Evento debate Lambe-lambe.

Lambe-lambe: diálogos possíveis 

Uma intervenção urbana que promove o diálogo intermediado pela arte. Assim Laura Guimarães define o trabalho que realiza há dez anos nas ruas de São Paulo, colando lambe-lambe em postes, muros, escadarias, pontos de ônibus e em qualquer lugar que possa ver visto, lido e absorvido por quem passa. “Arte de rua é também um diálogo, de repente, no meio do caminho.”
A artista esteve na manhã de quarta-feira (04/09) no Labeurb para um bate-papo após a exibição do documentário “Cola de Farinha”, dentro das programações propostas regularmente pelo Labeurb: CinEncontro e Conversa de Rua. Logo após a conversa, Laura fez uma oficina de lambe-lambe, onde ensinou como produzir e como colar a arte produzida.
Laura Guimarães desenvolve o projeto Microrroteiros da Cidade desde 2009, que inicialmente consistia no exercício de fazer roteiros com 140 caracteres (tamanho permitido de texto no Twitter logo que foi criada a rede social). Ao longo dos anos, o projeto ganhou novas formas e cresceu. Suas histórias – e as histórias que ela ouviu e contou – vão em breve ganhar a forma de livro, ela garante. A roteirista formada em Cinema pela FAAP lembra que as ações de arte urbana cresceram na capital paulista quando foi aprovada uma regulamentação para a paisagem da cidade, que ficou conhecida como o programa Cidade Limpa, impedindo interferências artísticas e promovendo um apagamento da arte de rua. 
“Eu resolvi ir pra rua de forma autônoma, sozinha, mas individualmente muitos fizeram isso e se transformou num movimento coletivo”, descreve Laura. O documentário “Cola de Farinha” registra depoimentos de alguns destes artistas que fazem parte da cena de rua de São Paulo. Lançado em 2012 e produzido pela MaicknucleaR, o vídeo tem 20 minutos e está disponível no Youtube ou no site https://fronteirafilmes.wordpress.com/.

Texto e Linguagem

“Isso tudo nos faz pensar em outras formas possíveis de textualização, inclusive para a própria ciência”, diz a pesquisadora Cristiane Dias, coordenadora associada do Labeurb. “O que está ali no poste, na parede, na rua pode também ser divulgação científica. Achei fantástica a conversa suscitada pelo documentário e depois tudo que foi dito e produzido pelos participantes da oficina”, afirma Cristiane. A atividade atraiu um público de diversas áreas – de Geografia a Química – tanto de dentro, quanto de fora da universidade.
Segundo a pesquisadora Greciely Costa, a proposta do Labeurb com a Conversa de Rua e o CinEncontro é trazer as diferentes práticas discursivas da cidade para estabelecer uma relação com a universidade. “Ganham os dois lados.” Para Greciely, a oficina permitiu observar como é trabalhada a linguagem pelos microrroteiros, “que pega a palavra e faz dela uma forma de arte”. “É a palavra afetada pelo fluxo urbano”, completa Greciely.
A exibição do documentário, a conversa e a oficina foram realizadas como uma extensão da disciplina Texto e Linguagem ministrada pelos professoras Cristiane Dias, Greciely Costa e Marcos Barbai, no Mestrado em Divulgação Científica e Cultural do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) e do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)  da Unicamp.
A jornalista, tradutora/intérprete e estudante de mestrado do Labjor Thaís Alencar comemorou a experiência. “Eu saio daqui com o meu olhar sobre a cidade mudado”, diz Thaís. “É enriquecedor. Estamos precisando olhar o mundo e o cotidiano de formas diferentes.”

O lugar da arte

“A arte é um diálogo que se abre. Se ela está na rua, é um diálogo que acontece de repente e quebra a rotina. A arte me interessa bastante nesse lugar”, afirma a artista Laura Guimarães, que prefere colar lambe-lambe nas periferias, porque as regiões centrais já são muito disputadas. “As pessoas precisam de arte. Ela tem a ver com o desenvolvimento cognitivo e com os sentimentos.” Laura já produziu mais de mil microrroteiros. “A nossa vida é feita de histórias.” 
Bruno Rodrigues, estudante de Ciências Sociais da Unicamp, participou da oficina de lambe-lambe e gostou do espaço aberto para o diálogo, onde cada um expôs suas ideias. Ele produziu seu material inspirado na palavra “carinho”, que é também muito utilizada por Laura Guimarães em seus lambe-lambes. Bruno refletiu sobre o preconceito que é também “não-carinho”, e pensou sobre as transformações da palavra. “Palavra é movimento. Pensei no quanto a palavra ‘carinho’ passou por processos históricos e significou outras coisas.”
A jornalista e poeta Josiane Giacomini achou a oficina esclarecedora. “Ela acendeu faróis sobre como se faz a produção, deu dicas de cola, de papel, e direcionamentos”, diz Josiane, que lamenta haver poucas iniciativas em Campinas de intervenções urbanas como as de Laura e as de outros artistas do documentário exibido, “Cola de Farinha”. “Qualquer coisa relacionada à arte desperta questionamentos, abre janelas para coisas que você não via, tira você de um lugar de onde você não sabia.”
O colombiano Alexander Zambrano, químico doutorando em Educação, refletiu sobre a ideia de que a cidade é um lugar de integração, “mas questiono esta verdade absoluta e penso que a rua pode ser um ótimo lugar para esta reflexão”. Ele escreveu em seu lambe-lambe: “Bogotá, cidade de oportunidades. Para quem?” e disse que pensou, por exemplo, nas pessoas do campo que chegam à cidade, onde há conflito armado. Há sete meses no Brasil, Alexander achou que participar da oficina foi uma boa forma de conhecer mais das ruas do país. Mesmo achando que tem pouco contato com a arte, ele acredita que “a arte rompe as formalidades”. 
A estudante de Geografia Isabela de Oliveira Rodrigues já era seguidora de Laura Guimarães no Instagram e quando soube da oficina fez questão de participar. “O trabalho dela é de uma sensibilidade incrível.” Isabela participa de saraus e escreve poemas, onde fala por exemplo do empoderamento feminino e também da geografia. “Acho a geografia importante para compreender o mundo. Ela está dentro de mim, não está fora”, afirma Isabela.
Laura Guimarães também enxerga a relação da arte com os espaços da cidade. “A arte de rua cria espaços de diálogo, onde as pessoas se sentem à vontade para ficar ali. A escadaria Marielle Franco (no bairro Pinheiros, em São Paulo) é um exemplo”, diz a artista, que conta já ter sido reprimida por suas colagens, mas ela informa que grudar lambe-lambe nas ruas não é crime, é uma forma de resistir ao que está (im)posto.

Texto: Adriana Vilar Menezes Fotos: Jorge Abrão e Adriana Vilar Menezes

CinEncontro + Conversa de Rua - 2019