Revista Rua


A periferia de São Paulo: revendo discursos, atualizando o debate
The periphery of São Paulo: resells discourses, updating the debate

Érica Peçanha do Nascimento

Como analisei em minha pesquisa de mestrado[4], em São Paulo, a conformação de uma cena cultural nas periferias está diretamente ligada às intervenções literárias e políticas de escritores identificados com a chamada literatura marginal ou periférica, pois foi a partir delas que se potencializou a articulação de novos artistas que tomam a periferia como mote para elaborações estéticas ou para uma atuação político-cultural.
A emergência do movimento de literatura marginal dos escritores da periferia ocorreu a partir do lançamento das três edições especiais Caros Amigos/ Literatura Marginal: a cultura da periferia, organizadas pelo escritor Ferréz[5] nos anos de 2001, 2002 e 2004. Reunindo, no total, 48 autores (majoritariamente residentes em São Paulo) e 80 textos (entre crônicas, contos, poemas e letras de rap), esses três números especiais reportavam o leitor, por meio dos editoriais, textos e minicurrículos dos participantes, a um novo conjunto de autores brasileiros que estava se apropriando do termo marginal para classificar a sua condição de escritor ou a sua produção. Trata-se de escritores oriundos das classes populares e moradores das periferias urbanas para os quais a associação do termo marginal à literatura remete, igualmente, à situação de marginalidade (social, editorial ou jurídica) vivenciada pelo autor e a uma produção literária que visa expressar o que é peculiar aos espaços e sujeitos tidos como marginais/ marginalizados, especialmente com relação à periferia (NASCIMENTO, 2006).
Um dos argumentos desenvolvidos na referida pesquisa é que tais escritores estão orientados pelo projeto intelectual comum de “dar voz” ao seu grupo social de origem, através de relatos dos problemas que os acomete em textos literários; e de conferir nova significação à periferia, por meio da valorização da “cultura” de tal espaço. Esta noção de cultura da periferia englobaria tanto à ideia de um conjunto simbólico próprio dos membros das camadas populares que habitam em bairros da periferia urbana quanto a alguns produtos e movimentos artístico-culturais por eles protagonizados.


[4] Trata-se da pesquisa Literatura marginal: os escritores da periferia entram em cena, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da USP entre os anos de 2004 e 2006. A íntegra da dissertação encontra-se disponível nos sites www.edicoestoro.net e www.teses.usp.br Além disso, uma versão revisada deste trabalho será publicada no livro Vozes marginais na literatura, no prelo.
[5] O escritor Ferréz projetou-se nacionalmente com Capão Pecado, um romance baseado nas suas experiências sociais como morador de um bairro tido como periférico e bastante associado à violência, o Capão Redondo, localizado na Zona Sul de São Paulo. Com o sucesso alcançado pelo livro, Ferréz foi convidado a atuar como colunista da revista Caros Amigos e aproveitou-se desta oportunidade para viabilizar seu projeto de literatura marginal em revista. As três edições somaram 15 mil exemplares vendidos e, a partir de então, a designação “literatura periférica” ou “literatura da periferia” passou a ser utilizada como sinônimo de “literatura marginal” pelos próprios escritores das referidas edições especiais e também por jornalistas, no intuito sintetizar as características dessa produção literária ou mesmo de marcar a o locar de mordia dos autores (NASCIMENTO, 2006).