Redes enunciativas em espaços urbanos


resumo resumo

Luiz Francisco Dias



Introdução

Este artigo analisa enunciados encontrados na fachada de um residencial em Belo Horizonte. A pesquisa parte da hipótese de que a sinalização urbana não se limita a informar: ela instaura pertenças, convoca papéis sociais e mobiliza regimes de verdade.

A partir da Semântica da Enunciação (Guimarães, 1995; 2002) e de noções foucaultianas como regime de verdade e dispositivo, investigase como as formações nominais presentes nas placas de identificação, advertência e comércio articulam memória e demanda do presente. A metodologia consiste na construção de redes enunciativas: grupos de enunciados que evidenciam semelhanças e diferenças na constituição das unidades nominais (Dias, 2018; 2023). A análise mostra como os pontos de vistas constitutivos dos enunciados funcionam em torno de três perspectivas, identificação, notificação e propagação, as quais correspondem a distintos referenciais históricos.

 

1.Discursividade e regimes de verdade

Segundo Michel Foucault, os enunciados estão ancorados em um suporte institucional: discursos socialmente constituídos que determinam quem pode falar, o que é permitido dizer e que sanções acompanham cada posição. Esse suporte constitui o que o filósofo chama de “regime de verdade”, definido como a “política geral de verdade” de uma sociedade: ele determina os tipos de discurso acolhidos como verdadeiros, os mecanismos que distinguem o verdadeiro do falso e o estatuto dos sujeitos autorizados a dizer a verdade. O regime de verdade é um regime de ordem política porque valoriza certos procedimentos de produção da verdade e exclui outros. Assim, as verdades que orientam o cotidiano resultam da relação entre enunciados e dispositivos de poder.

Ainda em Foucault, o conceito de dispositivo engloba um “conjunto decididamente heterogêneo”: discursos, instituições, arquiteturas, decisões regulamentares e práticas morais. O dispositivo liga elementos ditos e não ditos; é, portanto, “a rede que se pode estabelecer entre estes elementos” (Foucault, 1979, p. 299).

Nos espaços urbanos, as placas e avisos integram um dispositivo de gestão da mobilidade e da circulação. Ao examinálas, buscamos compreender como se articulam práticas de recepção, repulsão e comercialização.

 

 

 

2.Referencial, memória e pertinência

Foucault (1969) propôs ainda uma distinção entre o que é dito e o de que se fala. No primeiro caso, o referente está ligado ao “conteúdo” lexical; no segundo, ao domínio de relações que o enunciado estabelece. Esse segundo nível define o referencial: um campo de emergência no qual objetos, pessoas e estados de coisas tornamse pertinentes. O referencial não é dado pelo mundo natural; ele surge na enunciação, graças ao suporte institucional que delimita o que pode ser nomeado. Assim, entidades exteriores adquirem “nomeabilidade” apenas quando mobilizadas por práticas sociais.

Na Semântica da Enunciação, o referencial é concebido historicamente (Dias, 2018). Enunciados se ancoram referenciais históricos, isto é, memória discursiva constituída por “jáditos”, e em uma pertinência enunciativa, que é a relação entre os referenciais históricos e as demandas do presente do dizer. Somos interpelados a responder a situações em que o dizer não se esgota no indivíduo: toda enunciação convoca outras vozes e antecedentes, realimentando traços de memória (Pêcheux, 1982) e disciplinas socialmente instituídas. A pertinência enunciativa, portanto, liga o acontecimento presente aos referenciais sedimentados.

 

3. Formação nominal e rede enunciativa

O objeto de análise deste estudo é a formação nominal (FN). Diferese do sintagma nominal tradicional porque tem como foco o processo de constituição enunciativa do nome, e não como um produto morfossintático, foco da concepção de sintagma (Dias, 2018). A FN compreende nomes e seus convergentes (artigos, adjetivos, complementos). As articulações contraídas pelo nome são determinadas por razões enunciativas que explicam o funcionamento das nominalizações em geral. O foco deslocase das categorias gramaticais para a enunciação que cria pertinência: uma construção nominal só ganha identidade ao se inscrever em um referencial histórico e ser mobilizada por uma demanda presente.

Para demonstrar essas articulações, empregamos o dispositivo metodológico da rede enunciativa (Dias, 2023). Tratase de reunir enunciados que compartilharem elementos formais e enunciativos, a fim de evidenciar tanto as regularidades quanto as diferenças. A rede enunciativa não é um inventário exaustivo; ela destaca articulações nas nominalidades para compreender como a formação nominal se constitui em diferentes referenciais. Este recurso permite observar, no âmbito das placas urbanas, como certas categorias de enunciados, identificadores, avisos de segurança e mensagens comerciais, se organizam em torno de papéis sociais específicos.

 

4. Base de dados

As formações nominais analisadas foram depreendidas de uma fotografia da fachada de um edifício residencial localizado na rua Ciro Vaz de Melo, bairro Dona Clara, em Belo Horizonte. A coleta fotográfica foi realizada de modo exploratório, no dia 5 de maio de 2019, buscando captar todos os enunciados afixados no portão, nos muros e nas paredes externas do edifício. A imagem conserva a ortografia e a disposição espacial originais.

Em seguida, os enunciados foram agrupados em redes enunciativas a partir de critérios semântico-enunciativos: (1) enunciados de identificação, que nomeiam o prédio e situam seu endereço; (2) enunciados de notificação, que advertem potenciais visitantes sobre riscos ou restrições; e (3) enunciados de propagação, relacionados à venda, compra ou aluguel de imóveis ou serviços.

A classificação levou em conta não apenas a presença de certas palavraschave, mas também o funcionamento como peça de comunicação no espaço urbano: “Residencial Marina 432” e “Luana 729” foram agrupados como identificadores porque seu propósito principal é situar e denominar; “Cuidado! Cerca elétrica” pertence aos notificados porque busca repelir e disciplinar a circulação; “Compre” e “Vendo” integram a rede comercial por serem convites à transação comercial. Essa taxonomia é interpretativa e se apoia na hipótese de que as unidades linguísticas se articulam de acordo com uma pertinência enunciativa, ou seja, uma relação com os espaços urbanos de enunciação no presente.

Após a identificação das redes, procedeuse à análise, examinando a constituição das formações nominais e como elas denunciam referenciais históricos diferentes. Essa metodologia não pretende generalizar a partir de um único caso, mas oferece uma ferramenta para observar como o espaço urbano se transforma em texto e como seus enunciados organizam os falantes frente aos referenciais históricos e às demandas do espaço urbano.

 

5. Análise das redes enunciativas

A base empírica deste trabalho é a fotografia da fachada de um residencial, conforme se pode observar a seguir.

Figura 1: Registro da fachada de um edifício em Belo Horizonte

Fonte: fotografia captada pelo autor

A seguir descrevemos três redes enunciativas e analisamos as pertinências e referenciais que lhes dão sentido.

 

Rede 1 –Pertinência da identificação

 

Quadro 1: Rede enunciativa de identificadores

Fonte: Elaborado pelo autor

Na primeira rede, as formações nominais “Residencial Luana Paula, n. 432” aparecem com as articulações internominais contraídas por seus constituintes, demostrando as regularidades que sustentam o plano de localização no espaço urbano. Em (a), “residencial” estabelece articulação internominal com “Luana Paula”. Por sua vez, articula-se em ancoragens virtuais com “edifício”, em equivalência no plano urbano. Por sua vez, em (b), “Luana Paula” articula-se em ancoragem virtual com “Marina” e “Cássia Horta”. Por fim, em (c), o número “432” articula-se virtualmente com “729” e “3591”.

A formação nominal é constituída por um nome comum (residencial) mais um nome próprio (Luana, Marina, Liberdade) e um numeral que indica o endereço. Na perspectiva da Semântica da Enunciação, esse conjunto atende a uma pertinência de identificação: marca o edifício como um lugar específico, estabelece um ponto de referência para correspondências, entregas e encontros, por exemplo.

O número funciona como determinante topográfico, localizando o prédio na malha urbana e relacionandoo a uma organização municipal de ruas e quadras. Ao mesmo tempo, o nome próprio ancora-se em uma memória social. Em Belo Horizonte, é comum que edifícios residenciais recebam nomes de pessoas, frequentemente nomes feminino, como forma de homenagear familiares ou evocar atributos com efeitos de sentido socialmente valorizados (delicadeza, beleza, tranquilidade) em bairros de classe média, principalmente. Essa prática demonstra que o nome próprio não é arbitrário: ele responde a uma história familiar, a uma crença religiosa ou a um ideal estético que se deseja projetar.

A neutralidade aparente desses enunciados esconde uma distribuição de autoridade: quem nomeia e quem é nomeado? Ao batizar o prédio com um nome feminino, os proprietários inscrevem na fachada uma identidade de gênero, a partir de concepções sócio-históricas. Além disso, o uso de palavras como “Liberdade” produz efeitos de sentido voltados para a autonomia e segurança, sugerindo que o condomínio oferece um refúgio no âmbito da cidade.

O referencial histórico da recepção é dominante nesta rede de indicadores. No âmbito desse referencial, exercita-se práticas de endereçamento, cadastro e propriedade; no presente do enunciar, a pertinência enunciativa da identificação resulta das demandas por localizar o imóvel. Ao analisarmos essa rede, percebemos que a formação nominal não é um dado “natural”, mas unidade com articulações orgânicas e virtuais que se ancora em referenciais sócio-históricos e reforça a circulação de determinadas representações. Ela delimita quem pertence ao espaço e quem fala em nome dele.

Mas esse referencial da recepção não favorece a todos do espaço urbano. Em contraposição a ele, há o referencial da repulsão. Vejamos a próxima rede enunciativa.

 

Rede 2 – Pertinência da notificação

 

Quadro 2: Rede enunciativa de notificadores

Fonte: Elaborado pelo autor

 

Essa rede está centrada no enunciado “Cuidado! Cerca Elétrica”. Como demonstramos na rede anterior, a articulação orgânica entre “Cuidado!” e “Cerca elétrica” contrai articulações enunciativas de ancoragem virtual, como “cão bravo” e “alarme”, em (a), e “Atenção!” e “Alerta”, em (b).

A pertinência aqui é de “notificação”: tratase de advertir e repelir. Essa pertinência enunciativa está determinada pelo referencial histórico da “repulsão”. As formações nominais (cerca elétrica, cão bravo, alarme) referemse a objetos e animais que delimitam a propriedade e desencorajam a aproximação, integrandose a um dispositivo de segurança que combina tecnologia e natureza.

Historicamente, esses enunciados respondem aos discursos de segurança patrimonial, regimes jurídicos de propriedade privada e práticas urbanas de segregação. No referencial da repulsão, desnuda-se a cidade como espaço de risco: a violência cotidiana, a criminalidade e a sensação de insegurança levam moradores a instalar cercas elétricas, alarmes eletrônicos e a ostentar cachorros de guarda como símbolos de proteção. Dessa forma, a enunciação assume um ponto de vista contrário ao da recepção: esses enunciados não localizam para receber; eles ameaçam.

Palavras como cuidado e atenção funcionam como interjeições e ativam uma dimensão corporal: quem lê sente a urgência de frear seus passos ou de redirecionar o caminho. O uso de adjetivos como “bravo” situa o interlocutor como invasor, configurando práticas de vigilância. O enunciado não é dirigido a todos, mas a uma categoria indeterminada de “outros” que deve ser mantida à distância.

Do ponto de vista econômico, a placa opera como um dispositivo de poder: ela delimita o espaço, define quem pode se aproximar (moradores, convidados) e quem deve permanecer afastado. A rede de notificação inscreve o prédio em um regime de verdade, em que a violência potencial é normalizada para proteger a propriedade. Isso se sobressai como preocupação com o patrimônio e a segurança. Como efeito, reconfigura-se a circulação e reforça fronteiras.

Embora sua tonalidade seja ostensiva, esses avisos condensam um imaginário da cidade violenta: falam de fios eletrificados, sensores de movimento e cães adestrados. Ao naturalizar a ideia de que a propriedade justifica a agressividade, os enunciados revelam que a preocupação com a segurança transforma a sociabilidade em vigilância.

Observemos a seguir a terceira rede enunciativa.

 

Rede 3 – Pertinência da propagação

 

Quadro 3: Rede enunciativa de propagadores

Fonte: Elaborado pelo autor

Nessa terceira rede, surgem enunciados como “COMPRE”, “VENDO”, “VENDE” e “ALUGA”, acompanhados de números de telefone e nomes de empresas ou de corretores. A formação nominal articula um verbo no imperativo com um pronome ou sufixo que indica a pessoa que vende (vendo) ou a quem se dirige o comando (compre). Ao contrário do tradicional “vendese”, no qual o sujeito é indeterminado, esses enunciados adotam uma forma de propagação mais pessoal: procuram engajar o leitor numa ação comercial explícita. Aqui, o locutor se mostra ou interpela diretamente o interlocutor; “Vendo” traz o locutor ao cenário enunciativo, assumindo a responsabilidade pela oferta, enquanto “Compre” convoca o leitor a aderir, e “Aluga” informa sobre a modalidade de transação.

Historicamente, a economia urbana transformou o imóvel em mercadoria e a fachada em vitrine: números de telefone e nomes de empresa traduzem a mediação burocrática necessária para a venda ou locação e revelam a profissionalização do mercado. O referencial histórico evocado é o do “capitalismo imobiliário”, no qual o edifício é um ativo que pode circular. Essa rede, portanto, mobiliza uma linguagem diferente das redes anteriores: é assertiva, imperativa e publicitária.

Os imperativos funcionam como chamamentos, apelando à agência de negócios. Além disso, os imperativos diferem em intensidade: 'vende-se' descreve uma oportunidade, 'vendo' assume a voz do locutor e 'compre' investe na injunção, buscando converter o transeunte em consumidor. Assim, a rede de propagação transforma a fachada em vitrine e nos lembra de que a cidade é, também, mercado.

Em suma, as três redes mostram como a fachada do residencial articula discursos distintos. Na pertinência da identificação, os enunciados são determinados por um referencial de recepção; na pertinência da notificação, materializa-se o referencial da repulsão, em forma de exclusão e a ameaça; na pertinência da propagação, materializa-se o referencial do capitalismo imobiliário, por meio das técnicas de adesão comercial.

Em todos os casos, as formações nominais são constituídas a partir das relações entre memória e demanda presente. Os enunciados tomados em conjunto revelam uma heterogeneidade discursiva que só se torna visível quando os analisamos como redes. Cada rede configura uma política de pertinência: define quem é chamado, como é chamado e a que condições.

A análise das três redes evidencia que a fachada do residencial constitui um microcosmo de relações sociais em que recepção, exclusão e negociação se entrelaçam na ordem do contraditório. Cada rede mobiliza um referencial histórico distinto e responde a uma pertinência enunciativa específica.

Na rede de identificadores, temos as características básicas da urbanidade: endereços, números de rua e nomes pessoais que constroem relações de pertença. Na rede de notificadores, destaca-se a segurança: cercas, alarmes e animais de guarda que invocam uma política de proteção e convocam o regime de verdade segundo o qual proteger a propriedade justifica o uso de dispositivos de violência, como Foucault observa, ao definir o dispositivo como rede de discursos e instituições que operam a distinção entre o permitido e o proibido. Já na rede de propagadores, evidencia-se o mercado imobiliário: verbos imperativos e números de telefone compõem um léxico da mercantilização em que o imóvel se converte em capital circulante.

Essas redes, embora originadas de uma mesma fachada, não se articulam da mesma forma; cada uma convoca um público e instala um regime de verdade próprio.
Juntas, elas revelam a heterogeneidade do espaço urbano e a complexidade dos discursos que nele circulam. Ao olhar mais de perto, notamos que elas não são apenas sequenciadoras de palavras, ou atualizações de paradigmas, mas articulações de memória e atualidade.

A nomeação do prédio retoma uma prática sócio-histórica de batizar residências – prática que remonta à urbanização do século XX em Belo Horizonte – e conecta a fachada a uma história familiar ou a um ideal de vida. A presença de avisos de segurança denuncia traços de memória recentes, como o aumento da violência urbana, e projeta-se no espaço urbano a figura de um intruso.

Anúncios de venda e compra, por sua vez, dialogam com a expansão dos condomínios fechados e com a crise econômica que transforma a moradia em investimento. Essa relação entre o jádito e o a dizer lembra os “índices legíveis de tramas” de Pêcheux: a rede de enunciados é o rastro material de uma trama sócio-histórica que se atualiza na enunciação. A metodologia das redes enunciativas permite tornar legível esse rastro: ao agrupar os enunciados da fachada em categorias, revelamse os mecanismos pelos quais a linguagem organiza a cidade.

Longe de ser uma simples lista, a rede destaca diferenças e similitudes que escapariam a um olhar puramente sintagmático ou paradigmático. É importante observar que as três redes configuram também posições de falantes nas tramas sócio-históricas. A rede de identificação interpela o interlocutor como destinatário de hospitalidade: alguém que busca um endereço, um visitante que se situa num mapa. Por outro lado, a rede de notificação aciona o interlocutor como ameaça potencial: alguém cujo comportamento deve ser regulado pela disciplina dos dispositivos e pela vigilância policial. Por fim, a rede de propagação constrói o interlocutor como consumidor, um sujeito capaz de interagir com o mercado, de negociar preços e de transformar o lugar em valor.

Esses papéis não se excluem mutuamente; um citadino pode ser, em momentos diferentes, o visitante que procura a portaria, o intruso repelido e o cliente atraído por um anúncio. A coexistência dessas posições reforça a ideia de Foucault de que a verdade social emerge da intersecção entre discursos e poderes: cada placa define quem tem legitimidade para falar e para entrar, e como a cidade se sustenta nos regimes de veridicção.

Por fim, é necessário reconhecer as limitações deste estudo. O corpus concentrase na fachada de um único prédio e em um bairro específico; não pretende generalizar sobre todas as sinalizações urbanas. A riqueza do procedimento metodológico das redes enunciativas está em sua aplicação comparativa.

Pesquisas futuras poderiam examinar fachadas de diferentes bairros, com níveis variados de renda, ou analisar redes em espaços digitais (como portais de condomínios e aplicativos de entrega) para verificar como a linguagem se adapta aos meios de suporte. Pesquisas posteriores poderiam explorar a recepção desses sinais e como diferentes públicos interpretam as mensagens, além de comparar bairros e plataformas digitais, ampliando a compreensão das interações entre linguagem, espaço e poder.

 

Considerações finais

O estudo demonstrou que a análise de formações nominais na sinalização urbana convida a uma abordagem enunciativa. Ao se situar entre as regularidades da nominalidade e as práticas sociais, a formação nominal revelouse um processo, e não um produto, como é o sintagma. A aplicação do conceito de rede enunciativa permitiu perceber como unidades aparentemente triviais, como nomes de edifícios, avisos de segurança, anúncios comerciais, participam de regimes de verdade e dispositivos de poder. Observouse que as placas de identificação ancoramse em referenciais de recepção, enquanto os avisos de cuidado se apoiam em referenciais de repulsão, e os anúncios comerciais se ligam a referenciais de mercado.

Cada rede evidencia uma pertinência enunciativa distinta: a identificação classifica e localiza, a notificação adverte e delimita, e a propagação engaja e comercializa. Esses resultados confirmam que o espaço urbano é uma arena em que se materializam pertinências e se reproduzem memórias discursivas de ordem contraditórias. A partir do referencial histórico e da demanda do presente, os moradores e administradores do residencial instituem regimes de verdade que gerenciam a circulação de pessoas, mercadorias e informações.

A investigação reforça a importância de abordar a linguagem como acontecimento e sugere que futuras pesquisas considerem outras redes enunciativas em ambientes urbanos para mapear os diferentes dispositivos de poder que moldam nossos modos de ver e ser vistos. Em suma, ao cruzar referências históricas e demandas atuais, a análise demonstrou que a vida urbana se constrói também na enunciação. Essa compreensão mostra que linguagem, espaço e poder se entrelaçam nas inscrições urbanas.

 

Referências

DIAS, L. F. Enunciação e relações linguísticas. Campinas: Pontes, 2018.

Foucault, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1969.

Foucault, M. Microfísica do poder. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

Guimarães, E. Semântica do acontecimento. Campinas: Editora da Unicamp, 1995.

Pêcheux, M. Discurso: estrutura ou acontecimento? Campinas: Pontes, 1982.

 

 

 






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