Mostra de Pesquisas II - Corpo em dança como artefato de leitura: onde cabe o transbordamento da identidade do analista
Gravado em 27/11/2019

Tomando por base teórico-analítica a Análise de Discurso de matriz francesa, propomos pensar o corpo enquanto materialidade significante e sua discursividade na/pela dança. Muitas vezes esquecido como objeto de análise, o corpo na visão do filósofo alemão Friedrich Nietzsche é “uma multiplicidade com um único sentido” (NIETZSCHE, 1885, p. 51): “Não acredito em nenhuma ideia na qual os músculos não tenham festiva parte” (ibidem p. 77). Desdobrando o pensamento de Nietzsche, Marisa Forghieri elabora a ideia de que “todo pensamento tem origem no corpo, no modo como ele se estabelece no mundo ou a partir da forma como o mundo se impõe e o corpo apenas defende, reagindo às ameaças” (FORGHIERI, 2002, p. 294). Na reflexão sobre este corpo em movimento, Eni Orlandi enxerga uma relação da dança com a questão do silêncio: “a dança trabalha o silêncio do corpo, seus sentidos, se pensamos o sujeito em sua materialidade” (ORLANDI, 2016, p. 98). Para uma análise do corpo que dança, é preciso “atravessar o efeito de literalidade do sentido (sentido referencial) e investir na opacidade da linguagem, no decentramento do sujeito e no efeito metafórico que o constitui, ou seja, no equívoco, na falha e na materialidade, trabalho da ideologia” (ORLANDI, ibidem p. 105). A discursividade sobre o corpo que dança, portanto, é ideológica, pois parte do sujeito: “Sujeitos inseridos em formações ideológicas, sociais, discursivas. Sujeitos enredados em redes de memória” (REHM, 2015, p.22). No vigor da dança e da vida, o corpo é “tensão atravessada pela possibilidade de tornar-se palavra” (FORGHIERI, 2002, p. 294). A partir da análise sob a perspectiva discursiva do vídeo-dança “Tem uma bala no meu corpo” - artefato de leitura desenvolvido durante realização do trabalho de dissertação de mestrado “Nordestino na rede: Discurso de ódio e disputa de sentidos no Twitter nas eleições 2014”, defendida em agosto de 2019, na Uncamp – trazemos para o debate as questões relacionadas ao corpo e à dança. A construção deste artefato de leitura se deu especialmente no momento em que a identidade se impôs no processo de pesquisa de mestrado; quando (não somente em pensamento) o analista em corpo - que é também identidade – entendeu que corpo era “início, processo e fim” (FORGHIERI, 2002, p. 293) do seu pensamento, e estava ali a todo momento. O corpo estranho, aquele “que tem cara de”; o corpo que é do outro; o corpo que “fala” e dança, presente no objeto de análise, surge no artefato com sua discursividade na/pela dança enquanto materialidade significante. No desafio da pesquisa de lançar-se na compreensão do discurso de ódio e dos múltiplos sentidos ao nordestino, o analista, pela linguagem (a mesma que o constitui), lançou mão de produzir um artefato que produziu efeitos também na pesquisa e na própria relação do pesquisador com seu objeto de análise. O artefato de leitura resultou do transbordamento de identidade do analista que não coube na teoria.
Link: http://bit.ly/2WASkXV