Mostra de Pesquisas I - Dicionário Compartilhado: espaço de criação, resistência e subjetividade
Gravado em 27/11/2019

Nesta mostra de pesquisa irei apresentar um artefato fabricado a partir da minha experiência de doutorado, o qual nomeie como dicionário compartilhado. O dicionário compartilhado pode ser visto como uma prática política e uma forma de expressão artística que provoca um movimento de ocupação do sensível dentro de uma outra lógica de representação, que vai contra a ordem que determina os lugares de legitimização do dizer. Não é preciso ser um lexicógrafo para escrevê-lo, nem dar conta de utilizar somente palavras e sentidos que estão instituídos no dicionário convencional, mas sim fazer uso dos sentidos a partir da escrita, brincar com eles e (re)pensá-los por meio das suas vivências. O sentido pode já estar lá, mas o que significa escolhê-lo, selecioná-lo entre os demais, movimentá-lo no interior de um espaço que lhe é próprio, que lhe exige autoria? É nesse viés que pensei o dicionário compartilhado, enquanto fazer político, que se apropria do que já está dado, mobilizando outras posições-sujeito e também outros significados. Para fazer um dicionário compartilhado, é preciso ser especialista. Um especialista da prática social que faz dessa “parte” da língua o que ela é de fato. Diante disso, busco pensar, através da noção de dicionário compartilhado, que a exterioridade legitima muito mais uma língua do que o seu regramento, o seu controle ou busca de linearidade. Se o dicionário tradicional é procurado como garantia do uso correto/padrão da língua, para sanar dúvidas, o dicionário compartilhado será referido como forma de conhecer o sujeito que o escreve, que seleciona, busca ou cria palavras e sentidos que considera relevantes na sua vida, nas suas práticas, que dizem do lugar que está, da sua formação discursiva, da sua história, das suas condições de produção. Ao invés de certezas, poderemos encontrar discursos contraditórios, marcas de resistência, deslocamentos dos lugares fixados, uma subversão dos modos de ocupação do sensível. Na experiência do doutorado o dicionário compartilhado surgiu do meu encontro com os jovens da Associação Cuica, espaço social e potencial que desenvolvia atividades culturais com jovens que viviam em situação de vulnerabilidade social no bairro Camobi, na cidade de Santa Maria (RS). A associação priorizava a inclusão social e o desenvolvimento de crianças e adolescentes, por meio da educação musical. Assim, o dicionário compartilhado da Cuica nasce do encontro entre a escrita e a música e, também, entre outras formas de produção da linguagem, possibilitando um outro modo de pensar a escrita para além da palavra, contemplando também o som, o desenho, as cores, o jogo/o brincar com os sentidos, as sensações, os sentimentos, enfim, gestos sempre inacabados. Buscarei, a partir dessa apresentação, expor as produções desses jovens através de seus verbetes musicados, desenhados e experienciados, buscando mostrar que o dicionário compartilhado é também um pouco do lugar onde “cada sensação, cada sentimento, cada gesto, cada som, cada imagem quer agarrar, fixar, inventar sua forma. Cada impulso do corpo é enlaçamento de si na exterioridade do mundo” (Derdyk, 2001, p. 45).