Revista Rua


Rumores e sabores de uma feira: Culinária popular e cosmopolitismo banal em Cuiabá
The rumours and flavours of a fair: Popular cuisine and banal cosmopolitanism in Cuiabá

Yuji Gushiken, Lawrenberg Advíncula da Silva e Adoniram Judson Almeida de Magalhães

prosseguir, permanecem. Fazem do lugar de passagem um espaço de permanência duradoura. No plano social, o que inclui a produção histórica do espaço urbano, equivale ao imigrante fazer da cidade – que hipoteticamente seria apenas um mero lugar de passagem, com o possível retorno à terra natal – um espaço de permanência. Portanto, de convivência.
Embora a última grande leva migratória tenha sido interna, na década de 1970, a história de Cuiabá é marcada por outras marcas subjetivas de processos migratórios internacionais. Italianos, árabes, turcos e japoneses, entre outros grupos étnicos, chegaram – e permaneceram – ao longo do século XX. Esses grupos, juntando-se à população local, já mestiça, constituíram o que posteriormente foi designado de “cuiabania”. Não raro, encontravam-se nas casas cuiabanas o atravessamento da diversidade étnica nas práticas culinárias do dia-a-dia: charutos de folhas de uva com farofa de banana, sushis de alga marinha com rapaduras de sobremesa. A experiência urbana em Cuiabá, portanto, tem sido marcada pelos processos de subjetivação das identidades e das relações interculturais.
A feira de culinária popular na Boa Esperança, como desdobramento da interculturalidade já vivenciada historicamente na cidade, torna-se também um espaço de circulação de informações. No caso, informações culturais, em especial da culinária tradicional, da própria cidade e de outras regiões do país e do mundo. A cidade como espaço de fluxos – de informações, capitais, tecnologias – compreende também os fluxos de pessoas e suas demandas socioeconômicas, que trazem ainda outros saberes, repertórios de culturas populares urbanas, aprendidas em viagens, livros de receitas ou programas de culinária na TV aberta. A feira e a praça, ou a feira na praça, adensam o fluxo de informações sobre saberes culinários que passam a constituir uma paisagem como assinatura coletiva no espaço urbano.
Como sugere Homi Bhabha, ao discutir fronteiras do mundo, o que está em questão é a natureza performativa de identidades diferenciais: a regulação e a negociação do que ele chama de espaços teimosos “que estão continuamente, contigencialmente, se abrindo e retraçando as fronteiras, expondo os limites de qualquer alegação de um signo singular ou autônomo de diferença – seja ele de classe, gênero ou raça”. (BHABHA, 1998, p. 301). Nestas condições das existências fronteiriças, a atribuição de diferenças sociais encontra sua agência “em forma de um futuro em que o passado não é originário, em que o presente não é simplesmente transitório” (idem).