O “ET de Varginha”: uma compreensão discursiva sobre o “caso”


resumo resumo

Diego Henrique Pereira



1. Introdução

Por envolver-se com uma leitura de “tipo nova”, bem como por lidar com a interpretação que considera a opacidade da linguagem, este trabalho se inscreve na Análise de Discurso Francesa – pecheutiana, que considera a ideologia constitutiva nos processos de significação, interpelando os indivíduos em sujeitos, ao mesmo tempo em que os produz pela e com a linguagem.

Escrever do lugar de analista de discurso mobiliza, inclusive, um diferente modo de leitura, que observa os efeitos de evidência produzidos pela/ na linguagem, que por si não é transparente, muito menos produz sentidos imóveis, mas, pelo contrário, observa e atribui importância ao movimento de seus efeitos de sentido que podem ser vários, funcionando a partir do retorno da memória discursiva, que, nesse campo teórico, é considerada na sua relação com a exterioridade, ou seja, na relação com o que foi dito antes, em outro lugar, independentemente (PÊCHEUX, 1988).

O jogo do dizer produz derivas de sentidos, que se movimentam em diferentes formações ideológicas que estão funcionando pelos/ nos processos ideológicos, provocando assim deslizamentos e/ou deslocamentos de sentidos.

Somos levados, assim, a nos colocar a questão da relação entre ideologia e discurso. Considerando o que precede, vê-se claramente que é impossível identificar ideologia e discurso (o que seria uma concepção idealista da ideologia como esfera das ideias e dos discursos), mas que se deve conceber o discursivo como um dos aspectos materiais do que chamamos de materialidade ideológica (PÊCHEUX, 2014, p. 163).

Tomados por esta teoria discursiva – AD, compreender a relação entre a narratividade e a memória é o que objetiva esta análise, que busca interpretar os processos de significação produzidos pelos enunciados que circulam sobre o “ET de Varginha”. Para tanto, recortes foram efetuados, a partir de uma inquietação percebida entre a comunidade varginhense frente à circulação dos sentidos de “ET”, principalmente aquelas que de alguma forma apresentam formulações referenciando o “ET de Varginha”.

Assim, diferentes formulações de notícias de jornais, publicações em sites, reportagens ou documentários, placas indicativas e monumentos espalhados pela cidade compõem o corpus desta pesquisa, que busca por meio de análise compreender como os sentidos são produtos, sob os efeitos de evidência e unidade. É o trabalho da linguagem em funcionamento – considerando a exterioridade do dizer.

Este artigo se constitui ao analisar a narratividade sobre o “ET de Varginha”, buscando compreendê-los discursivamente pela teoria da Análise de Discurso de Pêcheux. O objetivo do artigo não é desvendar a veracidade do “ET de Varginha”, mas mostrar os efeitos de sentido que circulam sobre o “ET de Varginha” nos espaços midiatizados.


2. Efeitos de identificação e subjetivação do “ET de Varginha”

Num primeiro movimento de análise, observaremos linguisticamente o enunciado “ET de Varginha” circulando em diferentes materialidades, tocando a história sobre o “ET de Varginha”, especialmente interpretando o funcionamento da preposição “de”, que ao ligar a palavra “ET” à “Varginha” estabelece uma relação de “pertença”, “posse”, pois ao dizer “ET de Varginha”, silencia o sentido de ele (o ET) ser de qualquer outro lugar, deslocando uma limite entre o “místico” e o “real”, entre o “de outro planeta”/ lugar, para o lugar possivelmente real - o da cidade, do “urbano”. E falando de urbano, pensamos então o funcionamento da linguagem a partir do e no urbano, onde dissimetrias tornam-se mais presentes pela fenda do que possivelmente seria urbano, e aquilo que está fora desse lugar – mesmo a partir do efeito de não pertencer ao urbano. “A materialidade do espaço é definida por esses processos de significação do urbano, nesse funcionamento discursivo a materialidade do sujeito define-se pelo modo como ele vive e produz esse espaço, subjetivando-se nele” (DIAS, 2011, p. 1).

Pensando a relação entre “real” e “imaginário”, tocamos o jogo de sentidos entre o “interplanetário” – imaginário, e o “urbano” – real, na incerteza da vida “fora” da terra (interplanetário), com as diferentes possibilidades dos acontecimentos historiográficos e da discursivização dos mesmos nos espaços midiáticos da/na cidade (urbano). Compreender discursivamente os ditos sobre o “ET de Varginha” é perceber a relação simbólica entre a narratividade face à memória do dizer, seja ele escrito, falado, pintado, esculpido ou qualquer que seja a materialidade e a forma de circulação.


Figura 1 – Esquema do espaço semântico sobre a expressão “ET de Varginha”

Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.


O gesto de análise acima permite compreender a produção de evidências sobre a identidade da cidade de Varginha, que até meados da década de 90 era conhecida como “Cidade do Café”, pois, situada no interior de Minas Gerais, não fugia à regra de ter a agricultura cafeeira como principal fonte econômica e cultural. Por ser considerada uma das principais produtoras de café da região, a cidade de 136 anos, por grande parte de sua história, recebeu o apelido de “Princesa do Sul”[1], associação que levava em consideração o poder econômico da cidade perante o cenário regional; mais tarde, esse apelido é silenciado pelo “caso” ocorrido em 1996 – a suposta aparição de um “extraterreste” na cidade.

Percebemos então, o funcionamento do relato, discurso este que coloca em funcionamento a imprecisão em relação ao discurso fundador – pois não é possível identificá-lo. Além disso, na materialidade discursiva, principalmente dos relatos, contar o “caso” do “ET de Varginha”, produz efeitos inclusive, do lendário, que analisaremos adiante.

[...] este tipo de discurso, devido à sua capacidade de apagar as marcas históricas de sua enunciação, se configura como um lugar privilegiado de observação dos processos de constituição de sentido e sujeito, relacionados à língua e a história. (CHIARETTI, 2016, p. 200).

Propondo um movimento parafrástico, podemos fazer a preposição “de” dar lugar à preposição “em”, produzindo assim um sentido outro, o de não “ser de um local”, mas de “estar em um local”:


Figura 2 – Esquema parafrástico a partir da formulação “ET de Varginha”

Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.


Por exprimir a ideia de um lugar, a preposição “em” conecta o “ET” à “Varginha” num estado de “passagem”, e não de “pertencimento” à cidade, pois o “ET em Varginha” pode fazer circular o sentido de “estar” em Varginha, engendrando o sentido de “transitório”, e não de “fixo”; possibilitando o efeito do “ET” estar “passando” por Varginha, e não ser da cidade. Logo, pertencer à cidade faz com o que o imaginário venha de encontro com o real, que o “desconhecido” contate o “corriqueiro”, afinal um ser de outro planeta estar na cidade, produz um novo sentido à mesma, a ponto de fazê-la ser conhecida pelo mesmo desconhecido e, ainda mais, percebê-lo como parte desse urbano.

Não podemos desconsiderar que existem outras maneiras de identificar o “ET” pela cidade, uma vez que o pronome possessivo “de” pode estar na ordem de um outro sentido sem ser a naturalidade, por exemplo o possível acontecimento do “ET” estar/ ser visto em Varginha, que o institucionalizaria o mesmo pela cidade, especificamente à cidade de Varginha.

Uma cidade pode ser significada pelo que se disse/ diz sobre a mesma, movimento da historicidade e dos processos linguageiros que funcionam na e pela memória. Esta, para nós, analistas de discurso, não é um mero somatório de lembranças, mas o encontro dos já ditos com a atualidade, da constituição com a formulação do dizer (ORLANDI, 2016).

O recorte a seguir, coloca em funcionamento o sentido de pertença produzido pela preposição “de”, formulado nos bibelôs/ caricaturas do “ET” que são vendidas em diversos pontos da cidade:


Figura 3 – Bonecos de biscuit/ caricaturas do “ET de Varginha”

Fonte: Google, 2017. (https://ivonetebiscuit.wordpress.com/2012/11/16/novidade-enfeites-gerais-para-festas-infantis/et-de-varginha-porta-recado/), acesso em 20/03/2017.


Analisar imagens também é desafio do analista de discurso, que toma a discursividade presente nas formulações, sejam elas textualizadas no verbal e também no não verbal; a imagem acima é composta por estatuetas (bonecos) do “ET de Varginha”, que o representam numa perspectiva caricaturada; silenciando assim a possível imagem “sombria” do “ET de Varginha”. A significação dada pelas meninas que “viram” o “ET” traz uma descrição[2] “sombria”, produzindo efeitos de sentido recorrentes no discurso do “sobrenatural e fantasmagórico”:

“E de repente que nós olhamos para lá, assim, aquela coisa estranha... redonda, nossa! Estava super estranha. A gente ficou com tanto medo, que ficamos observando, no final. Aí daqui a gente já correu para lá e desceu.” (Kátia Xavier, 1996)

“Tinha, é, perna e braços normal, de um homem normal, assim...

Mas, no que a gente olhou direito, não era um homem; tinha chifres; tinha a pele marrom, parecendo que passou algum óleo no corpo; tinha um pé grande; os olhos super arregalado vermelho.” (Liliane Silva, 1996)

“O corpo dele também, que ele tava agachado, com as mãos no meio das pernas.” (Valquíria Silva, 1996)



Figura 4 – Retrato falado do “ET de Varginha”

Fonte: Google, 2017. (http://weboooool.blogspot.com.br/2014/01/nave-espacial-de-varginha-spacecraft.html) acesso em 25/03/2017.


Bípede, corpo marrom, pele de aparência viscosa, três calombos, como se fossem chifres na cabeça, olhos grandes e vermelhos, boca e nariz pequenos descrevem a imagem acima, que também foi chamada de “retrato falado” do “ET de Varginha”; a criatura está agachada sobre uma área de terra, em meio a matos/vegetações características de terrenos sem moradia humana, e ao fundo blocos subentendendo um muro sem reboco. Além das características expostas anteriormente, o “ET” possui três dedos em cada membro superior e inferior e veias protuberantes espalhadas pelo corpo, melhor percebida pela textura oleosa da pele. “Retrato falado” constituído pela descrição das mulheres que “viram” o ET e pelo imaginário que circula sobre um ser extraterrestre.

Observando a angulação do corpo agachado (figura 4), o efeito de sentido de estar “escondido” é produzido pelas condições de produção, que engendram o sentido de “fuga” de “não pertencimento” ao ambiente. Com aparência híbrida, a criatura significada como “ET” traz traços humanos e animalescos; deslocando assim a imagem do que seria interplanetário, geralmente associado à cor esverdeada, remetendo-se aos “marcianos”. Todavia, o “retrato” do “ET” produz sentidos de não pertencimento às espécies já conhecidas, pois não é “gente”, nem “animal”, o que produz a efeitos de “estranho”, “desconhecido”, de “outro mundo”, “outro planeta”.

Conquanto, comparar a imagem com efeitos de “real” do “ET” (digo real como efeito, produzido pelas descrições das pessoas que o viram), e o feito de “ideal” do “ET” (aquela constituída para fins comerciais) é perceber deslocamentos entre o “repudiante” e o “aceitável”, que circulam nas redes de significação entre o “desconhecido”, o esteticamente “feio”, e o “agradável”, aceitável aos olhos do consumo. Imaginando a relação mercadológica, entre cliente e discurso publicitário, compreendemos a regularidade que funciona entre o “belo” e o “feio”, entre o “bonito” e o “assombroso”, este último produzindo efeitos de “repulsa”, exonerado pela prática publicitária para produção de identidade.

Produzir a partir do “ET” um “novo” significado para a cidade de Varginha, ao ponto deste ser considerado o “ET de Varginha”, é perceber o político dos sentidos, buscar compreender a ilusão de estarmos no controle dos seus efeitos, pois, quando se significa um “ET” com aparência “agradável/ bonita” esteticamente, é pensar que a linguagem é controlada a partir da transparência entre sujeito, mundo e pensamento, que para nós analistas de discurso é um efeito de transparência, e, quando digo efeito, toco na equivocidade da linguagem, modo do escapar dos sentidos, vindo sempre à ser outros.

Assim, não se pode pensar no real sem a relação discurso/língua. E a ordem própria da língua, sua não transparência liga-se à materialidade do discurso (e a fecunda-la decorre. Como não se pode pensar o discurso sem o imaginário, sem a ideologia, aí está o sentido desta equação ordem/ materialidade/ real: tudo sujeito à falha (língua), ao equívoco (linguístico-histórico) (ORLANDI, 2016, p. 76).


Figura 5 – Monumento/ estátua do “ET de Varginha”

Fonte: Google, 2017. (http://www.guiadoturismobrasil.com/cidade/MG/571/varginha) acesso em 25/03/2017.


Buscando então esse controle, que é do âmbito do efeito, uma estátua do “ET” é construída no centro da cidade de Varginha, em um ponto de referência para aqueles que a conhecem, ou estão na cidade à passeio, a estátua se situa ao lado do antigo “relógio”[3] da cidade. É interessante pensar nessa justaposição a um dos índices da identidade da cidade, na medida em que por meio de análises das políticas de urbanização, se torna possível pensar a identidade das cidades, tanto na sua (des)estabilização quanto na sua reprodução/transformação, deslocando o ponto de referência do “relógio” para o “ET”. Diferente do que interpretamos no “retrato falado” do “ET de Varginha”, o monumento que representa o ET, está numa posição de “tranquilidade”, apoiando-se à uma pedra com uma das mãos, e com a outra mão à cintura. A mesma mão que se apoia sobre a pedra, segura o mapa de Minas Gerais pintado de cor vermelha. Todo o corpo do “ET” é verde, e com o semblante “agradável”, sorri e pisca com um dos olhos. Observa-se também que algumas características do “ET do retrato falado” se mantém em relação ao “ET mascote” da cidade, por exemplo, a quantidade de dedos, as protuberâncias sobre a cabeça e os olhos vermelhos; porém, esses elementos que se mantêm em uma relação parafrástica com o “retrato falado”, apontam aqui para outra orientação interpretativa: um ser “amigável” e “acolhedor”, sendo, afinal, considerado um dos principais pontos de evidência da cidade.

Vale observar, que abaixo do braço esquerdo, e do mapa de Minas Gerais do “ET de Varginha”, uma placa está fixada na pedra que o apoia, esta que representa vestígios de “autenticidade” do monumento, considerado parte integrante do patrimônio varginhense. Segurar o mapa do Estado de Minas Gerais produz efeitos de “pertença”, pois, segurando o mapa, o “ET” pode ser considerado “cidadão mineiro”, mesmo tendo vindo de “outro lugar”, buscando assim familiarizar-se com o povo varginhense, cuja cultura mineira produz identidade.

A imagem caricaturada do “ET de Varginha” (figura 5) propõe o deslocamento do que se significa como “ET” a outras filiações discursivas; produzindo sentidos de relações comerciais mais apropriadas, afinal, o turismo ufológico passa a ser o foco dos que conduzem o município. Com o corpo de curvas mais acentuadas – remetendo aos desenhos animados (barriga protuberante e semblante nada assustador) –, a estátua do “ET de Varginha” produz sentidos de “simpatia”, fator importante para o “discurso do mascote”, comercialmente falando. Logo percebemos o funcionamento de diferentes discursos: comerciais, científicos e lendários.

A noção de formação discursiva, portanto, é muito importante metodologicamente, pois decide sobre os sentidos, levadas em conta, sem dúvida, as condições de produção e a filiação à memória discursiva e seus efeitos (ORLANDI, 2014, p. 48).

Ao lado da estátua analisada anteriormente (figura 5), outro monumento importante para a produção da imagem do “ET de Varginha”: a “nave do ET”.


Figura 6 – “Nave do ET”

Fonte: Google, 2017. (http://www.guiadoturismobrasil.com/cidade/MG/571/varginha) acesso em 25/03/2017.


O monumento nomeado como “Nave do ET” foi construído a partir de uma estrutura de caixa d’água no centro da cidade, ao lado da estátua caricaturada do “ET”. Iluminada com cores diferentes a noite, a “Nave do ET” contribui para a significação da cidade na medida em que esta se significa em uma relação com o ET, pois retoma imaginariamente o meio de transporte pelo o qual o “ET” poderia ter vindo parar em Varginha.

A montagem discursiva que funciona na imagem que rodeia a “Nave do ET” (figura 6) merece atenção: à esquerda um prédio de onde andares espelhados, cujo espelhos são distribuídos de maneira geométrica, uma grande antena de telecomunicações em cima do mesmo; duas edificações menores ao lado do prédio, a primeira com quatro andares e a segunda com três, pintura amarela e toldos vermelhos em todas as janelas. Árvores de diferentes espécies também compõem a paisagem que funciona com pessoas caminhando e automóveis trafegando remete à memória dos filmes de ficção científica, onde os sentidos do que é ficção movimentam-se nos sentidos do que é realidade.

A “Nave do ET” considerada como um dos pontos turísticos da cidade, desloca com o que se tem significado como cidade, pois em meio às avenidas, rotatórias, prédios e comércios, uma nave produz sentidos de “estranheza” ao mesmo tempo que estabiliza a identidade da cidade, em meio ao urbano. Vale a pena mencionar que, depois da edificação desse monumento, vários outros em formato de nave foram espalhados pela cidade, em diferentes estruturas físicas, como pontos de ônibus, decoração de potes, ladrilhos em calçadas, elevador na sede da Prefeitura Municipal e o “Memorial do ET”. A narratividade urbana sobre o “ET de Varginha” constitui uma identificação mercadológica do que se diz sobre o “ET”, é a cidade sendo significada e identificada por uma “figura” extraterrestre, poder local sendo institucionalizado pelo viés comercial/ turístico.

Figura 7 – Edificações que remetem a “Nave do ET”

Fonte: Google, 2017. (http://www.guiadoturismobrasil.com/cidade/MG/571/varginha) acesso em 25/03/2017.

O recorte subsequente se refere a uma matéria jornalística que circulou na região do Sul de Minas no mesmo ano da “suposta visita” do extraterrestre na cidade de Varginha (1996). Em suma, o sentido de “pertença” já era discursivizado na efervescência do acontecimento (possível aparição do “ET”), sendo a criatura, dessa forma, denominada “ET de Varginha”. A significação da cidade já se deslocava em relação ao discurso fundador que significa a cidade “Cidade do Café” para a “Cidade do ET”, pois se o “ET é de Varginha”, associa-se que a cidade de Varginha é a “Cidade do ET”.

Mesmo funcionando hoje de um outro modo, a “Cidade do ET” não deixa de ser a “Cidade do Café”, inclusive pelo discurso comercial que ainda permeia a região (o da cafeicultura), remetendo assim ao funcionamento do turismo de negócios, jogo de forças geopolíticas produzindo memória e discursividade.


3. O real da língua face à estratificação do dizer: efeitos de “pertença”

Interessante observar, que a reportagem abaixo traz a seguinte manchete: “Os ETs de Varginha”, pluralizando a possível aparição de não só um ET, mas da possibilidade de vários ETs terem aparecido, ou de diferentes aparições na cidade de Varginha. Frente à formulação analisada, outro recorte instiga gesto de interpretação: “Em janeiro deste ano, estranhas criaturas vindas do espaço foram vistas”.


Figura 8 – Matéria em jornal local

Fonte: Google, 2017. (http://ovnihoje.com/2011/08/28/relembrando-varginha/) acesso em 05/04/2017.


Retomo a análise, chamando a atenção para a expressão “estranhas criaturas” (figura 8), que associada à manchete dessa edição do jornal “Os ETs de Varginha”, relaciona essas criaturas estranhas aos ETs, produzindo assim o efeito de mistério, pois não se sabe ao certo quem são essas criaturas, então deduz-se que são seres extraterrestres. Num movimento parafrástico, buscamos compreender a relação do mesmo em relação ao diferente, expondo o enunciado ao não dito, para perceber as condições de produção desse dizer:

  1. Em janeiro deste ano, estranhas criaturas vindas do espaço foram vistas.

  2. Em janeiro deste ano, fantasmas vindos do além foram vistos.

  3. Em janeiro deste ano, alienígenas vindos do espaço sideral foram vistos.

Nesse procedimento parafrástico, em que buscamos dizer algo de uma outra forma, observa-se derivas de sentidos, produzindo efeito de mistério em qualquer que seja o enunciado. “Estranhas criaturas” podem produzir o efeito do “desconhecido”, do “estranho”, porém ao mesmo tempo que produz o efeito do desconhecido, a busca ilusória de “localizar” esse desconhecido no mundo põe a linguagem face ao real, da equivocidade, pois como se sabe que uma criatura estranha vem do espaço? Seria esse espaço o espaço sideral?

Pensar os sujeitos de forma estagnada é imaginá-los à margem de si mesmos, desconsiderando a linguagem como ponto de acesso entre sujeito e mundo. Não digo um acesso positivo, mas sim a própria produção de sujeitos e sentidos, que se dá ao mesmo tempo, indistintamente. No entanto, imaginar que essas “estranhas criaturas” só podem ter vindo do espaço é “engessá-la”, desconsiderando as demais possibilidades do surgimento/ produção desse sujeito.

As paráfrases nos possibilitam compreender a relação do “dito” com o “não dito”, o dizer o mesmo (efeito de mesmo) de forma diferente, com a paráfrase e a polissemia, atualizando assim a memória face às possibilidades de dizeres que produzem diferentes efeitos de sentido. Ao analisar o enunciado: “Em janeiro deste ano, estranhas criaturas vindas do espaço foram vistas”, é importante considerar as condições de produção do mesmo, significado a partir da memória do desconhecido (o ET), que produz efeito de mistério ao mesmo tempo em que é atualizado pelo dizer “em janeiro deste ano”, atualizando assim o acontecimento, propondo efeito de atualidade, inclusive circulando como manchete de jornal.

Outro ponto que me mobiliza (para compor um gesto analítico) no primeiro enunciado é dizer que essas “...estranhas criaturas vindas do espaço...”, no qual o autor, propõe que as estranhas criaturas vieram do espaço, abarcando assim à formação discursiva do interplanetário, afastando-as do pertencimento à Terra, pois vieram de outro lugar, desconhecido por nós, humanos. Mas que espaço é esse? Já que em nenhum momento o enunciado diz que seria o espaço sideral, a galáxia ou até mesmo um espaço desconhecido. Percebemos na manchete do texto jornalístico, que essas estranhas criaturas são identificadas como ETs, apontando então para os sítios de significação do “interplanetário”.

Na primeira paráfrase as palavras “estranhas criaturas” se deslocam para “fantasmas”, e “espaço” para “além”:Em janeiro deste ano, fantasmas vindos do além foram vistos”. Logo uma nova formação discursiva é percebida na relação entre os dizeres, a do “fantasmagórico”, do “assombroso”, não menos misteriosa que a do “interplanetário”, mas diferente por injungir diferentes sentidos, agora tocando o desconhecido não inacessível pelo não acesso físico (de não poder estar na galáxia), mas pela impossibilidade/ possibilidade de acesso por vias “místicas”, na qual o mistério produz sentidos “espirituais”. Observa-se, portanto, uma sobreposição de campos semânticos (interplanetário e espiritual) na produção de sentidos sobre o acontecimento.

Nomear esse espaço como “além” é perceber as derivas que funcionam no dizer, que mesmo significando uma palavra (espaço => além), faz funcionar a incompletude e o equívoco constitutivamente em outros territórios da memória. O “além” (des)territorializa-se enquanto “espaço sideral”, produzindo efeitos de “irreal/ espiritual”, pois vir do “além” silencia o sentido de “interplanetariedade”, e evidencia os efeitos do desconhecido devindos do “espiritual”.

Um diferente gesto analítico coloca-nos frente à discursividade sobre o “ET de Varginha”, propondo, assim, um outro funcionamento por meio da formulação da paráfrase: “Em janeiro deste ano, alienígenas vindos do espaço sideral foram vistos”. Efeitos de sentido do que vem a ser “intergaláctico” aproximam esta paráfrase com o pré-construído sobre os ETs (criaturas extraterrestres), também vistos no filme americano “E.T. the Extra-Terrestrial” (E.T. o extraterrestre), circulado massivamente em todo o mundo a partir do ano de 1982, ganhador de Oscars e vários prêmios do cinema mundial. O filme considerado de ficção científica e drama, conta a história de um alienígena que, “perdido” na Terra, vincula-se amigavelmente com um menino de dez anos de idade, que “protege” seu novo amigo “ET” do Serviço Secreto Americano e o ajuda a “regressar” ao seu planeta.

Portanto, a memória do que vem a ser “ET” poderia ser afetada por diferentes produções cinematográficas e literárias, inclusive produzindo significações em relação ao “espaço sideral”, ao “intergaláctico”.

Considerar a visita de um “ser interplanetário” em território terrestre é algo pragmaticamente incomum, principalmente no que temos de memória sobre os “ETs”, por isso os efeitos de estranhamento circulam em relação a esses discursos (em relação a aparições físicas do ET).


4. O movimento dos sentidos e a (des)territorialização do “ET”

O recorte subsequente foi retirado do site do jornal O Globo. Trata-se de uma reportagem, publicada no dia 19 de janeiro de 2016, que faz referência aos 20 anos do “suposto aparecimento” do “ET” em Varginha. A fotografia de capa mostra em primeiro plano uma estátua do “ET de Varginha” atrás de uma coluna; ao lado, a paisagem urbana é ofuscada por um efeito de imagem em que embaça a imagem de uma calçada, e, na mesma, uma mulher transita com sacolas nas mãos. Essa mulher, ao caminhar pela calçada, projeta sua cabeça para a esquerda, observando alguma coisa que não se sabe, pois ainda não chegou ao ponto de encontro com o “ET”.


Figura 9 – Matéria sobre os 20 anos do “caso” – O Globo

Fonte: Google, 2017. (http://oglobo.globo.com/brasil/as-pegadas-do-et-de--varginha--em-20-anos--18501742) acesso em 05/05/2017.



Sentidos de mistério são produzidos pela imagem, propondo uma relação de estranheza entre o “intergaláctico” e o “urbano” – o estranho, “ET” e o cotidiano, “mulher andando pela cidade”. Manipulando a imagem, a partir da edição, e fazendo com que o “ET” apareça em primeiro plano, efeitos de sentidos relacionados à “vigilância” são postos em funcionamento nesse processo discursivo, fazendo retornar à memória de que os extraterrestres estão a espiar os seres humanos, resultando assim no receio da abdução. Ao observar distraidamente a rua, a mulher se constitui contemporaneamente aos sentidos de “fragilidade” em relação ao “desconhecido”; remetendo assim às fotos jornalísticas investigativas, que circulam em páginas de criminais.

No lado esquerdo da imagem (figura 9), abaixo das pernas da mulher, a formulação “As pegadas do ET de Varginha em 20 anos” é escrita em letras brancas e em maiúsculas, dando o título à matéria que faz alusão a “suposta aparição” de alienígena na cidade. O termo “pegadas” produz o sentido de “rastros”, não somente físicos, mas em relação a constituição da “nova” imagem da cidade.

As condições de produção desse discurso propõem o retorno da memória em relação à atualidade, o funcionamento do que circula sobre o “ET de Varginha” em relação a identidade da cidade, assim chegando ao ponto de obter “reconhecimento internacional”.


Figura 10 – Recorte sobre matéria sobre os 20 anos do “caso”

Fonte: Google, 2017. (http://oglobo.globo.com/brasil/as-pegadas-do-et-de--varginha--em-20-anos--18501742) acesso em 05/05/2017.


Abaixo do título da matéria, “As pegadas do ET de Varginha em 20 anos”, uma formulação apela à memória do dizer: “Suposta aparição de alienígena, testemunhada por três jovens, fez cidade ganhar fama internacional”.

Busco dar atenção primeiramente à palavra “aparição” que acompanha a palavra “suposta” produzindo sentidos de “dúvidas”, de “imprecisão” em relação ao caso, que se situa no discurso jornalístico – caracterizado pela tentativa de construção de uma neutralidade e precisão já que sempre “checa as suas fontes”. O discurso das “aparições” é muito utilizado no “discurso religioso”, principalmente os que concernem às aparições “Marianas”. Um ponto em comum é evidenciado no discurso sobre o “ET de Varginha” e nos discursos das aparições “Marianas”: o sentido de “mistério”. Porém, o primeiro questionado por “comprovações” e o outro silenciando os questionamentos pela “fé”.

Ao associar as testemunhas ao “caso” pela formulação, “... testemunhada por três jovens...”, o sentido de “veracidade” é produzido a partir do que se tem de memória em relação às testemunhas, silenciando o estatuto de “lendário” – do possivelmente duvidoso – e produzindo o sentido de “fato” – verídico testemunhado/ visto.

Assim, podemos observar a circulação de diferentes significações sobre o “ET de Varginha”, porém, a formação discursiva na qual se inscreve o efeito de sentido de “lendário” é tocada pela maioria das formulações. Logo percebemos, mais uma vez, a equivocidade da linguagem, a abertura ao simbólico e a tentativa frustrada de controlar a deriva dos sentidos, buscando que os mesmos estejam “colados” às palavras – mero efeito de evidência.

No decorrer de 20 anos, o “ET de Varginha” é significado como um “caso” pelas mídias que textualizam sobre o “ET”, “O caso do ET de Varginha”. No entanto, diferentes formações discursivas podem ser compreendidas a partir de um jogo de paráfrases; estas que funcionam em diferentes regiões do dizer, produzindo diferentes sentidos:


Figura 11 – Paráfrases a partir da formulação “Caso do ET de Varginha”

Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.


A primeira paráfrase, “Caso do ET de Varginha” sugere o sentido de “mistério” e “incerteza”, no qual a todo o momento a mídia busca “desvendar” este mistério, mostrar uma realidade que não se sabe qual é.


Figura 12 – Matéria sobre os 20 anos do “caso” – G1 Sul de Minas

Fonte: Google, 2017. (http://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/2016/01/et-de-varginha-caso-completa-20-anos-com-misterios-e-incertezas.html) acesso em 06/05/2017.


O recorte acima trata-se de uma matéria disponibilizada no site do G1 – Sul de Minas, no dia 20 de janeiro de 2016, época em que circulavam vários dizerem sobre os “20 anos do caso do ET de Varginha”. Por estar na rede (internet), a notícia traz um feito de onipresença, porém, é postada na página relacionada ao Sul de Minas.

Como analisado anteriormente, a cidade de Varginha é (re)significada a partir do “caso do ET”, tanto que os efeitos de ser um “caso” produz sentidos de incerteza, efeitos de dúvidas. Chamo atenção como a formulação “ET de Varginha” traz a significação da cidade relacionada ao “ET”, em que o mesmo começa a fazer arte do urbano. Depois de dois pontos (sentidos do porvir) no mesmo enunciado, outros dizeres produzem “outros” sentidos: “caso completa 20 anos com mistérios e incertezas”.


Figura 13 – Paráfrases a partir da formulação “Caso do ET de Varginha”

Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.


A palavra “caso” se textualiza depois dos dois pontos, engendrando o sentido de complemento sobre o “ET de Varginha”, assim remetendo à significação do “ET de Varginha” como “caso” – um “possível” acontecimento, representado no enunciado subsequente: “Três meninas teriam visto um extraterrestre em janeiro de 1996. Cidade ficou mundialmente conhecida pelo caso, que nunca foi esclarecido” (grifos nossos). Nas condições de produção que regem o discurso sobre o “ET de Varginha”, diferentes materialidades circulam hoje, em relação às condições de produção em 1996, principalmente as que concernem à tecnologia, à conectividade e à globalização.

Volto nesse momento meu gesto de interpretação das palavras destacadas da formulação: teriam/ mundialmente/ conhecida/ nunca/ esclarecido: “Três meninas teriam visto um extraterrestre em janeiro de 1996. Cidade ficou mundialmente conhecida pelo caso, que nunca foi esclarecido.” O verbo “ter”, conjugado no pretérito imperfeito do indicativo (teriam), geralmente é utilizado pelo passado inacabado, produzindo sentidos de incertezas – Será que essas meninas realmente viram o “ET”?

Logo, dizer que a cidade (Varginha) ficou “mundialmente conhecida” pelo “caso” remete à memória do “discurso da globalização[4]” no qual ser (re)conhecido mundialmente é sinal de prestígio e relações comerciais favoráveis. No entanto, os sentidos que circulam em relação à globalização/ internacionalização são atravessados pelo sentido da dúvida, (des)credibilizando a veracidade do “caso”, pois o mesmo “nunca” foi “esclarecido”.

Na série de paráfrases mobilizadas acima, a segunda sugere os dizeres:


Figura 14 – Paráfrases a partir da formulação “Caso do ET de Varginha”

Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.


Deslocando do “caso do ET de Varginha” para a “história do ET de Varginha”, dissimetrias são produzidas em relação ao modo que o “ET” é significado pela cidade, que agora entrecruza a “história” (fatos históricos) com o que se toma como “verdade”, pois, ao tratar a “história”, o efeito de “verdade cronológica” é posto em funcionamento.

Analisando linguisticamente, podemos produzir gestos de leitura que buscam compreender a diferença entre “história” e “estória”: a primeira produzindo efeitos de “verdade”, enquanto que a “segunda” mobiliza sentidos do “lendário”. Observemos então o recorte abaixo:


Figura 15 – Capa do livro “O Caso Varginha”

Fonte: Google, 2017. (http://www.ufo.com.br/loja/biblioteca/ver/o-caso-varginha) acesso em 20/05/2017.


O importante é analisar a equivocidade que funciona na capa do livro “O caso Varginha”; publicado em 2001 o livro traz a imagem do “ET” em condições parecidas às descritas pelas mulheres que o “viram’, porém, com uma diferença – iluminado por uma luz, como se fosse de uma lanterna, produzindo assim sentidos de “foco”, “evidenciação” da criatura. Ele aqui também não está com as mãos entre as pernas, ao contrário, as suas mãos buscam a câmera – parece que está aqui muito mais em uma postura “comunicativa”. O título do livro, “O caso de Varginha”, traz efeitos de evidências que circulam a partir da palavra “caso” – mistério/ incerteza. Porém, logo abaixo do título escrito em fontes amarelas e caixa alta, uma nova formulação é realizada: “Pela primeira vez revelada a história completa sobre a captura de estranhas criaturas no Sul de Minas Gerais”. Na margem superior da capa uma tarja vermelha traz à direita os dizeres “Revista UFO” e, à esquerda, “Uma publicação do Centro Brasileiro de Pesquisas de Discos Voadores (CBPDV)”. Percebe-se então o efeito de “legitimidade/cientificidade” buscando ser administrado a partir da evidenciação de órgãos especializados em pesquisas sobre Ufologia.

O “ET” é silenciado/apagado da formulação, já não é mais o “ET” como “caso”, mas a “cidade” - substituição de “ET” por “Varginha”, imaginando assim uma equivalência entre ambos (“ET” e “Varginha”), como se fosse clara a associação do “O caso do ET” ao “O caso Varginha”, permitindo a identificação da cidade ao episódio.

Em um outro movimento de interpretação, busco mostrar a equivocidade inerente aos discursos analisados, que traz vestígios da falta, do que sempre resta à linguagem: “caso” deslocando para “história”, que por sua vez se diz “revelada”.


Figura 16 – Recorte da capa do livro “O Caso Varginha”

Fonte: Google, 2017. (http://www.ufo.com.br/loja/biblioteca/ver/o-caso-varginha) acesso em 20/05/2017.


Uma vez que só se revela o que está “obscuro”, “escondido”, percebemos os deslocamentos produzidos pelas/ nas formulações “caso” – “revelada” – “história”. Aqui, a história não precisa ser relevada, pois o seu caráter é do “fatídico” e não do “lendário”.


Figura 17 – Paráfrases a partir da formulação “Caso do ET de Varginha”

Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.


O “lendário” abarca sentidos do “folclórico”, de “estórias”, que circulam no sítio discursivo da incerteza, na crença sem profundas investigações. A regularidade da preposição “de” nas paráfrases - “[...] ET de Varginha”, coloca em circulação os sentidos relacionados à pertença do “ET” à cidade de Varginha, independente de qual tipo é considerada a relação – de “caso”, “história” ou “lenda”. Digo isso não para (des)considerar as possibilidades de formações discursivas, mas para evidenciar os vestígios presentes na regularidade do pré construído sobre o “ET” ser de Varginha, significação engendrada pela cidade e pelos sujeitos.


Figura 18 – Título do vídeo sobre os 20 aos do “caso” – You Tube

Fonte: You Tube, 2017. (http://www.youtube.com/watch?v=uUfCa1hayFg) acesso em 20/05/2017.


Retirado do site You Tube, o recorte (figura 8) é uma parte de um vídeo denominado “ET de Varginha: 20 anos depois, o que é fato e o que é lenda? Lendas sinistras”, que circula a partir de um canal chamado Poligonautas. Esse canal posta vídeos relacionados a Astronomia, Ciência e Filosofia, (o próprio canal traz essa definição do programa). Particularmente este vídeo no You Tube teve 36.122 “visualizações”, 4.232 “gostei” (sinalizado por uma mão indicando com o polegar o sinal de positivo), e 77 “não gostei” (simbolizado por uma mão com om polegar para baixo, sugerindo o sinal de negativo). Percebemos a abertura dos sentidos, a partir do efeito binário (uma coisa ou outra), buscando abarcar a significação do “caso” como “real” (fato) ou imaginário (lenda).

Ao formular “ET de Varginha: 20 anos depois, o que é fato e o que é lenda? Lendas sinistras”, uma questão é colocada em funcionamento: “o que é fato ou o que é lenda?”, sugerindo assim uma dicotomia entre o que é “fato” e o que é “lenda”, distanciando assim a possibilidade de ser ambos ao mesmo tempo.

O discurso “lendário” é bem comum no Sul de Minas, e geralmente voltados ao fantasmagórico, ao terror, ao assombroso, ao sobrenatural. No entanto, podemos compreender esse funcionamento no dizer: “Lendas Sinistras”, no qual o sinistro toma forma de aterrorizante e sobrenatural, associado essas significações ao “ET de Varginha”.

No Dicionário Online de Português[5], a palavra “lenda” é significada como: “Narrativa de caráter maravilhoso, em que fatos históricos são deformados pela imaginação popular ou pela invenção poética. As lendas frequentemente contêm um elemento real, mas às vezes são inverídicas.” Compreendemos então a lenda, a partir da formulação anterior, como o movimento entre o “real” e o “imaginário”, entre o “fato” e a “lenda”, produzindo assim efeitos de evidência no que diz respeito ao discurso do “ET de Varginha”, dúvida atemporal.

[...] não é uma questão de mistério a se descortinar, é uma questão, para nós, de um processo de significação com sua relação com as condições em que se produz, incluindo aí tanto a situação como os sujeitos e a memória discursiva constitutiva. Ou seja, uma questão que nos leva a procurar compreender a relação do texto com sua exterioridade, e a individuação do sujeito em seu processo de identificação (ORLANDI, 2017, p. 35).

Para a Análise de Discurso, pensar no processo de significação de uma lenda, é tomar o discurso como objeto de análise, observando os desvios e derivas produzidos nos e pelos discursos; considerar a abertura dos sentidos ao simbólico, constituindo sentidos, os mesmo tempo que os sujeitos são constituídos, e estes produzindo efeito de “versão” ao que consideramos lenda (ORLANDI, 2017).


5. No efeito de conclusão

Na verdade, não concluímos, mas sim produzimos efeitos de fechamento, de conclusão, pois na linguagem sempre algo resta, é isso que nos inscreve na Análise de Discurso de linha francesa e tomada por nós brasileiros tendo como inspiração Orlandi. Quando menciono que sempre “resta” algo na linguagem, dá-se a perceber a abertura ao simbólico, onde não existe uma ligação direta entre o que se diz e o que se compreende, sendo, no entanto, justamente a falta que funciona nesses processos de linguagem. Desta forma, ao analisar a significação do “ET de Varginha”, somos colocados em contato com uma prática uma leitura de tipo nova, que considera as condições de produção de sentidos, que sempre podem ser outros.

Como mencionado no princípio deste artigo, a função aqui não é questionar a veracidade do “caso”, mas como ele se constitui enquanto “caso”, “lenda”, “história” etc., como seus sentidos são formulados e quais são as possíveis formas de circulação, isso tudo dentro da perspectiva discursiva. Ao mobilizar a formulação “ET de Varginha”, formas de significação aproximam o que algumas teorias chamam de identidade, ou seja, ao significar esta “criatura” como “ET” e, além do mais, como “de Varginha”, a cidade também é (re)significada, produzindo assim novos/diferentes sentidos para este espaço de significação. O sentido de “pertença” é textualizado a partir da relação entre o que a memória traz como “ET” e a relação desse “ET” com a cidade de Varginha, assim produzindo o enunciado “ET de Varginha”; a equivocidade, a inscrição da história e suas contradições na língua, funciona nessa formulação, pois como pode um ser “extraterrestre” ser de Varginha? Ou ainda mais, se o ser é significado como “ET”, seria incoerente (equívoco) ser considerado como de Varginha, naturalizado à cidade, a menos que se desloque a preposição “de” para um outro campo semântico. “O equívoco é constitutivo da discursividade, ou seja, o equívoco é a inscrição da falha da língua na história” (ORLANDI, 2008, p. 64).

Chegamos então a formações discursivas múltiplas no discurso sobre o “ET”, movimentando entre o “interplanetário” ao “fantasmagórico”, a um “ET” caricaturado, simpático e com traços do comercialmente aceitáveis (mascote), a um “ET” horripilante, monstruoso, indefinível (relato feito pelas meninas que o “viram”). Analisamos ainda, que o “Caso do ET de Varginha”, é falado e significado na heterogeneidade que os sentidos são produzidos, pois a cada vez que é formulado, a memória toca à história, desta forma produzindo novos e diferentes sujeitos e sentidos. No entanto, num movimento parafrástico, foi mobilizado nesse trabalho os deslizamentos e deslocamentos produzidos pelas formulações: “Caso do ET de Varginha”, “História do ET de Varginha” e “Lenda do ET de Varginha”.

Podemos assim, intuir que o texto do conto não é imóvel. Não tem estabilidade. Não é completo (aumenta um ponto). E acrescento: não é exato. Ou, o que venho procurando trabalhar, há alguns anos (2001): não há senão versões. Sobretudo se nossa matéria é o relato, o conto. Como boato. E isto pela particularidade dessas formas discursivas textualizarem-se pela não coincidência com o dito, por serem formulações que circulam, ou melhor, cujo funcionamento discursivo mais relevante está em sua circulação. Há um movimento, fluidez, entre a constituição de sentidos, sua formulação e a circulação (ORLANDI, 2017, p. 32).

Analisando os movimentos produzidos pelos diferentes enunciados acima, percebemos o efeito de lendário – o conto funcionando como processo simbólico na significação do “ET”, e como diz Orlandi (2017), a não estabilidade é constitutiva em relação ao relato, afinal “quem conta um conto, aumenta um ponto”; e é esse aumentar que caracteriza o que chamamos de incompletude na linguagem, considerar que na linguagem, sempre algo resta – não se fecha, pois há abertura ao simbólico.

Destarte, ao analisar discursivamente os recortes relacionados ao “ET de Varginha”, o que temos é a multiplicidade de interpretação e sentidos, assim descartando qualquer possibilidade da redução dos sentidos à um. O que circula é a imprecisão do “caso”, e esta imprecisão não está vinculada somente a veracidade ou não do acontecimento, mas sim à possibilidade de interpretações e significações. Mais uma vez, ao acreditar nesse efeito de fechamento, de conclusão, encerramos este artigo na certeza de que o porvir é o que faz deste campo teórico, o da Análise de Discurso, um manancial de possibilidades, instigando-nos, dessa forma, a enxergar, ouvir, ler além do que está posto, mas não escondido, pois está lá.


Referências

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PAYER, Maria Onice. Linguagem e sociedade contemporânea — sujeito, mídia e mercado. In: RUA. Revista do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade da Unicamp XI. NUDECRI. Campinas: Unicamp, 2005, p. 9-25.

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________. Discurso em Análise: sujeito, sentido e ideologia. 3. ed. Campinas: Pontes Editores, 2016.

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Data de Recebimento: 18/07/2017
Data de Aprovação: 20/02/2018



[1] [...] Qual estrela de um céu todo azul/ Nossa terra brilhando caminha/ E crescendo a Princesa do Sul/ Há de ser a cidade Rainha [...] Trecho do hino da cidade de Varginha. (Disponível: https://www.letras.mus.br/hinos-de-cidades/943425/, acesso dia 20 de maio de 2017)

[2] Entrevistas concedidas pelas três mulheres que “viram” o “ET” ao programa Fantástico, da rede Globo em 1996. (Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=KuQzuZGC5gc, acesso dia 28 de maio de 2017)

[3] No centro da cidade de Varginha, até a década de noventa possuía instalado em uma praça central – Marechal Floriano, um relógio digital. Este era patrocinado por diversas empresas/ instituições anunciantes. O relógio com mais de três metros de altura, era considerado ponto de referência da cidade. (Disponível: http://www.blogdomadeira.com.br/2008/06/memorias-de-varginha-a-praca-do-relogio/, acesso dia 25 de maio de 2017)

[4] Pensar o discurso publicitário local é levar em conta a suposição da integração socioeconômica regional no Brasil e pensar o discurso publicitário global é remeter esta integração à dimensão política internacional, ao comércio exterior. O âmbito local e o global, portanto, são determinados pela forma histórica do sujeito de mercado na sociedade capitalista (PAYER, 2005).

[5] Disponível em: https://www.dicio.com.br/lenda/