Introdução: condições (digitais) de produção
Em janeiro de 2024, o Brasil abrigava cerca de 144 milhões de usuários de redes sociais, aproximadamente 66% da população da época5. Nesse contexto, torna-se relevante colocar em questão o funcionamento dessas redes e/ou plataformas digitais na constituição e circulação dos sentidos e dos sujeitos (comumente chamados de usuários), vide os efeitos do uso dessas mídias digitais na vida individual e coletiva: conexões (digitais) entre usuários sem depender da distância, novas formas e relações de trabalho e de resistência (luta) política, influência na formação do senso comum e nas decisões político-institucionais, entre outros efeitos. Como aponta Dias (2016, p. 9):
O digital produziu uma mudança na discursividade do mundo, [...] nas relações históricas, sociais e ideológicas, na constituição dos sujeitos e dos sentidos, mas também na forma dos relacionamentos, do trabalho, da mobilidade, dos encontros, até mesmo do fazer científico, do qual faz parte a maneira de sua produção e seus meios de circulação. Apontamos esses entre tantos outros processos de ressignificação do funcionamento das instituições e dos discursos que poderíamos apontar e que fazem parte das formas de individuação dos sujeitos pelo Estado, conforme tem mostrado Orlandi (2001, 2012) em seus escritos.
Este trabalho se inscreve na teoria da Análise de Discurso materialista, pensando a tessitura material da língua e seu funcionamento pelo equívoco na relação com a historicidade e com a ideologia, entendida “como mecanismo estruturante do processo de significação” (Orlandi, 2015, p. 94). Pautamos as instâncias da constituição, da formulação e da circulação na produção dos sentidos de “corpo” e de “periferia” a partir do enunciado “Somos o corpo das periferias do Brasil”, (in)escrito na “biografia”6 do perfil PerifaConnection no Instagram. Em outras palavras, propomos uma discussão sobre a historicidade, a atualização dos sentidos e o meio por onde circulam essas noções, “através de seus mecanismos de funcionamento” (Orlandi, 1996, p. 88), perguntando quais gestos de interpretação trabalham essa discursividade e constituem “os sentidos (e os sujeitos, em suas posições)” (Ibid.). Sobre a interpretação do discurso em questão, retornamos à Pêcheux (2006):
E é neste ponto que se encontra a questão das disciplinas de interpretação: é porque há o outro nas sociedades e na história, correspondente a esse outro próprio ao linguajeiro discursivo, que aí pode haver ligação, identificação ou transferência, isto é, existência de uma relação abrindo a possibilidade de interpretar. E é porque há essa ligação que as filiações históricas podem-se organizar em memórias, e as relações sociais em redes de significantes (Pêcheux, 2006, p. 54).
Pontuaremos o(s) sentido(s) em seu efeito de evidência e os sentidos outros produzidos pelos gestos de interpretação presentes no acontecimento em questão e os nossos gestos de leitura (e de interpretação) na posição de analistas. Três perguntas, portanto, irão nortear nossa análise: quais sentidos de “periferia” e de “corpo” são produzidos e como se constituem sócio-historicamente? Quais gestos de interpretação constituem esses sentidos? Como a circulação pela digitalidade (encontro do algoritmo com o histórico) afeta/atravessa a produção de sentidos?
Entra em consideração também as condições de produção desse discurso, isto é, tanto as circunstâncias da enunciação, o contexto imediato (em sentido estrito), quanto o contexto sócio-histórico, ideológico (em sentido amplo) (Orlandi, 2015, p. 28-29), em sua relação com a memória discursiva, com os já ditos, com as formações discursivas. No primeiro sentido, vemos que o meio de circulação do texto em análise é a biografia de um perfil no Instagram (enquanto plataforma digital), ali onde os sentidos são inscritos, atualizando-os em formulações que recuperam sentidos historicamente determinados (em contradição, disputa e resistência) e inscrevendo-se em diferentes formações discursivas, as quais são pensadas da seguinte maneira:
[...] aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes, determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa etc.) (Pêcheux, [1975] 2014, p. 147).
É necessário que já existam certos sentidos de periferia e de corpo, como aquilo que está à margem do centro, por exemplo, para que o enunciado em questão produza, atualize e/ou desloque sentidos. Os já-ditos são, portanto, condições necessárias de todo dizer. “O contexto amplo é o que traz para a consideração dos efeitos de sentidos elementos que derivam da forma de nossa sociedade [...]” (Orlandi, 2015, p. 29), com suas divisões territoriais, urbanizações, hierarquias e, parafraseando Orlandi (Ibid.), no modo como organiza o espaço e o acesso, determinando algumas posições como centrais e outras como periféricas.
Para tal investigação, faremos a composição de um corpus analítico e um corpus de referência no batimento descrição-interpretação, jogando com a paráfrase e a polissemia, considerando o discurso enquanto estrutura e acontecimento, pontuando a digitalidade enquanto um encontro do discursivo (historicidade) com o algorítmico (produtividade) e, por fim, investigar as formações discursivas nas quais se inscreve e as formações imaginárias inscritas na discursividade em questão.
Compondo o
corpus
Nosso corpus analítico é composto pelo recorte de um perfil no Instagram denominado PerifaConnection, onde os seguintes enunciados aparecem na biografia do perfil: “Somos o corpo das periferias do Brasil. Plataforma de conexão e confluência das periferias brasileiras através da comunicação, formação e articulação.” O recorte que faremos será do primeiro enunciado “Somos o corpo das periferias do Brasil.”, descrevendo e interpretando para compormos nosso corpus, enquanto consideramos sua forma material, isto é, “[...] a inscrição do histórico na língua, o investimento do sentido na sintaxe” (Orlandi, 2002, p. 23).
Figura 1 - Fonte: www.instagram.com/perifaconnection/

Vemos também o logotipo do perfil com letras brancas em um fundo preto, no qual o nome forma um quadrado, posicionando-se nas bordas, na periferia do quadrado, em seu contorno, possuindo um centro na cor preta.
Por um exercício parafrástico (derivando e deslizando os sentidos), podemos reformular o enunciado supracitado por meio do “efeito metafórico (M. Pêcheux, 1969): fenômeno semântico produzido por uma substituição contextual, produzindo um deslizamento de sentido” (Orlandi, 2002, p. 24). Daí a relação entre paráfrase e polissemia, entre a repetição e a diferença, entre a estrutura e o acontecimento, na noção de recorte de Orlandi (1984, p. 16):
[...] Quero dizer que os recortes são determinados por muita coisa mais que a frase que foi dita antes e têm pouco a ver com o esquema sintático SN-SV.
O recorte é naco, pedaço, fragmento. Não é segmento mensurável em sua linearidade.
Considerando isso, vejamos a seguir o recorte 1 e algumas paráfrases possíveis para o enunciado em análise.
[R1]: Somos o corpo das periferias do Brasil.
↓
[P1]: Somos uma plataforma de conexão e confluência das periferias do Brasil.
↓
[P2]: O PerifaConncetion é uma plataforma de conexão e confluência das periferias do Brasil.
↓
[P3]: O PerifaConnection é uma plataforma de conexão e confluência dos sujeitos periféricos no Brasil.
Ao se significarem como o corpo das periferias brasileiras, produzem-se efeitos de unidade, de unificação e/ou de centralização, podendo-se interpretar o PerifaConnection como o único corpo (plataforma) que unifica (conecta) as periferias brasileiras, centralizando e tomando para si essa tarefa. Entendendo o discurso como “efeito de sentidos” (Pêcheux, [1969] 2014, p. 81) e a literalidade dos sentidos apenas como efeito, os pré-construídos de “Somos o corpo [...]” nos remetem a formações discursivas empresariais, corporativas, empreendedoras, em que geralmente se encontram dizeres como esse no tópico “Quem somos?” no site da companhia, por exemplo.
Quanto à deriva de “periferias do Brasil” para “sujeitos periféricos no Brasil”, observamos uma transferência do sentido de território ao sentido de indivíduo-sujeito. Quanto ao território, trata-se de um corpo-plataforma que conecta territórios historicamente determinados como periféricos. No sentido de indivíduo-sujeito, compreende-se um corpo-plataforma que conecta outros corpos (indivíduos interpelados em sujeitos pela ideologia na posição-sujeito periférico). Ainda que historicamente se entenda periferia como um território apartado daquilo que é central em uma cidade7, por exemplo, ou periférico como as pessoas habitantes de regiões distantes dos centros urbanos ou até mesmo fora das cidades (tomadas como os centros estatais), a materialidade (linguístico-histórica) em análise coloca em questão esses sentidos estabilizados, produzindo resistência e instabilidade na rede de sentidos, (re)significando as diferentes e plurais periferias e corpos de/por outros modos e meios, conferindo-os especial centralidade e importância, agora não mais posicionados em isolamento, porém passíveis de conexão e confluência, de comunicação e articulação.
Sentidos outros sobre corpo são evocados também por Costa (2023) ao tratar Da relação entre o discurso e o corpo sem órgãos. A reflexão do autor sobre a performatividade do corpo e sobre o sujeito dá vazão a um escoamento do tempo pela arte, tratando de um filme, de uma performance como lugar do possível, uma vez apresentada a ideia de discurso e seus efeitos, atualizações (relação histórico-social dos dizeres):
O sujeito: um conto, a instância de mediação e de reunião dos reais da língua, da história, do inconsciente e da cultura. O corpo: utopia que se lança sobre o sujeito, superfície em pedaços que a paranóia trata de tentar unificar, mas que a loucura desmantela; ninho de palavras e de órgãos, uma capa de linguagem falhada, calçada da ponte que leva ao outro (Costa, 2023, p. 566).
Cabe aqui um exercício parafrástico-polissêmico, portanto, pensando o PerifaConnection como a calçada da ponte que leva ao(s) outro(s), considerando, nesse caso, as periferias brasileiras como esse(s) outro(s), visto que se definem também como uma plataforma de conexão: uma utopia (discursiva) lançada sobre esses sujeitos, uma plataforma (superfície) que longos exercícios de linguagem desmantelam/dispersam, pelo funcionamento das redes sociais e dos meios digitais, onde o ritual também falha, onde a contradição se faz singularmente presente e onde os sentidos escoam.
A respeito dessa conexão entre periferias, podemos interpretá-la como (efeito de) ligação de um ponto a outro, sem deslocar os elementos conectados, mantendo (em manutenção) sua posição, sua estrutura, para produzir transferências (de dados, de informações), comunicar, contatar, encontrar, confluir para o mesmo (ou outro) ponto/objetivo, compartilhar. Com o uso da conjunção “e” em “conexão e confluência”, identificando diferentes práticas simbólicas (conectar e confluir), essa posição-sujeito inscreve-se em certas formações discursivas, ligadas a uma formação ideológica8, pois uma conexão pode ser realizada pela informação, pela comunicação e/ou pela ligação (digital?), ao passo que uma confluência (que se queira cosmológica) pode se realizar pelo compartilhamento (de ideias, energias, vivências etc.).
O PerifaConnection foi fundado por jornalistas e comunicadores das favelas e periferias cariocas. Sabendo disso, o texto em análise assume outros sentidos, especialmente aquele que informa os meios pelos quais o grupo conecta as periferias brasileiras e as fazem confluir: “[...] através da comunicação, formação e articulação”. Recortando, focaremos na questão da comunicação, que passa por novos debates e reformulações hoje pela emergência do espaço digital entendido como comunicacional-informacional, na linha e no esquema clássico do jornalismo, em que há uma relação direta entre emissor e receptor, uma transmissão de informação entre A e B, desconsiderando a interpretação, isto é, o trabalho simbólico.
Para a Análise do Discurso, não se trata apenas de transmissão de informação, [...] tampouco assentamos esse esquema na ideia de comunicação. A linguagem serve para comunicar e para não comunicar. As relações de linguagem são relações de sujeitos e de sentidos e seus efeitos são múltiplos e variados. Daí a definição de discurso: o discurso é efeito de sentidos entre locutores (Orlandi, 2015, p. 19-20).
Quanto ao nome “PerifaConnection”, consideramos uma reformulação a partir de outros dois nomes de grupos jornalísticos em circulação: o Manhattan Connection e o Havana Connection. Uma relação possível pelo “Connection” presente nos três nomes, significando um comum: conectar pela informação, cada um à sua maneira. O Manhattan Connection (1993-presente) é um programa de televisão brasileiro vinculado à GloboNews com uma abordagem (neo)liberal e (neo)conservadora, o qual continha um segmento com dicas sobre Nova Iorque e é transmitido diretamente de Manhattan. O Havana Connection9 também é um programa jornalístico, mas hospedado nos sites do UOL e do YouTube, trazendo em seu nome a capital de Cuba e ressignificando as “conexões” que faz ao se intitular não como um grupo brasileiro que atua em um país norte-americano, porém ligado à América Latina e, mais especificamente, a um país historicamente revolucionário e/ou socialista.
Com relação a essa disputa de sentidos entre a esquerda e a direita, algumas perguntas nos aparecem: o PerifaConnection se posiciona como um grupo fora (na periferia) dessa polaridade, como corpo-plataforma periférico ou como corpo-plataforma de esquerda que conecta periferias? Ao criar um novo grupo e ainda se nomear enquanto aqueles que realizam uma conexão, remetendo aos outros dois nomes supracitados, o que os diferencia do programa nova-iorquino e do cubano? Seriam os seus pontos de conexão e/ou os seus objetivos?
Em sua coluna na Folha de S. Paulo, definem-se como “uma plataforma de disputa de narrativa das periferias”10. Vemos também os nomes de seus realizadores, diferentemente do Instagram, onde tais nomes são substituídos pelo “Somos”, sem explicitar as pessoas que a realizam/organizam. Há, portanto, constituições diferentes de sentidos e de sujeitos na rede social/plataforma digital do Instagram em relação ao jornal da Folha de S. Paulo, mesmo que também online (digital).
Figura 2 - Fonte: www1.folha.uol.com.br/colunas/perifaconnection/

Para a Análise de Discurso, o dizer tem relação com o não dizer (Orlandi, 2015). “O posto (o dito) traz consigo necessariamente esse pressuposto (não dito mas presente)” (Ibid., p. 81). “Somos o corpo das periferias do Brasil” traz pressupostos (não ditos, porém, presentes) consigo, como o de que existem certas pessoas que são esse corpo. “Consideramos que há sempre no dizer um não-dizer necessário. [...] Isto é, uma formação discursiva pressupõe uma outra” (Ibid.). O que nos leva a perguntar: existe, portanto, no Instagram ou nas redes sociais, de modo mais geral, um apagamento da posição de autoria com relação ao discurso que circula pelos jornais? Essa questão nos leva à outra: há uma relação mais íntima, informal e/ou silenciosa com os leitores (efeito-usuário) nos meios atravessados pela digitalidade? Podemos considerar esse silêncio discursivo (silenciamento), ao não dizerem os nomes de seus realizadores na biografia do Instagram (rede-plataforma digital), “como a respiração da significação, lugar de recuo necessário para que se possa significar, para que o sentido faça sentido. É o silêncio como horizonte, como iminência de sentido” (Ibid.). Também podemos pensá-lo como “silêncio local, que é a censura, aquilo que é proibido dizer em uma certa conjuntura [...]” (Ibid.), como explica Moreira (2024, p. 6):
É o que ocorre em jornais, em espaços enunciativos informatizados, editoras e, em especial, nas redes sociais, que discursivizam uma ilusão de poder de decisão aos que ocupam posições destituídas de poder; os “usuários” (Moreira, 2018). As “Políticas de Uso” das redes sociais é que possuem controle do aparato técnico dos gestos de edição na ordem do digital e têm se apropriado dos mecanismos de poder e saber dispostos pelos recursos e conhecimentos tecnológicos.
Retornando à questão da disputa por narrativas e ao jogo com os nomes dos grupos em análise, reformulando, podemos afirmar que o Manhattan Connection disputa narrativas da/de direita e o Havana Connection disputa narrativas da/de esquerda. Mas, o que é e como ocorre essa disputa por narrativas? Trata-se de uma disputa por sentidos, sujeitos, relatos, informações e/ou histórias? Trata-se de imposição (domínio midiático), colaboração, discussão, diálogo (simetria) e/ou (gestos de) interpretação? Segundo Raull Santiago (2021), jornalista e um dos realizadores do PerifaConnection, por disputar narrativas, o grupo “[...] mudou de fato o que é a comunicação hoje no Brasil. A televisão não pode mais dizer que ela é a fonte central de informação e comunicação.” Sua justificativa é que há uma potência e um “avanço histórico da comunicação nas favelas e periferias” (Ibid.).
A circunstância de enunciação desses dizeres é um vídeo veiculado pela plataforma (digital) do YouTube, em que Raull Santiago fala (enquanto caminha pelo Complexo do Alemão utilizando um celular) sobre como a comunicação no Brasil foi transformada pelas favelas e periferias, disputando narrativas, sentidos e espaços, tornando-se um dos (detentores de) canais/veículos de informação e comunicação, junto aos canais televisivos, por exemplo. Com relação a esse “avanço histórico”, vale ressaltar o papel das mídias digitais nesse processo, as quais potencializam o alcance dessas vozes, prometendo “autonomia”. No entanto, objetos técnicos (ideológicos), dos quais o celular é um exemplo, nos são vendidos com regras (determinadas) de uso, produzindo o efeito de que a relação que estabelecemos com eles pode ser apenas uma, quando, na realidade, esta pode variar, ser múltipla. Na compreensão desse processo discursivo, entendemos que, se real, essa suposta evolução comunicacional ocorre intimamente ligada ao meio digital e suas plataformas, sendo também atravessada pela digitalidade, tornando-se imprescindível considerar a circulação (os meios) nesse acontecimento.
2 A digitalidade enquanto um encontro do discursivo com o algorítmico
A memória discursiva é definida por Orlandi (2015, p. 29) como “o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da palavra.” Trata-se do sítio de significação em que o texto/discurso se inscreve, remetendo a determinadas formações discursivas. Considerando isso, colocaremos em questão os pré-construídos, os já-ditos a respeito das noções de “periferia” e de “corpo”, investigando o que sustenta e torna possível os sentidos produzidos por esses significantes.
Juntamente, pautamos a noção de memória digital, visto que o discurso em análise circula pelo meio algorítmico, a qual possui outras significações:
A memória digital seria, pois, o lugar da contradição, onde a memória escapa à estrutura totalizante da máquina (memória metálica), saindo do espaço da repetição formal e se inscreve no funcionamento do interdiscurso (memória discursiva) [...] Daí a relação com a memória discursiva, onde o estabilizado no eixo do repetível, do dado, se desloca, rompe com o funcionamento algoritmizado, inscrevendo-se na história (Dias, 2018, p. 105).
A memória metálica, no entanto, difere da memória discursiva, pois não é constituída por esquecimento11. É memória de reprodutibilidade baseada no acúmulo, na quantidade, no excesso e no armazenamento de informações. A memória digital é, pois, o encontro da memória metálica com a memória discursiva, um lugar contraditório.
No eixo da constituição dos sentidos, da memória discursiva, historicamente (contraditoriamente) determinados12 como evidentes pelo mecanismo da ideologia, temos os sentidos (já-ditos, pré-construídos) sobre periferia como o espaço/lugar apartado (fora, à margem) dos centros (urbanos), relacionando-a geralmente às favelas. Associa-se também a periferia ao local onde residem, vivem (e, por vezes, trabalham) os sujeitos (corpos) geralmente presentes, defendidos e/ou representados pelo discurso da esquerda brasileira. Sobre os sentidos de corpo, há uma memória discursiva que o significa, por exemplo, como o conjunto das partes que compõem um animal, como a estrutura física de um organismo vivo e/ou como tudo o que possui existência física e extensão no espaço. Assim, o interlocutor inscreve-se em diferentes formações discursivas para produzir sentido, ou seja, no campo da memória discursiva, do interdiscurso: “Este é definido como aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente” (Orlandi, 2015, p. 29).
No eixo da formulação, são atualizados os sentidos de periferia, significando-a não somente como aquilo que é marginal em relação aos centros urbanos, mas também com relação às cidades, aos quilombos, às aldeias, ao campo e aos corpos racializados. Atualizam-se também os sentidos de corpo como uma plataforma de conexão e de confluência, como ponto de encontro de territórios (alguns distantes, outros próximos), como veículo de comunicação, de disputa de narrativas, entre outros sentidos.
Por fim, no eixo da circulação, lugar de destaque em nossa análise, observamos os meios da produção de sentidos: um perfil no Instagram, uma plataforma digital (enquanto rede social) que se significa como o local “Onde os momentos do dia a dia reúnem amigos”13 e que é gerida pela empresa Meta, a qual possui como missão “Criar o futuro das conexões humanas e a tecnologia que o torna realidade”14. Relacionando ambos enunciados, vemos, por um gesto de interpretação, o que possuem em comum: o local de reunião dessas conexões humanas é a tecnologia/plataforma (digital) desenvolvida pela Meta.
Entendemos a digitalidade enquanto o lugar da contradição (de forças), e sua relação com a memória discursiva se dá por sua inscrição na história, pelo encontro da memória metálica (arquivo, máquina, completude) com o interdiscurso/memória discursiva (esquecimento, falha, incompletude). A especificidade da digitalidade é seu atravessamento na produção de sentidos e a circulação é seu prisma de entrada, afetando as instâncias da constituição e da formulação de maneira singular (Dias, 2018), produzindo efeitos (outros) de sentidos, em que frequentemente observamos um funcionamento impessoal e acelerado que é, ao mesmo tempo, um meio algoritmizado e histórico.
formas de distribuição hoje hegemônicas, textualiza-se em dispositivos digitais, nos quais uma tela tem efeito de suporte-primeiro, quando, de fato, a própria projeção na tela decorre de operações bastante sofisticadas, em que pacotes de informação trafegam por infovias e combinam-se conforme uma programação engenhada antes e alhures (Salgado, 2021, p. 12).
Esse encontro da estabilização com a confluência produz a tessitura do meio digital, um conflito de forças contraditórias que assumem formas e fluxos (enquanto efeitos de deslizamento, fluidez, aceleração). Essa inscrição do corpo nas plataformas digitais produz
uma estrutura digital do sentido, por meio de uma digitalidade: aquilo que faz circular os conhecimentos armazenados na memória metálica. A digitalidade diz respeito, portanto, à circulação em diferentes formatos e dispositivos daquilo que está em estado digital (Dias, 2016, p. 13).
Pensando nesse duplo movimento de contenção e de dispersão, vemos que a inscrição de dizeres no Instagram produz efeitos tanto de estabilização quanto de resistência. Se significar como um grupo de sujeitos que se identifica como o corpo das periferias do Brasil produz efeitos de cristalização da imagem das periferias brasileiras como territórios historicamente sobredeterminados como exclusos do(s) centro(s) brasileiro, quando o referente é o local habitado por aqueles que definem seus vizinhos “periféricos” deste modo. Por outro lado, efeitos de resistência aos discursos hegemônicos (de separação das periferias, de significação negativa do periférico, de subordinação deste) são também produzidos, tornando possível ver nesse discurso uma tentativa potencialmente efetiva de conexão e confluência das periferias, produzindo deslocamentos e tensões na rede de sentidos. A relação com o digital, atravessada pela contradição algoritmo-historicidade, é marcada pelo efeito duplo de armazenamento e de incompletude, simultaneamente.
Formações imaginárias e formações discursivas
No campo das condições de produção desse discurso há o que Orlandi (2015, p. 37) chama de relações de sentidos, pontuando que todo (efeito de) sentido, todo discurso sempre estará em relação a outro que o sustente (memória discursiva) e a dizeres futuros (atualização), tratando-se de um processo contínuo, um fluxo.
Com relação às formações discursivas nas quais se inscreve, atualizando sentidos e posições-sujeito, pontuamos o jornalismo, ligado à disputa de narrativas (pela comunicação [lê-se: efeito de sentidos]), e a periferia em sua relação com a resistência à hegemonia jornalística que historicamente a significa em posições (discursivas) minoritárias, de violência, negativas etc. Também podemos considerar formações discursivas ligadas a empresas e plataformas digitais, como mostramos na relação com os dizeres das empresas Instagram e Meta, tanto ao iniciarem a sua própria definição com “Somos” quanto ao significarem-se como uma plataforma de conexão. Ademais, outras formações discursivas podem ser reconhecidas, como aquelas ligadas à esquerda, no que toca à resistência às imposições midiáticas, e à luta contra o racismo, referente ao processo sócio-histórico de periferização e/ou racialização de corpos.
Há também o mecanismo da antecipação que faz o sujeito colocar-se no lugar de seu interlocutor, ouvindo suas próprias palavras e antecipando para si os sentidos que elas produzem. A regulação-direção de seu dizer segundo o efeito que o sujeito imagina produzir em seu ouvinte é produto dessa antecipação. Pode-se prever desde um interlocutor na posição-sujeito amigo até um posicionado como inimigo, como exemplos (Ibid.).
Quanto às relações de forças, Orlandi (ibid.) pontua “que o lugar a partir do qual fala o sujeito é constitutivo do que ele diz.” Se o sujeito se posiciona como periférico, seu discurso produziria outros sentidos, significaria diferentemente dos sentidos produzidos na posição de marginal ou de central (pertencente, protegido), por exemplo. A autoridade de cada uma dessas posições difere pelas “relações de força, sustentadas no poder desses diferentes lugares, que se fazem valer na ‘comunicação’” (Ibid.). A posição sujeito jornalista produz o efeito de autoridade como evidência em seus dizeres, um certo poder mantido por relações de força.
No relato jornalístico, há o funcionamento discursivo de um sujeito capturado pela evidência da objetividade, que enuncia o papel de ditar certezas, totalidades, exatidão e neutralidade; assim, inscrevem-se efeitos de estabilidade para o que se mostra caótico, contraditório e conflituoso na realidade, cristalizando apenas um modo de dizer (Romão, 2020, p. 368).
Os sentidos de periferia como um local, território apartado, distante e/ou fora do centro, estão em relação com outros sentidos (passados, atualizados, imaginados, possíveis, futuros) de periferia. Historicamente, as mídias jornalísticas dominantes pintam a periferia como local pecaminoso, criminoso, violento, pobre, miserável, no mais das vezes conferindo-lhe sentidos (produzidos, históricos) negativos. Exemplo disso são os programas Cidade Alerta (do Grupo Record, fundado em 1989 por Edir Macedo, bispo evangélico e empresário) e Brasil Urgente (do Grupo Bandeirantes de Comunicação, fundado em 1937 pelo empresário João Jorge Saad). Pensá-la como um local de criatividade, compartilhamento, cuidado e riqueza (artística, cultural, histórica, ética), por exemplo, é uma atualização de seus sentidos.
Os jornalistas integrantes do grupo-corporação PerifaConnection antecipam os sentidos que podem ser produzidos, como pontuamos, ao se afirmarem como o corpo das periferias do Brasil. Na disputa/luta pelas narrativas (semânticas) e por espaço midiático (uma plataforma administrada por moradores das periferias), colocam-se em relação de contradição com essas significações negativas, produzindo outros sentidos sobre territórios e corpos ditos periféricos, deslocando e transformando os modos de resistência, significando a periferia como um lugar onde vivem corpos artísticos, escritores e historiadores, por exemplo, e o corpo como uma plataforma de conexão, local de encontro entre diferentes territórios, meio de resistência, dentre outros sentidos possíveis.
Considerações finais-iniciais
Confluindo com Orlandi (2015, p. 94), “podemos dizer que esse percurso que apresentamos ao leitor abre uma perspectiva de trabalho em que a linguagem não se dá como evidência, oferece-se como lugar de descoberta. Lugar do discurso.” Os sentidos e sujeitos produzidos pelos gestos de interpretação inscritos nessa discursividade, atravessada pela digitalidade, são sentidos constitutivamente contraditórios, histórico-digitais. Os dizeres em análise circulam em/por uma plataforma digital (regida por uma empresa estadunidense) como uma plataforma de conexão e de confluência (pela comunicação, pelos efeitos de sentidos) das periferias brasileiras, resistindo aos meios tradicionais-dominantes de comunicação no Brasil, e como grupo (jornalístico) de disputa de narrativas. Suas atividades não se limitam às plataformas digitais, tratando-se de um ponto a se analisar e não de uma totalidade/completude, como pontuamos neste trabalho, perguntando-nos pelo funcionamento da produção de sentidos atravessada pela digitalidade.
Atualizando os sentidos historicamente determinados sobre periferia e sobre corpo, a constituição de sua posição de resistência pelo digital (e pela forma material de seus dizeres) se dá não somente pela oposição ao que é hegemônico, mas pela contradição entre forças que desestabilizam as formas (já) cristalizadas de resistência. Trata-se, então, de uma outra relação com o digital e com o jornalístico, uma relação de ruptura e de continuidade, deslocando-se de certos sítios de significação para outros. Pois, apesar dos deslizes e derivas de sentidos, não há discurso que não produza sentidos, sujeitos e posições.
Os furos na teia tecida por uma aranha são igualmente constitutivos da sedosa rede que ela elabora em relação aos fios, pois reduzem a resistência ao ar, evitam que a teia seja facilmente destruída, ajudam a economizar seda, os insetos tendem a voar para as áreas vazias e acabam presos nos fios pegajosos. Bem como em uma rede de pesca, onde os furos15 permitem que a água passe livremente, reduzindo a resistência ao seu movimento e facilitando a captura. Há semelhança nas redes de descanso, onde os furos em sua tessitura possuem diferentes funcionalidades: ventilação, conforto, flexibilidade, adaptação ao corpo, leveza. Análogo é o funcionamento das redes sociais, pois as linhas tecidas nas/pelas suas conexões constituem-se junto a furos, vazões, falhas. Como vimos, a digitalidade é pensada como local da contradição, encontro da historicidade com o digital, motor e circulação desse encontro, um balanço entre a mobilidade e a estabilidade. Os furos (históricos) na rede digital possibilitam a mobilidade (deslocamento, deslize) dos sentidos, apesar da estabilidade característica do algoritmo, do dígito, do número.
Aqui, a biografia do perfil PerifaConnection no Instagram foi a base constitutiva do nosso corpus de análise, apresentando-se, ao longo da trajetória do trabalho, como caso exemplar do funcionamento discursivo e da resistência (sócio-histórica) no/pelo digital e na/pela formação social brasileira, marcada por processos de racialização e/ou periferização de territórios e de corpos. Buscamos abrir as portas para que outros sentidos se tornem presentes, ao invés de encerrar as questões aqui colocadas, tornando visível o irrealizado e indo além de suas evidências (ideologicamente produzidas), na procura por compreender os processos de significação.
Referências:
COSTA, Isaac. Da relação entre o discurso e o corpo sem órgãos. In: FERREIRA, Maria Cristina Leandro; VINHAS, Luciana Iost (orgs.) O corpo na análise do discurso: conceito em movimento. 1ª ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2023, p. 563-581.
DIAS, Cristiane. Análise do Discurso Digital: sujeito, espaço, memória e arquivo. Campinas: Pontes, 2018.
DIAS, Cristiane. A análise do discurso digital: um campo de questões. REDISCO, Vitória da Conquista - BA, v. 10, n. 2, p. 8-20 2016. Disponível em : https://periodicos2.uesb.br/index.php/redisco/article/view/2515. Acesso em: 26/03/2025.
LEANDRO FERREIRA, Maria Cristina. Sujeito e Língua. In: MARIANI, Bethania (org.). Enciclopédia Virtual de Análise do Discurso e áreas afins (Encidis). Niterói: UFF, [2019] 2020. Disponível em: https://youtu.be/0-DYCSvacCs?si=NJAdZo5tTvR0zwwO. Acesso em: 21/03/2025.
MODESTO, Rogério. Os discursos racializados. Revista da Abralin, v. 20, n. 2, p. 1-19, 2021. Disponível em: https://revista.abralin.org/index.php/abralin/article/view/1851. Acesso em: 26/03/2025.
MOREIRA, Carla B. Gestos de edição na divulgação do conhecimento: censura e resistência. Gragoatá, Niterói, v. 29, n. 64, e61400, maio-ago. 2024. Disponível em: https://doi.org/10.22409/gragoata.v29i64.61400.pt. Acesso em: 26/03/2025.
ORLANDI, Eni P. A análise de discurso e seus entre-meios: notas a sua história no Brasil. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, SP, v. 42, p. 21–40, 2002. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8637139. Acesso em: 26/03/2025.
ORLANDI, Eni P. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. 12ª ed. Campinas: Pontes, 2015.
ORLANDI, Eni P. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Petrópolis: Vozes, 1996.
ORLANDI, Eni P. “Segmentar ou Recortar”. In: Lingüística: Questões e Controvérsias. Uberaba: Fiube, 1984, p. 9-26.
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PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. 5ª ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2014 [1975].
PERIFA CONNECTION. Como surgiu o PerifaConnection? | PerifaConnection, A Série Episódio 02. YouTube. 25 de agosto de 2021. 5min23s. Disponível em: https://youtu.be/tA0GrXqrm6g?si=iKc6ZzHZPqnBJf6n. Acesso em: 25/02/2025.
PERIFACONNECTION. PerifaConnection, uma plataforma de disputa de narrativa das periferias. Feita por Raull Santiago, Wesley Teixeira, Salvino Oliveira, Jefferson Barbosa e Thuane Nascimento. Coluna na Folha de S. Paulo. Disponível em:
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ROMÃO, Lucília M. S. Formação discursiva e movimentos do sujeito: de como o cortador de cana é falado na mídia. In: BARONAS, Roberto Leiser (org.). Análise de discurso: apontamentos para uma história da noção-conceito de formação discursiva. Araraquara: Letraria, 2020, p. 361-376.
SAKAMOTO, Leonardo. Vá pra Cuba! Assistam ao Havana Connection. UOL, 10/02/2015. Disponível em:
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SALGADO, Luciana S. A dimensão algorítmica dos discursos ou como a língua se textualiza nos mídiuns digitais. In: ABREU-TARDELLI L., S.; GARCIA, T. S.; FERREIRA, A A. G. D. (orgs.). Pesquisas em linguagem: diálogos com a contemporaneidade. 1ª ed. Campinas-SP: Pontes Editores, 2021, p. 12-29.
1 Graduando em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos. E-mail: leonardohsl@estudante.ufscar.br
2 Graduando em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos. E-mail: luis.groppo@estudante.ufscar.br
3 Doutora em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas. Docente do Departamento de Letras e do Programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade Federal de São Carlos E-mail: luciana.nogueira@ufscar.br.
4 Cf. DataReportal. Disponível em: https://datareportal.com/reports/digital-2024-brazil. Acesso em: 24/02/2025.
5 O espaço da biografia de um perfil/conta no Instagram é onde os usuários escrevem (ou inscrevem) um texto geralmente breve (limitado em 150 caracteres) sobre si, sobre uma pessoa, uma empresa, um grupo etc., aparecendo logo abaixo do nome do perfil.
6 Acontecimento produzido por diversos processos geográfico-políticos, como a gentrificação, destacando seu caráter discursivo, isto é, linguístico-histórico, ideológico.
7 Pelo equívoco (no plano da ideologia), próprio da língua, diferentes formações discursivas se atualizam em uma mesma formação ideológica, produzindo contradição (no plano do discurso).
8 Mediado por Leonardo Sakamoto, jornalista e colunista do UOL, o Havana Connection estreou em 2015 no UOL (veículo jornalístico online, digital): “um programa de debates para analisar o que está bombando no Brasil e no mundo sob um ponto de vista de esquerda. Seja lá o que significar ser de esquerda hoje em dia. Ao invés de atender ao pedido ‘Vá para Cuba!’, trouxemos a ilha para cá. Afinal de contas, se até Cuba e Estados Unidos podem voltar a conversar, por que não podemos estabelecer um diálogo amigável por aqui?” (Sakamoto, Leonardo. Vá pra Cuba! Assistam ao Havana Connection. UOL, 10/02/2015. Disponível em: https://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2015/02/10/va-pra-cuba-assistam-ao-havana-connection/. Acesso em: 25/02/2025) Chamamos especial atenção à observação sobre a esquerda como ponto de vista: “Seja lá o que significar ser de esquerda hoje em dia.” Questionamos o funcionamento da produção de sentidos a partir da posição-sujeito à esquerda no discurso. Uma posição política, sócio-histórica, sempre em mudança, vide a impossibilidade em produzir-lhe uma definição última. Mudanças essas impulsionadas pelos diversos acontecimentos (discursivos) no Brasil, na América Latina, no mundo, em diferentes períodos da História, nesse século ou no anterior, por exemplo. Ser de esquerda hoje significa defender o sistema partidário e a democracia? Significa lutar por uma revolução (armada)? Significa resistir macro-politicamente? De todo modo, não há definição que finde a disputa (política).
9 Cf. coluna PerifaConnection na Folha de S. Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/perifaconnection/. Acesso em: 25/02/2025.
10 O esquecimento pode ser de duas formas/ordens: enunciativo e ideológico. O esquecimento enunciativo diz respeito ao modo como falamos “de uma maneira e não de outra, e, ao longo de nosso dizer, formam-se famílias parafrásticas que indicam que o dizer sempre podia ser outro” (Orlandi, 2015, p. 33). Pelo esquecimento ideológico (e inconsciente), “temos a ilusão de ser a origem do que dizemos quando, na realidade, retomamos sentidos preexistentes” (Ibid.).
11 Dizer que o sentido é historicamente determinado não significa uma determinação mecânica, pois o próprio da história é a contradição (de forças), uma já lá luta de classes.
12 Cf. seção Sobre o Instagram | Conectando pessoas por momentos do dia a dia. Disponível em: https://about.instagram.com/pt-br/about-us. Acesso em: 19/04/2025.
13 Cf. seção Company Info | Our Mission. Disponível em: https://www.meta.com/about/company-info/. Acesso em: 19/04/2025.
14 Leandro Ferreira (2020) afirma que os furos (aquilo que está ausente) e os fios (aquilo que está presente) possuem a mesma importância, significando o furo como espaço de vazão, de escape, de fuga.
15 Este artigo é fruto de um trabalho final para uma disciplina de Análise do Discurso da graduação em Linguística da UFSCar. Contamos com o auxílio dos monitores Júlio César Martins Santos (PESCD), Gabriel Galdino da Silva e João Pedro de Albertim Vieira, além de Sofia Braga Freitas, Lucas Pinheiro Oliveira e Bruno Soares Cunha, discentes que compuseram nosso grupo de trabalho e também colaboraram na realização das atividades ao longo do semestre.