contradição. Não sem tensão. Porém assumindo uma posição de ética e responsabilidade (Pêcheux, 1997).

Nesse sentido, trazemos formulações sobre o DFMF presentes no artigo El desafío de la descolonización del conocimiento: el Diccionario de Favelas Marielle Franco, cuja autoria é de Sonia Fleury, Clara Polycarpo, Palloma Menezes, Marcelo Fornazin, publicado em 2022 e que é também um verbete no DFMF8. No resumo do artigo lemos:

Los sectores dominantes de la sociedad describen las favelas a partir de definiciones negativas a priori, que han sido cuestionadas por diversos actores colectivos. A partir de una iniciativa conjunta de la comunidad académica y quienes residen en las favelas, se crea el Diccionario de Favelas Marielle Franco como una plataforma en línea que, a través de la construcción colectiva del conocimiento, busca difundir diferentes narrativas sobre estos territorios y sus poblaciones. En este artículo, discutimos como se produjeron los acuerdos y divergencias entre el conocimiento de la comunidad académica, activistas y habitantes de barrios marginalizados; y presentamos la trayectoria de la construcción del Diccionario, que busca superar tensiones y así incorporar otros lenguajes y registros capaces de sustentar las producciones y memorias de las favelas. (Fleury; Polycarpo; Menezes; Fornazin, 2022, p. 1)

 

Destacaríamos, ainda, dois pontos da Introdução do referido artigo:

El proceso de producción de conocimientos está, casi siempre, permeado por obstáculos que se presentan tanto desde el lenguaje y las formas de expresión/manifestación del pensamiento, como desde las relaciones de poder perpetuadas por la colonización de saberes y grupos. Por lo tanto, la realidad y los sujetos se producen –y también se disputan– a través de acuerdos y desencuentros de historias y narrativas. [...]

Por outro lado, la jerarquización de los saberes construye una pirámide en la cual las vivencias, los saberes populares, las prácticas sociales e incluso la producción académica proveniente de centros culturales de las favelas han sido jerárquicamente inferiorizados en función de las limitaciones para su circulación y difusión en ambientes intelectualmente reconocidos, como las universidades. (Ibid., p. 2)

 

É nesta insistência que se faz na prática cotidiana de gestos de resistência ao que está posto, com muito ruído e repetição, que o Dicionário de Favelas Marielle Franco se inscreve – uma tomada de posição –, fazendo parte das condições de produção para que “amanhã não seja só um ontem/Com um novo nome” (Emicida, Felipe Vassao e Dj Duhé, “AmarElo”, 2019).

 

Dicionário de Favelas Mariella Franco enquanto artefato

Nosso interesse recai na relação entre artefato-conhecimento(s)-cidade e, portanto, sujeitos. Na divisão, na disputa em relações desiguais de força, na visibilidade/invisibilidade-legitimação/deslegitimação de sujeitos e conhecimentos e territórios, naquilo que se atualiza dentro de uma memória discursiva inscrita nas formações sociais da história brasileira. Interessa-nos, sobremaneira, articular o que pudemos observar em termos de filiações de sentido inscritas nas políticas de educação quando trouxemos o III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto – 1980-1985 e o PCN na atualização dessa memória em outras/mesmas divisões e territorialização dos sujeitos, das educações e dos conhecimentos.

Estamos considerando o DFMF – um artefato de conhecimento – como um instrumento linguístico – inicialmente formulado por Auroux (1992) e que ganha novos contornos e deslocamentos com os trabalhos de pesquisadores brasileiros, como Orlandi (1997) – e como um instrumento linguístico de metassaberes, tal como formulado por Esteves (2014). Comecemos expondo duas formulações que nos importam sobre instrumentos linguísticos. A primeira oriunda de pesquisadores que fazem parte do grupo de pesquisa filiado a Sylvain Auroux:

 

Os instrumentos linguísticos fabricam uma língua (Auroux, 1998) uma vez que “a língua não está diante daquele que se propõe a descrevê-la ou a ‘reduzi-la em regras’ como um objeto bem delimitado que lhe seria suficiente delimitar e explorar” (Colombat, Fournier e Puech, 2017[2010], p. 166)

 

Nela, destaca-se um ponto fulcral para nossos trabalhos: os objetos de conhecimentos são construídos (fabricados) justamente porque se pressupõe que eles não sejam dados no mundo. Isso implica também nas posições-sujeito do conhecimento, posições que são da ordem do histórico, do político, do ideológico e que, na conjuntura atual se configuram a partir de uma forma sujeito urbano escolarizado9. O que significa que são da ordem das divisões no social. É para isso que chamamos a atenção para a formulação seguinte sustentada pelos deslocamentos produzidos por uma tomada materialista da língua, do discurso, da produção de conhecimento(s):

 

Estou considerando instrumentos linguísticos como lugares de transmissão de saberes que podem ou não promover a disciplinarização de saberes, podem ou não instituir conhecimentos a saber a partir de sua tecitura, de seus dizeres, das tensões inscritas no funcionamento do dizer, citar, definir, exemplificar, verbetizar… do que, enfim, elegem ou não como saberes. Nesse movimento, sobre o qual incidem formas de silenciamento e de (in)visibilidade, poderemos depreender saberes subjugados e que subjugam e apostar no potencial transformador de uma reflexão fecunda sobre eles.” (Medeiros 2025a p. 369)

 

Muito bem. Se é essa nossa tomada de posição frente aos instrumentos linguísticos é preciso agora dizer daquilo que a especificidade de um instrumento linguístico como o DFMF nos faz ver, compreender, provocar, que incide, em seu próprio nome, na articulação que nos é cara entre artefato(s)/conhecimento(s)/cidade(s) e, por pressuposto teórico, sujeitos.

Nomear um dicionário de Dicionário de Favelas demarca um território como campo de saber. Tem-se com tal nomeação uma divisão social que configura a cidade dividida entre asfalto e favela. A formulação Dicionário de favelas põe em cena não-ditos: há dicionários que não são de favelas e há dicionários do asfalto. Marca, portanto, dois espaços distintos. Uma distinção que concerne à construção de conhecimento, afinal, dicionários são instrumentos que institucionalizam saberes. Antes de prosseguir, é necessário dizer que tal dicionário é produzido tanto por quem é cria das favelas (como nomeiam quem pertence a tal território) quanto por quem está ligado aos movimentos, às lutas e às questões da favela, neste caso, incluindo, por exemplo, produções acadêmicas, jornalísticas, jurídicas, artísticas. Noutras palavras, aí se encontram vozes de sujeitos periféricos, ou melhor, em tal instrumento se encontram discursos de e sobre espaços e sujeitos postos como periféricos” (Medeiros, 2024b, 412)

 

Como vemos em Medeiros (2024b), a relação entre artefato(s)-conhecimento(s)-cidade(s)-sujeito(s) toca a divisão e a disputa por sentidos e espaços que se atualiza dentro de uma memória discursiva inscrita nas formações sociais da história brasileira. Divisões e disputas que podem produzir ou não deslocamentos. Sempre em relações tensas e contraditórias.

Interessa-nos também, como já afirmamos, articular essa compreensão ao que pudemos observar em termos de filiações de sentido inscritas nas políticas de educação quando trouxemos o III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto – 1980-1985 e o PCN na atualização dessa memória em outras/mesmas divisões e territorializações dos sujeitos e da educação. Para tanto, vamos olhar para verbetes formulados em relação ao significante desigualdade, textualizado no referido III Plano nos sintagmas “desigualdades sociais” e “desequilíbrios regionais”, sintagmas que justificam a inserção no social da educação significada enquanto superação da desigualdade social e do desequilíbrio regional, o que confere, nessa discursividade, sentido e consequência à educação.

Tomamos, então, o termo “desigualdade”, colocando-o em relação ao modo como comparecem no DFMF e no Dicionário Houaiss, o primeiro enquanto um instrumento alternativo10 (Medeiros, 2025b) e o último enquanto um instrumento tradicional, consolidado na história das ideias linguísticas no/do Brasil enquanto um dicionário legitimado/autorizado em diferentes espaços como o escolar e o universitário. Na constituição desse corpus, em que estão em jogo tanto a entrada (o que se torna verbete e o que não se torna), quanto o modo como se formula a entrada e seu enunciado definidor, além do artefato em si, voltamo-nos para o funcionamento de verbetes que se articulem com a rede discursiva que sustenta a forma material “desigualdade”.

 

Verbetes em tensão

Nosso gesto de recorte, como já dissemos, em razão daquilo a que fomos sendo conduzidas escutando as textualidades de políticas públicas de educação, incide sobre desigualdade enquanto um significante que se enreda, de modos distintos, tanto no Dicionário Houaiss como no DFMF. Como se verá, apesar de termos previsto trabalhar em nossas análises apenas com o Dicionário Houaiss para assinantes no contraponto ao DFMF, acabamos por trazer também de modo muito mais breve o Dicionário Houaiss online, cujo funcionamento e representação são diversos, em função de nele estar presente o verbete “desigualdade social”.

Antes de prosseguirmos, queremos lembrar que uma Análise de Discurso Materialista não objetiva

 

a exaustividade que chamamos horizontal, ou seja, em extensão, nem a completude, ou exaustividade em relação ao objeto empírico. Ele é inesgotável. Isto porque, por definição, todo discurso se estabelece na relação com um discurso anterior e aponta para outro. Não há discurso fechado em si mesmo, mas um processo discursivo do qual se podem recortar e analisar estados diferentes (Orlandi, 1999b, p. 62)

 

Nesse sentido, considerando as discursividades que vimos trabalhando até aqui relativas às políticas educacionais, mas também considerando os trabalhos que já realizamos em outras oportunidades, podemos acrescentar que, nas políticas de educação, ao longo dos anos, vão se tornando mais evidentes as relações de força e de poder dominantes em direção à privatização da escola com ênfase na gestão, ao saber como ferramenta a serviço da eficiência do trabalho de modo a reduzir custos, à instrumentalização do conhecimento pela técnica, ao processo de formação de professores através da educação à distância, à adoção de recursos didáticos impressos ou digitais uniformes calcados em competências e habilidades de forma a serem submetidos a avaliações nacionais e internacionais constantes, o que possibilita estabelecer equivalências para efeitos de comparação entre escolas, professores, alunos, cidades, países e atribuir o sucesso ou fracasso de forma meritocrática11. Com essa compreensão em termos de conjunturas e seus efeitos de sentido que fazemos nosso gesto de leitura.

É preciso começar salientando que, diferentemente de análises de Medeiros em que a autora flagra verbetes que só estão presentes no DFMF, apesar de serem palavras/sintagmas que circulam de modo corrente no espaço enunciativo (Guimarães, 2002) brasileiro, nosso recorte em torno do significante “desigualdade” nos mostra que há verbetes presentes nos dois instrumentos por nós analisados, porém de modo muito distinto. Em primeiro lugar pela forma da entrada. No Houaiss, ‘desigualdade’ entra isoladamente como verbete, ganhando adjetivações nas acepções ou exemplos. No DFMF, ‘desigualdade’ integra sintagmas e mesmo frases ou orações. No Houaiss, há acepções e exemplos, no DFMF há explanação, muito própria a uma discursividade enciclopédica; e não há exemplos de uso, mas exemplos que confirmam a explanação, de modo que se “desencadeia o processo de argumentação” (Orlandi, 2023, p. 12), dentro de uma discursividade científica e comprobatória (mais comumente com o uso de estatísticas). No Houaiss, há descrição metalinguística. No DFMF, há metalinguagem/metassaberes.

Comecemos pelo Dicionário Houaiss tal como se apresenta na entrada12.

 

Recorte 1

Figura 1 – Captura de tela do verbete “desigualdade” no Houaiss online para assinantes (17 de outubro de 2025)

 

Chamamos a atenção para o fato discursivo de o verbete “desigualdade” ser definido, em sua primeira acepção, enquanto “caráter, estado de coisas ou pessoas”. Ou seja, não se trata de um funcionamento histórico-social e, sim, de substância intrínseca à coisa ou à pessoa. Igualmente observamos que “desigualdade social” é a única formulação que entra no verbete, e apenas enquanto um exemplo (o último deles, após os exemplos de desigualdade de idade, de forças e de tratamento), na segunda acepção: “ausência de proporção, de equilíbrio; disparidade, distância”. Ainda assim, a ausência é na/da pessoa e não na/da sociedade. Observamos, finalmente, que não há remissões a outros verbetes de desigualdades específicas como a social, a racial, a de gênero.

Apenas a título de menção, no Dicionário Houaiss online, cujo acesso é gratuito, há o verbete “desigualdade social”. O verbete “desigualdade”, nesse dicionário, funciona de modo muito próximo ao do Houaiss para assinantes, apesar de sua forma de configurar o enunciado definidor não se dar por uma sequência de acepções numeradas, mas como texto corrido. Já o verbete “desigualdade social” traz a desigualdade social (que pode ter várias formas (gênero, raça, intelectual e econômica) enquanto um “fenômeno” (social) responsável (!) pela diferenciação entre indivíduos. É o fenômeno o responsável pelos indivíduos serem tratados diferentemente. Um fenômeno de Munchausen, diríamos nós, se agarrando pelos próprios cabelos no ar! Os exemplos trazem o verbete em textualidades marcadas por uma das formas de denúncia (Modesto, 2018) cujo funcionamento é próprio de uma formação social capitalista em que o “ato de denunciar representa uma evidência que se transforma em um ponto de ancoragem para o sujeito-de-direito” (Modesto, 2015, p. 160).

 

Recorte 2

Figura 2 – Captura do verbete “desigualdade social” no Dicionário Online (17 de outubro de 2025) em https://www.dicio.com.br/desigualdade-social/

 

Nossa busca13 no DFMF pelo significante desigualdade apresenta um resultado que nos mostra uma diferença significativa em relação a Dicionários correntes da tradição lexicográfica, como o de Houaiss. Há quinze entradas que têm em seu nome o significante desigualdade, sempre na forma de sintagmas ou frases ou orações, como já observamos. Porém, a busca também nos mostra a presença massiva desse significante em enunciados definidores de 500 outros verbetes. Essa presença marcante indica uma posição a partir da qual se enuncia aquilo que é recortado enquanto verbete cujo enunciado definidor produz a visibilidade do funcionamento desigual das relações de força, em suas mais diversas dimensões, como estruturante.

Por outro lado, observamos que o DFMF apresenta quatro Eixos de Análise para a construção e elaboração de seus verbetes: “Sociabilidade e Cultura”, “Associativismo e Memória”, “Estado e Mercado”, “Saúde”. Cada Eixo é, por sua vez, dividido em “temáticas”. Nesse ir-e-vir entre a teoria, nossas questões norteadoras iniciais, a estrutura e funcionamento do arquivo trabalhado aqui e em outros estudos e pesquisas, pudemos fazer nossos recortes analíticos, selecionando, então, o Eixo “Estado e Mercado” e a Temática “Economia e Mercado”, onde encontramos três verbetes que têm em seu nome a forma material desigualdade: 1. Desigualdade nas metrópoles (boletim); 2. Desigualdade Social; 3. DesigualdadeS no plural.

No primeiro verbete, “Desigualdade nas metrópoles (boletim)” observamos que ele reproduz o Boletim Desigualdades nas Metrópoles, número 8, 2022, que é

 

Recorte 3

produzido trimestralmente pelo Observatório das Metrópoles, em parceria com a Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul (PUCRS) e a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina (RedODSAL). A fonte de dados é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e dizem respeito à renda domiciliar per capita do trabalho, incluindo o setor informal. O recorte utilizado é o das 22 principais áreas metropolitanas do país, de acordo com as definições do IBGE. Todos os dados estão deflacionados para o primeiro trimestre de 2022, de acordo com o IPCA. (DFMF)

 

E traz como enunciado definidor um resumo do boletim. Uma diferença em relação ao discurso dicionarístico tradicional.

Recorte 4

O Boletim "Desigualdade nas Metrópoles" revela que, após cinco trimestres de crescimento, a renda dos 40% mais pobres caiu para R$240,79 per capita no início de 2022, indicando um empobrecimento prolongado. A inflação, estagnação no mercado de trabalho e recuperação em ocupações de baixo status contribuíram para esse declínio, resultando em graves consequências, como aumento da vulnerabilidade social e crescimento da extrema pobreza. O cenário futuro permanece incerto, dependendo da estabilização da inflação e do crescimento econômico.

Autoria: Observatório das Metrópoles

 

Decidimos, em nosso trajeto de análise, ir para o verbete “DesigualdadeS no plural” por trazer algo novo já ao nomear o verbete: um S em letra maiúscula e a palavra “plural” reafirmando a pluralidade das desigualdades. E foi uma escolha importante em termos de compreensão da estrutura e funcionamento do DFMF. Por isso trazemos como recorte a página inteira do verbete14.

Recorte 5

 

Figura 3 – Captura da tela do verbete completo “DesigualdadeS no plural” no DFMF (17 de outubro de 2025) em https://wikifavelas.com.br/index.php/DesigualdadeS_no_plural

 

Observamos que no verbete DesigualdadeS no plural, encontramos um “enunciado definidor”, seguido de um “Índice”, de um “Sobre”, de “remissões e enunciados definidores de outros sintagmas que também comparecem como entradas individuais de outros verbetes: desigualdade social, desigualdade racial, desigualdade de gênero, vindo a seguir “Ver Também” e “Notas e Referências”. Temos, então, três verbetes, a repetição do verbete anterior Desigualdades nas metrópoles (boletim) – agora referido em “Ver também” – um verbete-artigo: “Mapa da Desigualdade: o que se aprende” e o verbete Nós Por Nós – Por Mais Direitos e Menos Desigualdade Social, que, conforme mostraremos em breve, escapa à regularidade do verbete inicial e de seus desdobramentos em outros verbetes.

Chamamos a atenção para algumas regularidades próprias desses verbetes e a algumas diferenças em relação a outros verbetes do DFMF: apresentam um enunciado definidor no início do verbete seguido da informação sobre a(s) autoria(s) e por fim o índice. Após cada item elencado no índice são apresentadas as seções “ver também” que remete sempre a outros 3 verbetes e depois a seção “notas e referências” bem típica de textos científicos. Outra regularidade é a de que, à exceção da autoria creditada a um coletivo sem nomeação individual – “equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco”, as demais autorias são referidas nominalmente. Há verbetes exclusivos da equipe, há verbetes da equipe do DFMF com outra(s) pessoa(s) e há autorias nas quais a equipe não está envolvida. É o caso de nosso último verbete recortado: apresenta a organização comunitária independente cujo nome é a entrada do verbete, não tem referências e a autoria é do coletivo.

A extensão dos verbetes varia significativamente. Há verbetes que se assemelham a artigos, há verbetes que promovem uma síntese analítica, há verbetes que são um artigo, há verbetes que divulgam publicações – cadernos e livros –, há verbetes que divulgam programas e coletivos e há poucos verbetes que se assemelham mais com enunciados definidores de tradição dicionarística. Nesses últimos, não há índice. Apenas a entrada, o enunciado definidor e a autoria, além da seção “ver também”, que comparece em todos os verbetes, sessão em que há, como já observamos, remissão a outros verbetes articulados por uma rede de sentidos.

É interessante ainda observar que essa remissão da seção “Ver também”, muito própria ao discurso lexicográfico, seja sob um funcionamento mais dicionarístico ou mais enciclopédico, se afasta, no DFMF, do efeito de completude e mesmo, em alguma medida, do efeito de mera repetição ou de circularidade. Explicamos: todos os verbetes que olhamos fazem 3 remissões que não se repetem sempre. Em “DesigualdadeS no plural”, como já dissemos, há a remissão a “Mapas da Desigualdade: o que se aprende? (artigo)”, “Desigualdade nas metrópoles (boletim)” e “Nós Por Nós - Por Mais Direitos e Menos Desigualdade Social”. Já em “Desigualdade Social”, um verbete presente na Temática selecionada – economia e mercado –, as remissões são a “DesigualdadeS no plural”, “Desigualdade racial” e “Desigualdade de Gênero”. Esses dois últimos verbetes repetem essa lógica de fazer referência ao verbete agregador “DesigualdadeS no plural” e mais os outros dois, dos três (social, racial, de gênero). Já o verbete “Nós por Nós. Por Mais Direitos e Menos Desigualdade Social” faz remissão aos verbetes “Coletivo Favela Vertical”, “Gardênia Azul Mundo Afro (coletivo)” e “Coletivo Arte na Periferia”.

Decidimos recortar, nessa rede de sentidos entre verbetes, 5 deles. O nosso inicial - DesigualdadeS no plural – e outros 4: Desigualdade Social, Desigualdade Racial, Desigualdade de Gênero e Nós por Nós. Por Mais Direitos e Menos Desigualdade Social.

No movimento palavra-puxa-palavra (Silva, 1996), uma interessante rede de sentidos se estabelece, mas de modo diferente dos dicionários tradicionais: uma nova forma de estabelecer a relação linguagem-pensamento-mundo em sua estrutura e funcionamento, em que se “busca superar tensiones y así incorporar otros lenguajes y registros capaces de sustentar las producciones y memorias de las favelas” (Fleury; Polycarpo; Menezes; Fornazin, 2022). Orlandi (2004) falando da organização da cidade, diz que da perspectiva simbólica, organização e desorganização andam juntas. Acreditamos ser importante pensar na estrutura e funcionamento do DFMF, que nesse trabalho de reprodução-ruptura do discurso dicionarístico, vai dando visibilidade a outras relações de sentido, a outros modos de compreensão das relações sociais, das relações de classes.

As falas desorganizadas significam lugares onde sentidos faltam, incidência de novos processos de significação que perturbam ao mesmo tempo a ordem do discurso e a organização do social. O conhecimento desses processos contribui para a melhor compreensão do que tem sido tratado sob o nome genérico de “conflito social”. (Orlandi, 2004, p. 63)

 

Nos verbetes analisados não encontramos falas desorganizadas, mas organizadas, ao mesmo tempo, de modo distinto e igual pelo que já está posto no discurso dicionarístico, produzindo ruído, e o efeito de desorganização. Nessa tensão entre o mesmo e o diferente, abre-se espaço para se dizer de outros lugares, de modo legítimo, na tensão entre quem pode e não pode dizer na luta de classes inscrita na produção e circulação do(s) conhecimentos(s).

Os verbetes DesigualdadeS no plural, desigualdade social, desigualdade racial, desigualdade de gênero, todos de autoria da equipe do DFMF, sozinha ou em coautoria têm em sua textualidade a marca da terceira pessoa própria a um determinado imaginário de texto científico em que se produz o efeito de um não importa quem diga, essa é a verdade científica que todo e qualquer um dirá: um efeito de universalidade. Nessas textualidades, a desigualdade comparece como estruturante sem individualizar suas razões, apontando para as redes complexas em que ela se instala em diferentes dimensões, todas articuladas: social, racial, de gênero, econômica, socioespacial, geopolítica etc.

Há também, nesses verbetes, um movimento contínuo de mostrar o funcionamento da desigualdade no Brasil e no Mundo, dando a ver sua presença para além de fronteiras, com singularidades, cujo eixo analítico que as articula é o da interseccionalidade, segundo o DFMF. Nessa interseccionalidade, a educação, ou melhor, a dificuldade de acesso e de permanência aos/nos diferentes níveis escolares - fundamental, médio ou superior - é dada como um exemplo da explanação sobre as desigualdades. As Referências são de publicações de intelectuais, como Collins, e de instituições nacionais ou internacionais que sustentam, sobretudo, dados estatísticos que corroboram com as explanações, instalando um processo de argumentação (Orlandi, 2023), como o IBGE, o IPEA e a ONU.

Há, ainda, a regularidade, nos verbetes desigualdade social, desigualdade racial, desigualdade de gênero, de se apontar para “Avanços” oriundos de lutas organizadas que incidem em políticas públicas. Assim, a complexidade das interrelações está presente, a não individualização dos problemas e desafios está presente, as relações históricas em alguma medida estão presentes, mas o modo de produção capitalista e a luta de classes não. Apenas no verbete “desigualdade racial” há a presença do modo de produção escravocrata como base histórica do racismo estrutural.

Já o verbete Nós Por Nós – Por Mais Direitos e Menos Desigualdade Social mereceu uma atenção especial em termos analíticos, pois da série dos verbetes sobre os quais nos detivemos, este é o único cuja autoria não envolve a equipe do DFMF. A textualidade se marca pela presença de uma primeira pessoa do plural que reclama para uma coletividade a necessidade da ação. A desigualdade se faz presente enquanto fazendo parte da vida daqueles que enunciam e buscam formas de organização nas quais se reivindica independência de partidos políticos ou de qualquer gênero de instituição. A textualidade inscreve, assim, um conflito com o Estado – que abandona – e suas instituições – partidárias e organizacionais (públicas ou as assim chamadas civis – ONGs/OSCs).

A voz não tem nome individualizado, é marcada pelo coletivo e por uma caracterização desse coletivo: são jovens. Jovens que convocam e agem no território para o território dentro de uma práxis que envolve estudo e disponibilização de espaços de estudos e trocas. A educação não “ganha sentido e consequência na inserção social” tal qual a discursividade inscrita no III Plano já trabalhada. Na textualização desse verbete, a educação é vivida e construída na prática cotidiana. Ela não é um meio de superação de soluções para empregabilidade e adaptação15, ela é modo de vida, forma de estar presente e em coletividade. A educação, em sua relação com a cultura, é objeto de ações como a biblioteca, o cursinho pré-vestibular e o grupo de estudos, ou ainda o acontecimento do coletivo que é em si espaço de debate e compartilhamento de visões sobre o território para o território. O verbete, assim, não diz sobre a desigualdade, e sim afirma modos de confronto no social, pressupondo-a, como se pode observar no recorte que se segue.

Recorte 6

Figura 4 – Captura do verbete “Nós por Nós. Por Mais Direitos e Menos Desigualdade Social” no DFMF (17 de outubro de 2025) em https://wikifavelas.com.br/index.php/N%C3%B3s_Por_N%C3%B3s_-_Por_Mais_Direitos_e_Menos_Desigualdade_Social

 

 

Uma questão de ética e de responsabilidade

Para fechar nosso percurso, trazemos conosco Michel Pêcheux (1997, p. 57) que inspira o nome do subitem de encerramento. Pêcheux, ao final de seu livro “O discurso: estrutura ou acontecimento”, nos provoca em relação à necessidade de reconhecimento do outro e do real que determinam as interpretações, as relações de sentido, os processos de subjetivação e de identificação. Para Pêcheux este reconhecimento configura uma posição de trabalho, uma práxis para nós, analistas de discurso, enquanto “uma questão de ética e política: uma questão de responsabilidade” (Pêcheux, 1997, p. 57).

De nosso ponto de vista, o DFMF se posiciona igualmente nesse lugar porque ele faz ver a diferença frente à demanda por um mundo semanticamente estável. Para Pêcheux (1997) essa demanda não se realiza apenas nas práticas cotidianas, mas também nas institucionalizadas por meio da

 

construção de laços de dependência face às múltiplas coisas-a-saber, consideradas como reservas de conhecimento acumuladas, máquinas de saber contra as ameaças de toda a espécie: o Estado e as instituições funcionam o mais frequentemente – pelo menos em nossa sociedade – como pólos privilegiados de resposta a esta necessidade ou a essa demanda. (Pêcheux, 1997, p. 34)

 

O Dicionário de Favelas Marielle Franco fricciona as máquinas de saber, se assemelhando e se distanciando, mimetizando e rompendo com um modo de dizer institucionalizado, não apenas porque, mas fundamentalmente porque

 

Todo discurso é o índice potencial de uma agitação nas filiações sócio-históricas de identificação, na medida em que ele constitui ao mesmo tempo um efeito dessas filiações e um trabalho (mais ou menos consciente, deliberado, construído ou não, mas de todo modo atravessado pelas determinações inconscientes) de deslocamento no seu espaço. ((Pêcheux, 1997, p. 56)

 

Como pesquisadoras, apostamos nessas fricções que movimentam as estabilizações na direção de um amanhã que não seja só um ontem com um novo nome!

 

Referências

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2  Doutora em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas, com pós-doutorado em História das Ideias Linguísticas na École Normale Supérieure Lettres & Sciences Humaines, em Lyon, França; pesquisadora vinculada ao Laboratório de Estudos Urbanos da Universidade Estadual de Campinas. E-mail: marizavs@uol.com.br.

3  Remetemos ao processo metafórico, constitutivo da linguagem, que Pêcheux nos traz: “uma palavra, uma expressão ou uma proposição não têm um sentido que lhes seja próprio, preso à literalidade. O sentido é sempre uma palavra, uma expressão, uma proposição por outra palavra, e essa superposição, essa transferência (meta-phora) pela qual elementos significantes passam a se confrontar, de modo que se revestem de um sentido, não poderia ser determinada por propriedades da língua. Esse é o processo sócio-histórico da metáfora: ‘uma palavra por outra’, disse Lacan” (Pêcheux, 1988, p. 262)

4  Dentre vários, citamos Silva (2018).

5  Queremos mencionar os trabalhos inaugurais e robustos de Vanise Medeiros (2024a, 2024b, 2025a, 2025b) que vem tomando como objeto discursivo o Dicionário de Favelas Marielle Franco em trabalhos filiados à História das Ideias Linguísticas em sua relação estruturante com a Análise de Discurso. Na presente edição da revista Rua, em que se comemora seus 30 anos de existência, Vanise Medeiros e Gesualda Rasia trazem mais uma contribuição inestimável de compreensão de efeitos de sentidos presentes neste Dicionário.

6  Conforme Medeiros (2025a), “(...) saberes subjugados dizem respeito à desqualificação epistêmica do outro. (...) enquanto saberes que subjugam (...) funcionam de forma a subjugar o outro. (Medeiros, 2025a, p. 366-367)

7  Vanise Medeiros se dedicou em seus trabalhos a analisar o modo de organização do DFMF e seus efeitos de sentido. Chamamos a atenção, sobretudo, para duas publicações em que essa organização – e seus efeitos – é analisada de modo mais extenso: Medeiros (2024a) e Medeiros (2025b).

8  . O DCFM é fruto de um projeto financiado pelo CNPq, coordenado por Sonia Fleury e sediado na Fiocruz da cidade do Rio de Janeiro: outro espaço acadêmico-científico que tensiona a uniformidade.

9   Cf. Pfeiffer (1997)

10  Medeiros (2025b, p. 181) compreende o DFMF enquanto um instrumento linguístico alternativo, fazendo alusão à distinção que Soares estabelece entre imprensa tradicional e imprensa alternativa. Soares (2024) formula a imprensa alternativa enquanto aquela que estabelece “outros tipos de relação com a ideologia dominante” (Soares, 2024 apud Medeiros, 2025b, p. 181).

11  . Ver Laval: “A escola não é empresa: o neoliberalismo em ataque ao ensino público”, 2023.

12  https://houaiss.online/houaisson/apps/www2/v9-0/html/index.php

13  https://wikifavelas.com.br/index.php?title=+Especial%3ABusca&search=desigualdade&go=Ir

14  Os outros verbetes analisados podem ser vistos por meio do link inserido em seus nomes. Decidimos não trazê-los para não deixar o texto muito mais longo do que já ficou.

15  Há inúmeros trabalhos na área da HIL que vem tocando nessas questões, dentre eles, citamos Pfeiffer (2010), Nogueira e Dias (2018).

16  Doutora em Linguística pela Unicamp, pesquisadora (PqA) no Laboratório de Estudos Urbanos da Unicamp. Analista de Discurso, atua nas áreas Saber Urbano e Linguagem, História das Ideias Linguísticas e Divulgação Científica. E-mail: claupfe@gmail.com.






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