Epidemias e as cidades como síntese do progresso e das desigualdades: o conhecimento técnico-científico e a morfologia urbana


resumo resumo

Rodrigo Alberto Toledo
Rafael de Brito Dias
Oswaldo Gonçalves Junior



Introdução

 

O pós-liberalismo e a cidade: conhecimento e tecnologia na administração e no desenho urbano

 

Desmentindo o prolóquio popular de que febre amarela não sobe a Serra, Araraquara se viu, no início do século XX, de mãos dadas com a praga.

Pio Lourenço Corrêa (TOLEDO, 2013)

 

O ano de 1848 foi simbólico, pois sedimentou uma crise dos movimentos de esquerda, que alçaram tentativas para assumir o poder, sendo derrotados nesse processo. É um mundo em ebulição, no qual as esquerdas desacreditam dos socialistas utópicos – Owen e Fourrier1, da primeira metade do século XIX. Engels (1999 [1872]), que analisava a situação dos operários, aponta o cientificamente que deveriam conquistar o poder e realizar, o mais breve possível, mudanças nas relações de produção que, segundo a teoria marxista provocaria transformações em todas as dimensões da vida social.

Como ensaio de resposta a esse mundo em transformação, ressaltamos, resumidamente, que o regime de Napoleão III na França, assim como o regime de Bismark na Alemanha, abandonaram as teses liberais inglesas, apoiadas na não-interrupção do Estado em setores produtivos, como um mecanismo para conter transformações que estavam a ocorrer.

Todavia, a tese liberal da não intervenção dos Estados nos mecanismos setoriais, abraçada até a primeira metade do século XIX, foi reorientada para que a cidade, espaço maciço de alocação de capital, fossem revistos. A burguesia que emergiu vitoriosa das turbulências de meados do século passa a elaborar um novo modelo de cidade que pudesse articular interesses de uma gama pulverizada de grupos dominantes – dada a fase de desenvolvimento do capitalismo que, a passos largos, entrava em uma nova etapa de organização. Empresários e proprietários da terra urbana, sobretudo na Europa2, articularam-se com o fito de orientar e controlar a forma de investimento do excedente de capital na malha urbana. As contradições produzidas pelo sistema e que impactavam as classes subalternas, cristalizaram-se em propostas que fraturavam o tecido urbano de maneira indelével. Contudo, a liberdade da iniciativa privada em extrair a mais valia da comercialização do espaço urbano passou a ser limitada pela administração especializada – produtora de regulamentos, códigos e planos –, além de executar obras em sintonia com o arcabouço normativo gestado pela burocracia estatal.

O processo acima descrito, em um primeiro momento, parece ser simples e de baixo impacto na realidade social. Entretanto, surtiu um efeito imediato em propostas de organização de boa parte das cidades europeias. Trata-se de um momento de transformação na forma de se compreender e atuar sobre o espaço urbano. O projeto moderno ambicionava, em toda sua potência, subordinar a natureza ao ser humano por meio da técnica. O avanço tecnocientífico da época permitiu que isso ocorresse em cidades como Paris, remodelada pelo Barão de Haussmann, na concepção do embelezamento estratégico, e em cidades coloniais em diversas partes do mundo. Segundo Benevolo (2015), podemos relacionar as principais características desse modelo em quatro aspectos centrais, que passamos a descrever resumidamente:

 

1.Dimensão da administração pública e a propriedade imobiliária: as duas perspectivas entram em sintonia, pois passam a reconhecer o espaço de atuação de cada qual, a partir de referências fixas em códigos e normas que orientavam o desenvolvimento urbano. (BENEVOLO, 2015, p. 574).

 

No aspecto acima mencionado, a administração gerenciava um conjunto de ações e intervenções para que a cidade pudesse funcionar, convertendo-se, portanto, em uma das forças motrizes da realização do projeto moderno. Tecnologias construtivas, soluções voltadas para a mobilidade, praças, estradas de ferro, dentre outras, viabilizam uma rede de equipamentos necessários à vida no bairro, mas também à produção industrial. Aquedutos, esgotos, gás, eletricidade e o telefone se somam a um contexto de adensamento populacional pelo qual passaram as aglomerações urbanas em um processo que se retroalimentava na valorização do solo e, por conseguinte, na hierarquização social com a configuração de regiões segregadas e espoliadas no tecido urbano. A residência em espaço dotado de equipamentos e infraestrutura passa a ser privilégio de poucos, acentuando a hierarquização social. Os proprietários privados do espaço, por sua vez, administravam os terrenos que seriam atendidos pelos serviços essenciais e “não-essenciais” (teatros, espaços culturais, áreas de lazer etc.) à vida na cidade, tendo como parâmetro o cálculo econômico capitalista. O que será urbanizado é uma pequena parcela da cidade, objeto da realização da mais-valia. A administração da propriedade orienta, a despeito de normas e códigos que passam a lhe contradizer, o que deverá ser urbanizado, o espaço que se tornará objeto da construção ou da geração de solo3.

É importante ressaltar que, direta ou indiretamente, o capital imobiliário especulativo estabelece mecanismos de utilização dos espaços urbanos livres de interesse público sob a perspectiva de uso e valorização privada. Em outros termos, escolas, hospitais, jardins estão apartados dos interesses coletivos, mas funcionam como vetores de valorização do espaço privado. É uma das formas de se ampliar a valorização do espaço urbano e de consolidação de hierarquizações socioespaciais. A hierarquização dos equipamentos urbanos tendo como parâmetro a renda dos ocupantes do espaço, incide diretamente na valorização do solo e refletem a desigualdade social. Restou claro, que a administração pública tem papel fundamental na consolidação do espaço urbano, e, portanto, na reprodução das desigualdades sociais e assimetrias de poder político. Tais características, tornam perene a segregação e a espoliação urbana fazendo com que as cidades tenham regiões com indicadores próximos a países com elevada qualidade de vida urbana, coexistirem com outras de elevada pobreza e violência.

 

2. A utilização dos terrenos urbanizados depende dos proprietários individuais (privados ou públicos). Sobre estes a administração influi apenas diretamente, com os regulamentos que limitam as medicas dos edifícios em relação às medidas dos espaços públicos, e fixam as relações entre edifícios contíguos. Os proprietários retêm todo aumento do valor produzido pelo desenvolvimento da cidade (a renda imobiliária urbana), portanto a administração não pode recuperar o dinheiro gasto para construir os serviços públicos, mas deve considerá-los como pagamentos a fundo perdido, e se acha sempre em déficit. (BENEVOLO, 2015, p.574).

 

Destacamos que Benevolo (2015), trata de um momento histórico em que as administrações não detinham instrumentos de política urbana para, digamos, captar parte da valorização imobiliária do espaço urbano, fruto de tais ações que o dotou de equipamentos. São melhorias que refletiam diretamente na hierarquização do espaço e na qualidade de vida dos cidadãos. Aqui residem dois aspectos para os quais desejamos chamar a atenção. Primeiramente, no Brasil há um processo de ressignificação de experiências, de concepções de cidades surgidas em outros contextos histórico-sociais. De Ebenezer Howard (1850-1928), Planejador urbano inglês e fundador do movimento da cidade jardim, importou-se a solução para que as cidades coletivizassem a valorização produzida pelo poder público no espaço urbano privado. Para ele, a valorização era fruto do trabalho coletivo e não poderia ser privatizado por uma elite. A terra, nesses termos, deveria ser propriedade pública, que arrendaria terrenos a longo prazo. Evidentemente, se excluirmos o excedente de capital investido na aquisição de vastas extensões de terras para, ao longo de décadas, especular com a valorização via condução das intervenções do poder público, as melhorias administrativas poderiam ser mais equânimes e ter como fim o interesse coletivo4.

No caso de realidades complexas como as da cidade de São Paulo das primeiras décadas do século XX, a contenção do crescimento desorganizado da malha urbana e a solução com a proposta de polinucleação do desenvolvimento, objetivava colocar em um patamar de controle as tecnologias construtivas que transformaram a urbe em um terreno de obras, com lançamento de empreendimentos de alto padrão por incorporadoras como a Cia. City5. Estamos a afirmar que uma parcela dos formuladores do urbanismo paulistano nas primeiras décadas do século XX, em uma cidade combalida por epidemias da febre amarela e varíola, dentre outras, propunham que o desenvolvimento urbano se ancorasse na proposta de polinucleação (dispersão da indústria para outras regiões do estado ou do Brasil) como mecanismo de descongestão da metrópole e desoneração dos cofres públicos municipais, esgotados com a implantação de infraestrutura em bairros periféricos de alto padrão. Configurava-se, pois, um processo de periferização especulativa da cidade com coletivização dos custos de implantação do calçamento das ruas, redes de água e esgoto, energia elétrica, praças, escolas, hospitais etc. Aos poucos, a elite paulistana moldou a região Sudoeste da cidade com equipamentos urbanos, arborização, praças que transformaram-na em um espaço com indicadores de desenvolvimento humano elevados6. Nesse momento o debate era financeiro, ou seja, enquanto o poder público onerava os seus cofres ao dar sustentação infraestrutural a um crescimento orquestrado pelo interesse especulativo.

Há, por outro lado, o fundamento sanitarista que dará a tônica das ações de reordenamento do espaço urbano de metrópoles, acometidas por epidemias. Uma tipologia de saneamento com punição, que atingiu fundamentalmente as populações mais vulneráveis e que residiam em favelas e cortiços e que tinha como objetivo implícito promover deliberadamente a exclusão e segregar vastos estratos sociais. É farta a documentação, o conjunto de fontes que apontam a dubiedade e violência da polícia sanitária no estado de São Paulo, para tentar conter epidemias que atingiam os interesses das elites locais. Na próxima sessão analisaremos algumas dessas legislações para exemplificar o cenário que descrevemos. As cidades assumem formatos que, primeiramente, haviam ganhado a prancheta e maquetes elaboradas por grandes nomes do urbanismo do final do século XIX e início do XX. Em muitos projetos, a condição social, ou a condição de homem, nos termos de Munford (1958), foram postos de lado e privilegiaram-se desenhos urbanos em que o desenvolvimento econômico concentrado se sobrepunha ao da coletividade. Amplia-se a ideologia da barbárie, definida como,

 

O espírito, depois de completar seu ciclo de progresso, depois de ascender sucessivamente do sensorial ao imaginário e ao universal racional e da violência à equidade, é compelido, de acordo com sua natureza eterna, a recair na violência e na sensação [...]. A civilização chega a seu termo na “barbárie da reflexão”, a qual é pior que a barbárie primitiva da sensação; pois ao passo que nesta não deixava de haver certa nobreza selvagem, aquela é desprezível, suspeita e traiçoeira. (MUNFORD, 1958, p. 412).

 

No caso brasileiro, os limites entre o público e o privado são constituídos por linhas muito tênues. Ao longo de nossa história o Estado foi tardiamente forjado com poderes centralizados ao mesmo tempo em que se tornava moderno. Quanto à sociedade, apresentava elevados indicadores de desigualdade social e de assimetria de poder político. O produto desse processo é um país com uma precoce modernidade que se converte em uma realidade fatal, pois perpetua uma estrutura com conteúdos diferentes ao longo da história, mas que preserva os antagonismos sociais. Sobre a sociedade pesa, em florescimento natural, uma forma de poder que se institucionaliza em um tipo de dominação social, o patrimonialismo estatal (FAORO, 2008). Dessa realidade surge um Estado que incentiva o setor especulativo, em todas as dimensões da República Federativa, “...predominantemente voltado ao lucro como jogo e ventura, ou, na outra face, interessando no desenvolvimento econômico sob o comando político para satisfazer imperativos ditados pelo quadro administrativo...” (FAORO, 2008, p. 820).

 

3. As linhas de limite entre o espaço público e o espaço privado – as frentes para as ruas – bastam para formar o desenho da cidade. (BENEVOLO, 2015. p. 574).

 

As cidades passam a ser estruturadas a partir de funções que geram eixos comerciais conectados, por sua vez, às demais funções, tais como residenciais, escritórios etc. Surge a rua-corredor, que organiza a cidade a partir das funções acima descritas. É fato que tal organização resulta da crescente complexidade das cidades. Aglomerados urbanos que tomam as pranchetas dos urbanistas que passam a elaborar propostas para intervenções e, em muitos outros casos, projetos conceituais que tinham por objetivo proporcionar aos estudiosos do urbanismo os limites, as fronteiras do pensamento do século XX. Esses experimentos arquitetônicos apresentavam novas técnicas construtivas e tecnologias que, na fase modernista, mudaram a cara das grandes cidades. Vejamos a reprodução de um desenho (croqui) elaborado por Le Corbusier7 e que exemplifica o conceito de rua-corredor.

 

Fig.1. A Rua-corredor, croqui elaborado por Le Corbusier – reprodução nossa. Edifícios construídos como frente de rua, sendo que nos andares inferiores estão situadas lojas e, nos superiores, residências. Ao centro, um canal de tráfego, destinado aos carros e pedestres. (BENEVOLO, 2015, p. 574).

 

As novas técnicas construtivas permitiram que problemas do passado, falta de luz e ventilação nas residências, por exemplo, pudessem ser resolvidos com o vidro e o concreto armado. O impacto será nítido nas cidades pelo mundo afora. As novas técnicas permitiram um adensamento populacional em determinadas regiões e, em alguns casos específicos, contribuíram para a hierarquização e fragmentação do tecido social. Note, o desenho elaborado por Corbusier, em que uma cidade fragmentada possui periferia composta por inúmeras vilas operárias, evidencia um crescimento urbano em formato de “cachos de uva”, acentuando a produção de vazios urbanos destinados à especulação imobiliária, como podemos notar na Fig.2.

Fig. 2. A periferia, formada por inúmeras pequenas vilas, formato de cacho de uvas; desenho de Le Corbusier [reprodução nossa]. (BENEVOLO, 2015, p. 574).

Percebam, no esquema que se constitui, a periferia operária possui uma função importante no impulsionamento da economia do desenvolvimento econômico, pois é espaço para a reprodução da mão-de-obra e é instrumento para a reprodução de vazios urbanos, fundamentais para a extração da mais-valia urbana no processo de produção do espaço. Os bairros periféricos constituem-se em Vilas destinadas ao proletariado urbano. Bairros de uma uniformidade obsessiva, ou seja, a arquitetura construtiva se reproduzia para que o espaço fosse aproveitado ao máximo e, por outro lado, as moradas servissem para repouso dos trabalhadores entre-jornadas. Abaixo exemplos de Vilas operárias inglesas.

 

Fig. 3. Os bairros periféricos ingleses, construídos conforme os regulamentos de 1875; a vontade de desfrutar ao máximo os limites regulamentares produz a uniformidade obsessiva destes bairros. (BENEVOLO, 2015, p. 577).

Nesses espaços são escassos os equipamentos urbanos voltados para o lazer, como praças, ou aqueles voltados à garantia de acesso a condições razoáveis de saúde e segurança pública. Eixos comerciais para abastecer a população de gêneros alimentícios e outros, não faziam parte do projeto. Algumas dessas vilas na Inglaterra e no Brasil, surgiram ao lado dos distritos industriais, como uma forma de controlar o tempo de deslocamento dos trabalhadores, bem como um mecanismo de coerção, pois ficavam sob a fiscalização dos proprietários das fábricas.

 

4. A periferia a ser organizada faz aumentar o custo das moradias, e obriga a conservar um certo número de habitações precárias para as classes mais pobres; tende a tornar-se compacta, e não deixa lugar aos manufaturados por demais embaraçadores ou que descem depressa demais (estabelecimentos industriais, armazéns etc.). Todos esses elementos – necessários ao funcionamento da cidade, mas compatíveis com o desenho até agora descrito – são rechaçados para uma terceira faixa concêntrica, o subúrbio, que é um misto de cidade e de campo e que é impelida sempre para mais longe, à medida que a cidade cresce. (BENEVOLO, 2015, p. 581).

 

A lógica de produção capitalista do espaço urbano trabalha com a movimentação de massas de populações de baixa renda para regiões distantes do denominado centro. Criam-se círculos concêntricos, com interstícios que servem como estoque construtivo do capital imobiliário que, por sua vez, mobiliza o excedente de capital para aplicação nos mais variados e rentáveis projetos:

a) Periferias e subúrbios destinados à população operária: bairros padronizados e ofertados no sistema de financiamento a longo prazo. Esses bairros ficam distantes dos eixos comerciais e de serviços essenciais, o que onera sobremaneira a combalida renda do operariado;

b) Vazios urbanos e produtos do mercado imobiliário: os vazios gerados pelo capital imobiliário especulativo, são estoques construtivos, dotados de infraestrutura e de mobilidade urbana, de acesso às camadas sociais de mais alta renda. São os chamados empreendimentos de alto padrão.

Destarte, o capital imobiliário especulativo extrai a mais valia de todas as classes sociais. Programas habitacionais voltados para população de baixa renda estão conduzidos pela lógica do lucro. Na realidade são os fins e os meios para a potencialização da mais-valia urbana. Fins, por submeter massas de trabalhadores em sistemas de financiamento, as chamadas carteiras imobiliárias, gerenciadas por bancos ou companhias de capital misto (públicos e privados). Da mesma forma, alimenta o mercado de juros bancários e securitário, pois em cada financiamento estará incutido um valor para que gere “segurança” financeira e atraia investidores, que são refratários a riscos vinculados a uma população que possui renda comprometida com inúmeras necessidades para a sobrevivência e sua reprodução.

A despeito de as cidades industriais crescerem e produzirem as mais variadas formas de segregação e espoliação, existiu em algumas realidades socioespaciais uma preocupação com as condições sanitárias dos operários, pois se combalidos comprometeriam a sua reprodução. Entretanto, o ritmo de ocupação do espaço urbano, a necessidade de formação constante de um exército de mão-de-obra de reserva, fez com que eclodissem, principalmente em países com as características brasileiras, bairros subequipados e carentes de saneamento básico. Cidades inteiras, no interior do estado de São Paulo, negligenciavam as ações mais básicas de saneamento. As epidemias grassavam pelo estado, no mesmo ritmo em que a ferrovia expandia os seus ramais, conectando os centros produtores de café do interior ao porto de Santos.

Para efeitos do exercício analítico a que nos propomos no presente artigo, sistematizamos o processo de expansão ferroviária, na República Velha. Entendemos que a expansão da malha ferroviária dessa região, compõe um quadro interconectado de ações que produziram transformações econômicas, sociais e urbanas significativas. A despeito de estar relacionado a um contexto mais amplo, que trata da expansão da malha ferroviária no Brasil como um todo, é reflexo de um momento específico de desenvolvimento do sistema capitalista mundial. Vejamos o quadro abaixo:

 

 

Na próxima seção, apresentaremos dados do exponencial desenvolvimento econômico, especificamente de São Paulo (Região Sudeste, Ferrovia Stockton & Darlington Railway) e quais reflexos foram gerados em alguns municípios conectados pela malha ferroviária. O efeito deletério desse processo foi a eclosão de epidemias como varíola e febre amarela, que levaram ao colapso a economia, os poderes públicos e os incipientes sistemas de saúde municipais.

Desenvolvimento tecnológico e epidemias: o redesenho sanitarista das cidades

A ferrovia exerceu um papel de suma importância no processo de urbanização do estado de São Paulo, e, evidentemente do Brasil. A partir de 1825, com a Ferrovia Stockton & Darlington Railway, na região Sudeste do estado de São Paulo, teve início um ciclo virtuoso de expansão da malha ferroviária em diversas regiões do Brasil, como podemos notar no Quadro 1, Expansão da malha ferroviária na República Velha no Brasil.

A produção de café foi o motor propulsor da expansão da malha ferroviária. Em um primeiro momento, Companhias Inglesas injetam capital na geração da malha ferroviária. A necessidade de consumo de commodities para a ávida indústria inglesa e outros industrializados, demandava investimentos diretos na criação de uma logística de escoamento desses produtos até, no caso do estado de São Paulo, ao Porto de Santos. Hobsbawm (1996), aponta que no período de 1820 a 1860 o número de máquinas de algodão cresceu certa de 100 mil para 200 mil, na Inglaterra. Uma quantidade de máquinas, em um crescimento exponencial, necessita de um fluxo constante de fornecimento de matérias-primas em uma nova logística de transporte, mais rápida e que pudesse minimizar perdas. É notório que os trilhos da malha ferroviária não serviam para o transporte de matérias-primas, mas também da bebida que, quase que mundialmente consumida, ganhava o paladar dos europeus há anos, o café. O investimento em malhas ferroviárias para além da Inglaterra possibilitava, no limite, uma expansão que fosse satisfatória para os homens de negócio, famintos de lucros, que combinavam capital barato com um rápido aumento de preços de produtos comercializados. Há na perspectiva o aumento do mercado consumidor que, em uma escala global, potencializava ganhos e lucros irresistíveis aos investidores.

O capitalismo era triunfante e mostra a sua dimensão global por meio de rituais de autocongratulação, como as Grandes Exposições Internacionais, por meio dos quais a potência do projeto moderno era exaltada. A mais expressiva do período foi a feira do Centenário da Filadélfia, em 1876, nos Estados Unidos, que contou com a ilustre presença do Imperador e Imperatriz do Brasil, Dom Pedro II e Thereza Cristina. Segundo Hobsbawm (1996, p.58), “...as cabeças coroadas da época agora se curvavam diante dos produtos da indústria”. A Estrada de Ferro é a suprema realização da economia capitalista, juntamente com o vapor, o telégrafo que ampliaram os meios de comunicação que se adequaram aos meios de produção. Em outros termos, o espaço geográfico da economia capitalista multiplicou-se na medida em que as transações comerciais aumentaram.

 

O comércio mundial entre 1800 e 1840 não tinha chegado a duplicar. Entre 1850 e 1870, cresceu 260%. Qualquer coisa vendável era negociada, mesmo as que sofriam direta resistência do país comprador, como o ópio da Índia Britânica exportado para a China, que mais que dobrou em quantidade e quase triplicou de preço. Por bolta de 1875, um bilhões de libras esterlinas tinha sido investido no exterior pela Inglaterra – três quartas partes desse montante desde 1950-, enquanto o investimento externo francês decuplicava entre 1850 e 1870. (HOBSBAWM, 1996, p. 60).

 

Na Europa, portanto, a cidade é o símbolo do desenvolvimento industrial, além da Estrada de Ferro. Um tipo de cidade denominada como industrial com “...chaminés de fábricas, ao longo de vales, linhas férreas, a monotonia do tijolo e a nuvem da fumaça...”. (HOBSBAWM, 1996, p.294). Mesmo diante do crescimento econômico e urbanização, os pobres eram uma ameaça pública para os planejadores das cidades. As concentrações da população proletária em bairros planejados, estimulava a organização e distúrbios por melhores condições de vida e trabalho.

 

Fig. 4. Outro bairro de casas em fileira realizado por J.J.P.Oud em Roterdam, em 1925. Planimetria geral, pautado no tipo de moradia mais comum. Percebam a quantidade de casas com adensamento da população operária, nas primeiras décadas do século XX. O convívio próximo, em moradias pequenas, com ausência de equipamentos urbanos, somado às condições precárias de trabalho, estimulava a organização proletária e a eclosão de manifestações por melhores condições de vida. (BENEVOLO, 2015, p. 641).

 

Esses espaços, ou regiões das cidades, passaram a ser objeto de intervenções com a criação de avenidas e bulevares, com o foco na sanitização, dado o adensamento e a disseminação de epidemias sazonais ou que se estendiam por anos. Na realidade, as epidemias grassavam as cidades como um todo, mas a população mais vulnerável era alvo das políticas sanitárias mais invasivas e violentas.

Hobsbawm (1996), afirma,

 

Quem diz cidade de meados do século XIX diz “superpovoamento” e “cortiço” e, quanto mais rápido a cidade crescesse, pior era em superpopulação. Apesar da reforma sanitária e do pequeno planejamento que ali havia, o problema da superpopulação talvez tenha crescido nesse período sem que a saúde ou a taxa de mortalidade tenham melhorado, se é que não pioraram de fato. [...]. As cidades ainda devoravam suas populações, embora as cidades inglesas, na qualidade de mais antigas da era industrial, estivessem próximas de se reproduzirem a si mesmas, isto é, crescer sem a constante e maciça transfusão de sangue representada pela imigração. (HOBSBAWM, 1996, p. 296).

 

Em certa medida, não podemos afirmar que as cidades do período histórico tratado por Hobsbawm (1996), sofressem algum tipo de planejamento do ponto de vista de uma leitura da dinâmica social e de produção do espaço, que reflete a luta de classes. As ações sanitárias são pontuais para preservação da força de trabalho e, em determinados contextos, ganhavam a força de códigos e normas construtivas, quando as epidemias tomavam conta da produção, ou seja, quando as cidades devoravam gentes por meio dos ciclos pandêmicos. O espaço urbano, nesse aspecto, era reordenado, ou sofria ações pontuais e punitivas, nas populações de mais baixa renda que ocupavam habitações insalubres com forte adensamento. O médico sanitarista é o “planejador” do final do século XIX até as primeiras décadas do século XX. Além de assumir a função de planejador, possuía poder de polícia em ações profiláticas em cortiços e na condução coercitiva da população infectada pelas epidemias até os “lazaretos”, conhecidos em muitas cidades como hospitais da morte.

Nesse sentido, a ferrovia assume um papel de protagonista no cenário econômico e social brasileiro e um componente fundamental do sistema que então se configurava. A Região Sudeste, ancorada na produção de café, constituirá a mais importante malha ferroviária do Brasil. O café será a cultura que não somente aglutinará capitais em uma elite, mas também demandará a consolidação de uma logística para o escoamento da produção até o Porto de Santos. Ferrovias “serpenteavam” pelo estado de São Paulo, nosso foco no presente artigo, pelas pequenas cidades que, engolfadas pelas fazendas dos Barões do café, conectavam o sertão paulista à capital e ao Porto.

O Barão de Mauá, entusiasta daquela nova forma de transporte, esteve presente na formação das ferrovias paulistas, pois participou ativamente no projeto da estrada de ferro que conectava o Porto de Santos à cidade de Jundiaí. No ano de 1867, surge a São Paulo Railway, sob controle de capital inglês, dentro da necessidade, ampliação e racionalização do escoamento da produção que atenderia, dentre outros, o mercado consumidor da Inglaterra. A construção de um amplo ramal ferroviário não era um investimento pequeno, ou seja, que pudesse proporcionar um retorno financeiro célere, mesmo que fosse à longo prazo, dos capitais mobilizados. Identificamos que, a partir desse principal ramal da São Paulo Railway, diversas outras iniciativas conduzidas pelos Barões do café, irradiaram-se pelos sertões do estado. As novas ferrovias, com sua construção cotizada entre os Barões, tiveram por objetivo transpor a Serra do Mar para que assim fosse possível abandonar o custoso e moroso lombo do burro que, até então, rompia a Serra depois de dias de cavalgada por picadas que, mais tarde, serão tomadas por ferrovias e rodovias. Portanto, há uma multiplicação de ferrovias inauguradas em um ritmo acelerado, como podemos notar no quadro 2.

 

Podemos notar que, no período de 5 anos a São Paulo Railway conectou Campinas ao Porto de Santos. O fervor do surgimento da “melhor” malha ferroviária do Brasil ganhou as manchetes dos jornais. A modernidade que representava a ferrovia e o estímulo à produção, pois agora contavam com meio de transporte superior em capacidade de carga e que minimizava perdas, fez com que a “febre” dos trilhos contaminasse a elite cafeeira que, ao longo de décadas, havia acumulado excedente capital e via-se como condutora do processo de ramificação da ferrovia rumo ao interior, a partir dos 1880.

Foram várias ondas de expansão da malha ferroviária pelo estado de São Paulo. Cidades que por atuação de uma liderança política conseguiam se organizar em grupos de produtores de café, estendiam o ramal ferroviário até o centro produtor de seus interesses. No romper dos anos 1900, a ferrovia servia cidades como Araraquara, Bebedouro, Pontal, Descalvado, Piratininga, Jaú, Santa Eudóxia, Ribeirão Bonito, Aurora, Santa Rita do Passa Quatro e Santa Veridiana. Entretanto, com a crise da produção cafeeira em grande parte das cidades, os ramais ferroviários começavam a apresentar uma série de problemas financeiros, o que levou ao fechamento de alguns e/ou a aglutinação em uma Companhia Paulista, tendo como fundador Joaquim Saldanha Marinho e diretor-presidente, Jayme Uchoa Cintra. Engenheiros reconhecidos no estado e que tinham papel importante na formatação de soluções para grandes conglomerados urbanos, como a cidade de São Paulo. O primeiro diretor central da Companhia Paulista de Estrada de Ferro, Adolpho Augusto Pinto, era de trajetória reconhecida, pois elaborou uma série de pequenas intervenções na organização da mobilidade da cidade de São Paulo. Criou um plano ambicioso para preparar a cidade à incorporação do automóvel nas primeiras décadas de 1900, em que a cidade despontava como uma das principais cidades da América Latina. A atuação de Augusto Pinto é muito controversa no campo de estudos do planejamento urbano. Alguns pesquisadores classificam-no como sendo o primeiro a elaborar, logo no início do século XX, o planejamento da cidade de São Paulo. Todavia, um estudo de sobrevoo de suas propostas executadas para a cidade, evidencia que a preocupação central estava na solução pontual do estrangulamento da circulação de automóveis, ou seja, elaborou um plano de vias expressas e viadutos para a cidade. Não podemos afirmar, sob nenhuma hipótese, que tal plano incluiu aspectos importantes do planejamento que, a partir dos anos 1930, incluía diversas variáveis no pensar a cidade: vias, viadutos, túneis, equipamentos urbanos, arborização, parques, avenidas, soluções para conter a expansão descontrolada da cidade e moradia para a população de baixa renda.

A Companhia Paulista de Estrada de Ferro é um ponto de inflexão na história do planejamento ferroviário e urbano do estado. Em São Paulo o movimento pelo planejamento surge no interior, estimulado pela infraestrutura que a ferrovia demandava, e flui para a capital, que elabora ações tardiamente. Outro ponto de inflexão importante que a ampliação do ramal ferroviário trouxe, foram as transformações urbanas. As cidades passaram a ser dotadas de água encanada em 1890, e, mais tarde, energia elétrica no ano de 1900. O telefone chega a algumas residências a partir de 1910. Percebam, o impacto na concepção de tempo e espaço sofreu profunda transformação. A malha urbana dessas pequenas cidades do interior passou a incorporar as Vilas Ferroviárias, com um projeto arquitetônico que as distinguiam do padrão construtivo até então utilizado. Novas técnicas construtivas, a utilização de tijolo de barro e muitas melhorias sanitárias, transformaram-se em referências para Códigos de Obras, que passaram a organizar a vida nesses espaços.

O estudo social das Vilas Ferroviárias, principalmente da Companhia Paulista de Estrada de Ferro, que se formou com capital nacional, possui significativa penetração geográfica e socioeconômica. Analisar as Vilas, nesse ponto do artigo, faz emergir a história dos atores sociais “invisíveis” que residiam em bairros e que passavam a ser a mão de obra que se especializou para que a ferrovia realizasse suas atividades. Evidentemente, uma massa operária no coração do estado de São Paulo, em cidades como Itirapina, Dois Córregos, São Carlos, Rincão, Araraquara e Limeira – esta última como resultado do prolongamento do trecho Jundiaí-Campinas, em 1872, até Rio Claro, em 1876 - transformou física, temporal e socialmente a realidade de seus moradores. O impacto da expansão da malha ferroviária pelo estado de São Paulo, do ponto de vista da formação de Companhias de Estrada de Ferro, é elemento crucial para abordarmos a estória social da ferrovia, e, principalmente, de seus operários, de seus bairros e sociabilidades expressas em Sociedades de Socorro Mútuo8, Sindicatos, Clubes de lazer, Clubes de Futebol, dentre outras. Urge que analisemos esses espaços do ponto de vista morfopolítico, ou seja, uma interpretação histórico-social desses territórios ligados ao tecido urbano. Há um indivíduo, com uma historicidade, produtor e portador de significados e de uma identidade que, ao interagir com o espaço e com o mundo do trabalho transformou-se e produziu transformações. As Villas Ferroviárias são emblemáticas nesse sentido, pois aglutinavam uma população que pertencia a um novo estrato social, operários, em uma região que, até então, tinha como referência uma relação de trabalho pautada pela produção agrícola, mesmo que, a partir do final do século XIX, caminhasse a passos largos para a agroindústria. Surge no estado de São Paulo uma intrincada relação entre Estado, produtores de café e trabalhadores.

Sobre esse ponto, Dean (1993) destaca que,

As estradas de ferro recebiam “zonas privilegiadas” e garantias de lucro que, por volta de 1904, haviam custado ao Governo do Estado de São Paulo o equivalente a quarenta milhões de dólares. [...] Companhias financiadas por fazendeiros obtiveram contratos para a construção de docas, sistemas de fornecimento de água e esgotos e edifícios públicos. [...] Finalmente, quanto determinado projeto dos fazendeiros se revelava improfícuo, era somente induzir o governo a compra-lo. A companhia pública resultante continuava, invariavelmente, sob a direção de membros das famílias de fazendeiros, presumivelmente no interesse do grupo. (DEAN, 1993, p. 52).

Dois aspectos chamam a nossa atenção. Primeiramente, o impacto socioeconômico que a implantação de um ramal ferroviário proporcionava na malha urbana das cidades. Ele era indutor de ações de saneamento e de constituição de espaços voltados para a sobrevivência e reprodução da força de trabalho, nas Vilas Operárias Ferroviárias. Em segundo, diz respeito ao caráter da burguesia cafeeira que, ao convergir para o Estado, e fazer a sua unificação política antes da econômica, (FERNANDES, 1981), minimizava e socializava os insucessos dos empreendimentos que se mostrassem improfícuos. No meio desses dois campos, temos uma massa de operários que constituíram suas trajetórias em cidades ferroviárias, com uma organização sindical, atividades culturais e de socorro mútuo, como apresentamos anteriormente.

O que se verificou no momento em questão, portanto, foi a criação de um grande sistema tecnológico, apoiado na ferrovia. Para Hughes (1989), sistemas dessa natureza “são, ao mesmo tempo, socialmente construídos e moldadores da sociedade” (p. 51, tradução nossa). Grandes sistemas tecnológicos são complexos e envolvem componentes distintos e assimétricos, como artefatos (trilhos e trens, postes e cabos elétricos), organizações (empresas produtoras de bens e serviços, bancos, órgãos do setor público) e elementos intangíveis, como legislações e normas. Esses componentes heterogêneos se articulam para dar forma aos sistemas, capazes de impactar significativamente a forma como nos relacionamos, movimentamo-nos, trabalhamos, produzimos e consumimos.

As cidades podem ser compreendidas como dispositivos sociotécnicos complexos, similares aos grandes sistemas tecnológicos mencionados anteriormente. São moldadas a partir de tensões e interesses, das tentativas de concretização dos futuros imaginados e das condições que limitam sua materialização. E são construídas dentro de marcos tecnológicos no âmbito dos quais teorias e ideias, conhecimentos tácitos, práticas de engenharia e procedimentos técnicos se combinam (BIJKER, 1987).

Esse conjunto de condições gera as estruturas sob as quais problemas são identificados e soluções são desenvolvidas e implementadas. Em outras palavras, o marco tecnológico pode ser compreendido como aquele a partir do qual aqueles responsáveis pelo planejamento, desenho e implementação dos grandes sistemas (como gestores e engenheiros) enquadram os problemas e pensam nas respostas a eles. Nesses termos, podemos afirmar que o marco tecnológico que moldou as cidades paulistas no final do Século XIX e no início do Século XX esteve apoiado, ao menos parcialmente, em uma concepção sanitarista, a partir da qual os problemas foram identificados, processados e enfrentados no contexto das cidades.

As ferrovias transformaram a realidade dos Sertões Gerais de Araraquara9. Semearam cidades, conectaram regiões, encurtaram o tempo que a notícia levava para percorrer da capital até o interior. Os jornais de circulação no estado passaram a ser ofertados diariamente, trazidos pelas composições de trens que cruzaram o território. Impactaram a malha urbana com uma forma de produção do espaço urbano, com ações políticas ou sanitárias, que rompem com o período de isolamento colonial. A expectativa de vida aumentou, a qualidade de vida melhorou significativamente, ao derredor das Estações de Trens a vida econômica pulsava no ritmo da locomotiva a vapor. Contudo, o prolóquio do início do século XX, que utilizamos na introdução do presente artigo, “Febre amarela não sobe a Serra”, tornou-se cada vez mais ilusório: a ferrovia trouxe a epidemia. A necessária conexão ferroviária com o Porto de Santos trouxe pujança econômica, mas abriu uma janela para o mundo das epidemias. O território isolado dos Sertões Gerais de Araraquara pela Serra do Mar, viu na ferrovia a chegada de epidemias que devastaram cidades. É possível estabelecer uma relação entre ampliação do ramal ferroviário com o aumento de epidemias de febre amarela e varíola.

São muitos os relatos registrados em Livros de Atas das Sessões das Câmaras municipais de diversos municípios em que podemos notar o quão devastadora foi a onda epidêmica. A título de exemplificação, citamos um trecho da Ata da Câmara de Araraquara de 1895, adaptada ao testemunho de morador local no ápice da epidemia, que compilamos em nossos procedimentos de sistematização de fontes documentais.

 

Paralelamente a esse processo progressista da cidade, por volta de 1895, dez anos após a chegada dos trilhos da ferrovia, chega a epidemia de febre amarela. [...] Em entrevista realizada [por João Silveira, escritor local] em uma tarde a Pio Lourenço Corrêa, [...] no recesso tranquilo da arejada varanda de sua residência, distante do bulício da cidade [...] em que o termómetro (Sic.) marcava 30 graus à sombra, em plena primavera, [...], obteve informações sobre a febre amarela. [...] Em 1889 a febre amarela, desmentindo o prolóquio “febre amarela não sobe a Serra”, apresentou-se em Campinas e marcou aquela cidade com uma epidemia [...]. Em 1895, chega a Araraquara e, num lapso de três anos, dizimou parte da população urbana, causando desorganização ao arcabouço político, social e administrativo da cidade e da comarca. (TOLEDO, 2012, p. 38).

 

A epidemia solapou o desenvolvimento urbano, econômico e social que a ferrovia proporcionara. O desenvolvimento tecnológico e o conhecimento científico sanitarista, não foram capazes de barrar o impacto da febre amarela. A tão sonhada conexão do Sertão dos Campos de Araraquara com a capital e Porto de Santos, trouxe as agruras do mundo globalizado, ou seja, não apenas mercados se conectaram, mas também epidemias grassaram por cidades ceifando milhares de vidas no período que se estende do final do século XIX até as primeiras décadas do século XX.

A resposta do Estado de São Paulo veio por meio do binômio: sanear e punir, tema da última seção do nosso artigo.

 

Comissões Sanitárias: saneamento e punição como remédios à epidemia

O “pensar” a cidade no Brasil, no início do século XX foi elaborado por agentes sociais que formataram arcabouço teórico e metodológico que serviu de base para a atuação de urbanistas e engenheiros. Contudo, antes da consolidação dessas carreiras, ou de conhecimento prático e teórico formado em Instituições de Ensino Superior, que ocorre no final do século XIX, a concepção sanitarista de cidade deu o tom das intervenções em regiões acometidas pelas epidemias. Ao despertar o século XX, o homem entrou em louvor de si mesmo, um triunfo que resultou numa profunda ironia, pois ele “nasce” antiquado.

A própria palavra “moderno” vem de uma palavra latina que significa “neste momento”. Se moderno quer pois, dizer – estar na medida própria, no modo, isto é, na moda, cujo sentido vem a ser – desfazendo-nos do passado como nos desfazemos de roupas do ano findo, e usarmos o mesmo uniforme que os nossos contemporâneos. (MUNFORD, 1958, p. 298).

 

O mundo moderno que descortina o início do século XXI, enfrenta desafios seculares, do processo de formação de nossos espaços urbanos. O despir-se do passado como fazemos com roupas, apontado por Munford (1958), era simplesmente impossível. As roupas do passado estavam impregnadas com epidemias que colocavam em bases distintas o processo de “modernização e embelezamento” das cidades brasileiras. O homem moderno que pensou a cidade do início do século XX tinha uma tarefa redobrada. Ao mesmo tempo que modernizava e embelezava o centro das cidades – paulistas em nosso escopo de análise – era obrigado a sobrepor ao desenho urbano orientações da ciência da época, pois a ferrovia, que trouxe progresso e “diminuição” do tamanho do mundo, carregou em sua bagagem epidemias. Portanto, assistimos, no caso brasileiro, um tipo de modernidade inspirada no velho mundo que deveria ser orientada por especialistas e médicos sanitaristas. A despeito de a modernidade haver descortinado um novo mundo, o das máquinas e técnicas construtivas, ele continuava passando fome no meio da fartura (MUNFORD, 1958).

A resposta a esse cenário não foi de apaziguamento social e democratização da produção do espaço urbano. O homem moderno, como assevera Munford (1958), continuava a suicidar-se. A resposta a um mundo que se pretendia moderno, com embelezamento arquitetônico e estratégico, veio em forma de Normas e Códigos para conter epidemias que dizimava a todos nas cidades. Uma sólida e autoritária política sanitarista passou a orientar a vida e o destino das pessoas em cidades acometidas pela onda epidêmica. Analisaremos, a seguir, o conjunto de ações do Governo do Estado de São Paulo, na República Velha, para sanear as cidades que estram em franco colapso diante das epidemias de febre amarela e varíola. Como apresentamos, a cidade de São Paulo despontava como um polo econômico dinâmico no Brasil. E por assim ser, atraía a maior parte da mão de obra imigrante europeia. O interior passava a demandar fluxos constantes de força operária para a agroindústria do café, e, no início, timidamente, para trabalhar na rede de estações ferroviárias, oficinas e setores de montagem de locomotivas como as da Companhia Mogiana de Estrada de Ferro. O desenvolvimento, entretanto, estava conectado com a qualidade de vida desses operários. A despeito de muitos terem à disposição às Vilas Operárias Ferroviárias, o interior não estava, com a ferrovia que havia rompido à Serra, isolado da crise que se desenhava do ponto de vista do saneamento, da circulação e da própria estética das cidades.

A concepção sanitarista de organização do espaço urbano será a tônica dos administradores para conter surtos epidêmicos. Portanto, há várias forças que agem na territorialidade. Em uma territorialidade há uma enormidade de ações, de relações sociais. Não estamos a nos referir àquela dimensão que se restringe ao espaço físico. Territorialidade remete a pluralidade de relações sociais dotadas de intencionalidade. Destarte, não há território, Vila Operária Ferroviária, ou uma cidade propulsada principalmente pela ferrovia, sem que vislumbremos a ação humana ou a sociabilidade. Uma cidade comporta diversas categorias, ou seja, diversos territórios dentro de um território. A ação sanitária sobre territórios age e transforma relações sociais. O indivíduo está fadado a viver em um contexto em que há assimetrias de poder, indivíduos ou grupos de indivíduos submetem outros indivíduos. São relações territorializadas que pertencem a uma dinâmica social, que impactam a morfologia das cidades. A cidade é uma construção social, em que territorialidades dotadas de assimetrias de poder, dentre os grupos sociais que a habita, urdem os fios do tecido urbano. A fase sanitarista de organização do espaço urbano é exemplo de significativa relevância. Conforme podemos observar no quadro a seguir, as Normas e Códigos no estado de São Paulo, podem dar a dimensão das forças que agem na territorialidade. Em outros termos, ações sociais estão relacionadas com o território em constante construção. A ação social imprimi determinadas dinâmicas que são múltiplas e que estão conectadas ao global, como apontamos na seção em que analisamos a fase do desenvolvimento do capitalismo monopolista nas últimas décadas do século XIX. A ferrovia que se irradia no estado de São Paulo com capital inglês, modificou profundamente as relações de produção sociais e o sentimento de pertença social.

O fato de novas categorias sociais eclodirem nas regiões em que a ferrovia se instalou, fez com que ação social diante de uma estrutura de produção que se impunha, sofresse tensões constantes. Nesses termos a territorialidade fundada pela constituição de massas de trabalhadores operários da ferrovia e de lavradores em fazendas de café é mais importante do que o território para pensarmos a ação social. Território e territorialidade são indissociáveis para analisarmos a ação social. No território temos relações territorializadas que evidenciam relação de dominação, de assimetria de poder político. A concepção sanitarista de território induziu territorialidades, ações sociais entre agentes e estrutura, vejam no quadro a seguir o papel do Estado que modula relações sociais a partir das concepções de higiene e circulação formuladas por agentes estatais ou médicos sanitaristas.

Podemos dividir o processo de formação dos serviços estaduais de saúde em duas dimensões, que consideramos fundamentais para compreendermos as bases de uma política sanitarista. Contudo, é de supra importância considerarmos que economia cafeeira e a expansão da ferrovia são fatos centrais na formatação daqueles serviços estatais. Eles surgem como uma política “pelo alto”, sem que a sociedade participasse de seu desenho. Um tipo de política que impôs uma reforma sanitária em diversas cidades paulistas, a operar em estruturas sociais, políticas e econômicas. O quadro na página a seguir, organiza os principais decretos e leis.

 

 

 

 

O conjunto de leis e instituições criadas no Estado de São Paulo regulamentava não apenas as ações voltadas para dar uma resposta às epidemias que afetavam a vida, o trabalho e a economia, mas também o exercício da medicina, da obstetrícia, da arte dentária e da farmacêutica. Os estabelecimentos comerciais que estavam conectados a essas atividades, passaram a ser regulamentados pelo Código Sanitário de 1894, dando origem ao que denominamos de Códigos de Obras, que especificava como deveriam ser construídas as escolas, do ponto de vista das salas de aula, as escadas, a quantidade de banheiros e até o tipo de mobília a ser utilizada. As ações sanitárias se reproduzem nas posturas municipais, na construção de habitações, de hotéis, de esgotamento sanitário e de regulamento de funcionamento dos hospitais.

Em linhas gerais, é possível identificar que o Código Sanitário tem um foco no uso da coerção para que as normas de higiene fossem cumpridas. Constituem-se em poder de polícia sanitária que atuava fundamentalmente nas áreas da cidade consideradas vulneráveis. O debate técnico-científico no campo sanitarista-higienista, orientará as propostas de intervenção urbana no século XIX. O sanitarismo e suas vertentes mesológica e microbiana10 orientam as propostas de intervenção urbana. O encontro dos saberes do campo médico-sanitarista com as necessidades de reorganização do espaço urbano, com engenheiros sanitaristas desembocou na configuração de um campo de estudos, no princípio do século XX, denominado urbanismo. Um campo de estudo que demandava conhecimentos de outras áreas para produção de leituras das dinâmicas sociais e, portanto, da morfologia urbana.

As aglomerações urbanas acumulavam “miasmas” que se formavam pela putrefação de cadáveres humanos e de animais. Um odor que emanava de cemitérios, pois não estavam preparados para a recepção de corpos que, ao se decomporem, dissiparam odores pela malha urbana como um topo. A intensificação desses miasmas acompanha o aumento demográfico das cidades, com o aparecimento de indústrias e pelo intenso fluxo de pessoas que migravam do campo para a cidade. Por isso a orientação de comportamentos coletivos, fiscalização de espaços públicos e privados, com o fito de encetar um Código de Posturas e de Construção que estabelecia regras de higiene para a coletividade.

O detalhamento por meio de desenhos e explicações sobre equipamentos domésticos, de abastecimento de água e esgotamento de dejetos humanos, formando sistemas de esgotos, passa a ser o papel das Normas e Códigos. Os lugares insalubres eram aqueles ocupados por população de baixa renda, que possibilitava a propagação de doenças em moradias coletivas. Há uma tendência de imputar à pestilência e imundices as aglomerações de pessoas que residiam em regiões pobres da malha urbana. Dessarte, há uma forte tendência à criminalização da população pobre como responsável pela contaminação da malha urbana. E por assim ser, a “polícia sanitária” tem um papel autoritário na lide com essa população. Não esclarece ou pacifica, mas reforça o aspecto segregacionista de classe ao tornar-se um braço da elite econômica que escolheu o culpado pelas epidemias: a população pobre.

A febre amarela é a epidemia que fará com que os olhares interdisciplinares confluíssem para a compreensão que era inócuo combater o “doente”, mas sim fundamental, com a microbiologia, forjar novas frentes que pudessem apresentar soluções urbanísticas-sanitárias para as cidades.

 

No final do século XIX, alguns laboratórios foram inaugurados na cidade de São Paulo, formando uma espécie de “rede” de pesquisa de higiene e saúde. Desta saiu o Laboratório Bacteriológico, o Insitituto Butantan e o Laboratório de Análises Clínicas. (MASTROMAURO, 2010, p.4).

 

Chama-nos à atenção o relatório da Comissão de Exame e Inspeção das habitações operárias de 1853, que analisou a situação do distrito de Santa Efigênia na cidade de São Paulo. Ao explicar as causas das epidemias de febre amarela e varíola naquele distrito, a Comissão chegou a conclusão que os principais fatores eram as condições do meio, da topografia e da população existente na região, ou seja, dos operários que ocupavam cortiços, ambientes propícios para a potencialização da contaminação.

Aqui vemos evidências do marco tecnológico atuando no ordenamento do espaço urbano. As leis de higiene e o caráter autoritário das autoridades sanitárias e o poder público ordenam a demolição dos cortiços operários, sem qualquer obrigação de indenizar as pessoas que de lá foram expulsas. A ação da Comissão retoma um aspecto debatido anteriormente, qual seja, as cidades e as moradias eram as causas das doenças. Os moradores, todavia, deviam ser controlados para que o espaço urbano pudesse ser planejado.

O controle da circulação era a medida mais eficaz no combate da epidemia de febre amarela. A sociedade se abstinha do problema social profundo, originário da moradia classificada como insalubre, produto da desigualdade de renda e das assimetrias de poder social. É como afirmar que o cortiço ou a favela existissem por escolha e culpa dos “cortiçados” ou “favelados”.

 

À guisa de conclusões

O espaço urbano transforma-se ao longo do século XIX em uma fonte de potencialização dos ganhos de capitais. Os capitalistas que acumulavam excedentes de capital, investiam no espaço urbano por ser uma fonte rentável e segura de geração da mais-valia.

A industrialização fez com que fluxos migratórios se consolidassem e a sociedade sofreu um profundo processo de urbanização. A urbanização e o solo urbano passam a ser terreno de lutas sociais. As populações mais vulneráveis não possuíam condição para adquirir lotes em regiões que pudessem oferecer qualidade de vida. Não há programa habitacional subsidiado pelo poder público e o mercado de aluguéis torna-se efervescente em cidades movidas pelo capital imobiliário especulativo.

O prolóquio do final do século XIX, “A febre amarela não sobe a Serra” foi rompido pelo progresso com a chegada da ferrovia. Ela trouxe epidemias, surtos epidêmicos constantes no estado de São Paulo. A ocorrência de epidemias pressiona o poder público a tomar decisões. Empresários do setor agroindustrial tomam medidas para garantir a produção de seus negócios e a garantia do braço do trabalhador, fundamental para a obtenção do lucro no modo de produção capitalista. Como resposta às pressões do empresariado, o poder público recruta médicos higienistas, engenheiros sanitaristas e demais profissionais para projetarem intervenções em áreas epidêmicas nas cidades do estado. A partir de então, são postas em marcha respostas alinhadas àquilo que entendemos como um marco tecnológico apoiado numa perspectiva sanitarista.

Os resultados dessa articulação foram descritos ao longo das páginas anteriores. Como síntese, poderíamos afirmar que a ação do Estado se deu por meio de uma polícia sanitária que não instruiu, mas puniu os vulneráveis das aglomerações urbanas. Sanear tornou-se sinônimo de punir e de excluir. Por outro lado, esse processo desencadeou a produção de Normas e Códigos Sanitários e de Posturas que ensejavam um tipo de planejamento urbano, que mais buscava culpados pelas epidemias do que soluções.

É inegável que a ferrovia trouxe mudanças sociais profundas, tornando as cidades mais complexas e com uma massa proletária que mudou o padrão das relações sociais e da morfologia urbana. Surgiram as Vilas de Ferroviários. Contudo, também trouxe epidemias, e, como resposta aos ciclos epidêmicos temos uma situação dúbia. Se por um lado foi uma oportunidade para que as cidades passassem por intervenções que resolveram problemas sanitários graves e imprimiram Normas e Códigos para orientar o crescimento urbano, por outro, serviram como instrumento de dominação social, em que o patrimonialismo é a sua mais importante característica.

A saúde pública tratou de forma diferente as classes sociais acometidas pelas epidemias nas cidades. Ao pobre foi dado tratamento de responsável pela disseminação das doenças, sendo isolado em hospitais de “campanha, os “lazaretos”, ou em suas casas. Cortiços foram demolidos, casas foram invadidas pela polícia sanitária, sendo que as epidemias acometiam todas as classes sociais. O isolamento social era a tônica do momento, além da condição da casa que poderia revelar insalubridade de uma rua, de um bairro, de uma cidade.

Mais de um século depois do surto epidêmico da febre amarela em São Paulo, a pandemia do COVID-19 replica algumas soluções higienistas: o isolamento social, como forma de conter a contaminação comunitária e responsabilização das periferias, favelas e ocupações classificadas como “ilegais” – que estão, novamente, na mira das autoridades –, como responsáveis pela acelerada disseminação do vírus. Causa-nos espécie identificarmos que a questão das moradias insalubres, em bairros subequipados, classificados como irregulares, favelas, comunidades ou cortiços ainda ser fonte de preocupação em momentos de surtos epidêmicos. São milhões de brasileiros, nas grandes metrópoles, que vivem em condições piores do que proporcionavam os cortiços em pleno século XIX. Que as lições do passado sirvam para orientar as ações do presente.

 

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Data de Recebimento: 31/01/2021
Data de Aprovação: 27/03/2021


1  Charles Fourier (1772-1837) e Robert Owen (1771-1858), pertencem a um grupo de pensadores que inauguram a corrente denominada de Socialismo Utópico. Imaginavam a sociedade futura movida por ideais positivos. O utópico se distancia do socialismo científico, que surgirá posteriormente com o livro Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, publicado em 1892. (TOLEDO, 2012).

2  A burguesia tem interesse em que sejam feitos investimentos nos setores afastados para, de forma parasitária, extrair a renda imobiliária máxima da terra: um centro adensado e uma periferia desenhada em coágulos com vazios entre si. Assim, exploram terrenos e conferem forma à cidade. O exemplo mais importante e rico em reverberações pelo mundo afora, foi a transformação de Paris durante o Segundo Império Napoleônico. Napoleão III confere ao prefeito da cidade de Paris, Barão de Haussmann e um conjunto de técnicos a Lei sobre a Expropriação de 1840 e o Decreto Sanitário de 1850, que permitiram realizar um programa urbanístico amplo em curto prazo de tempo. Uma nova Paris surge, pós-liberal, e serve como modelo para outras reformas em diversas cidades do mundo. (Art. 2134-2145. Liv.III.Tit.XVIII – Des priviléges et Hypotheques, p. 1171; Décrets du 1er février 1850 – origenes dans les différens Conseil d’hygiene publique et de salubrité. Fonte: Codes Français, 1843).

3  O sentido a que nos referimos é aquele presente como prática em muitas cidades que contam como motor propulsor do seu desenvolvimento o capital imobiliário especulativo. Ele acentua assimetrias sociais e a ocupação de espaços subequipados ou classificados como favelas e cortiços. A produção do solo é conhecida como solo criado, na arquitetura e urbanismo. Refere-se à autorização pela administração pública de geração de uma quantidade de pavimentos, de acordo com o coeficiente de construção e o gabarito da região da cidade. Esses estoques construtivos são amplamente explorados pelo capital imobiliário especulativo, que força o adensamento e a verticalização da cidade principalmente nas regiões dotadas de infraestrutura urbana e equipamentos.

4  O Código Tributário Nacional, de 1966, trouxe em seus artigos 81 e 82, os elementos básicos para a definição de um instrumento de política urbana conhecido como “Contribuição de Melhoria”. Todos os entes federados brasileiros, poderão, em face aos custos de obras públicas de que decorram melhorias imobiliárias, instituir alíquotas que incrementem cobrança nos tributos municipais para captar a valorização de imóvel ou área particular que delas se beneficiaram. (TOLEDO, 2017),

5  EM 1911, foi fundada a empresa de urbanização com sede em Londres, com investidores franceses, ingleses e brasileiros. Juntos adquirem mais de 15 milhões de metros quadrados no perímetro urbano de São Paulo. A empresa é conhecida no mercado pela atuação no planejamento de bairros com o conceito de “cidade-jardim”, sendo o seu primeiro lançamento feito em 1915 com o Jardim América. Urbanizou quase 50 bairros e cerca de 32 milhões de metros quadrados, em 4 estados brasileiros. (Fonte: http://www.ciacity.com.br/historia.php, acessado em 05/01/2021.

6  Região atualmente formada pelo Itaim Bibi, Jardim Paulista, Pinheiros e Moema. Uma região com importante dinamismo econômico e com mais infraestrutura. Importantes avenidas, como a Engenheiro Luís Carlos Berrini, com prédios de escritórios de representações de empresas transnacionais, fazem com que o metro quadrado de seu entorno seja um dos mais valorizados do Brasil. (FRÚGOLI JR, 2000).

 

7  Charles-Edouard Jeanneret-Gris, conhecido mundialmente como Le Corbuiser, nascido na Suiça e naturalizado Francês, “[...] liderou o movimento arquitetônico do século XX e que, numa época de materialismo empedernido, vislumbrou soluções realistas e imaginosas para os problemas da construção. Sua obra – arquitetura, planos urbanísticos, pinturas, desenhos, esculturas e escritos – precisa ser vista em conjunto, e em termos tanto do presente como do passado, se se desejar um retrato fiel do artista.” (GARDINER, 1977 [1974]).

8  Sociedade de socorro mútuo é uma associação de caráter não-lucrativo, formada voluntariamente com o objetivo de prover auxílio a seus membros, em caso de necessidade, baseado no mutualismo. Em Araraquara, os ferroviários formaram uma sociedade, desde os primórdios do funcionamento da Estrada de Ferro Araraquara (EFA). Dada as condições precárias de trabalho e baixos salários, as Sociedades proviam os ferroviários em auxílios para tratamento de enfermidades, fornecimento de alimentos e materiais escolares para seus filhos. Um tipo de sociedade que tem sua origem, em Araraquara, na Società Italiani Uniti. Uma associação que congregava a maioria dos italianos precedentes do Norte da Itália, e da Società Italiana de Mutuo Socorso, com membros, em sua maioria, oriundos do Sul da Itália. “A reunião em sociedades com fins de mútuo socorro e beneficência era uma exigência imprescindível dos primeiros imigrantes.” (TEIXEIRA, 2007, p. 59).

9  “A expressão Sertões ou Campos de Araraquara servia para designar uma extensa área que se principiava na margem direita do rio Piracicaba, nas proximidades da sua confluência com o Rio Tietê, e se estendia ao longo da grande faixa compreendida entre os rios Tietê e Mogi-Guaçu até atingir o Rio Grande no sentido norte (divisa com o atual estado de Minas Gerais) e o rio Paraná no sentido noroeste (divisa com o atual estado de Mato Grosso do Sul).”(FOLLIS, p. 155).

10  Teoria mesológica, ou miasmática, tem uma relação com a insalubridade que pelo ar, acometia o corpo humano. Os miasmas seriam gerados pela sujeira e gases oriundos da putrefação de cadáveres. A microbiana tem relação com outras formas de transmissão, como pelo contato. (MASTROMAURO, 2010).