Discurso urbano e enigmas no Rio de Janeiro: pichações, grafites, decalques


resumo resumo

Bethania Mariani
Vanise Medeiros



“Todas estas manifestações significantes portam a marca da insistência em se fazer visível e, de outro lado, elas são relações imbricadas com a magia da palavra, da letra reenviando para além dela ao lúdico, ao não realizado (a letra como metáfora).” (ORLANDI, 2012, p. 88)

 

Voltando à sigla SMH no Morro da Providência, dissemos que funciona como a assinatura do estado sobre casas serem derrubadas: dobra que se apropria da caligrafia proscrita do outro para novamente proscrevê-lo, agora no corpo da casa. Letra do outro como letra outra em seu próprio corpo. A resposta lá, no Morro da Providência, foram as fotos que trouxeram de dentro da casa para as suas paredes externas o rosto do anonimato. Momento seguinte, a sigla ganha outros muros, passa a circular pela cidade produzindo o equívoco de sua assinatura: pelo estado, poderíamos supor no estupor de um primeiro encontro? Pelo gesto – de protesto? do artista? – que a reduplica produzindo assim uma dobra sobre o dizer do outro?[11]

SMH: pichação que portava um enigma no Morro da Providência (“marcou minha casa sem me informar do que se trata”, cf. MARIANI e MEDEIROS, 2013); pichação que porta agora outro enigma (feita pelo Estado?) no Flamengo. Antes, na Providência, do enigma se sabia ser assinatura do Estado; no novo espaço se faz citação: se trata de assinatura do estado, como sabem alguns, intervindo em bairro de classe média indicando casas e/ou prédios a serem derrubados, ou de uma sigla que se desdobra como citação? Repete-se a sigla de outro lugar, aquela que compareceu nas casas do Morro da Providência e, seja como for, permanece o enigma para o habitante que circula, seja morador ou não do bairro. Por repetir e por portar o enigma, podemos pensá-la como uma citação-trocadilho: não aquela que joga com a ilusão da manutenção do sentido uma vez que se teria o significante, mas aquela que faz estranhar sentidos no significante que ali se apresenta.

O trocadilho, de acordo com Authier-Revuz (1995), é uma forma de heterogeneidade mostrada podendo ser ou não ser marcada e estabelece uma não coincidência nos interlocutores. Com o trocadilho, diremos que duas posições se fazem ouvir em dissonância: repete-se um outro dizer fazendo dissoar na sua própria formulação. Mas não se trata tão somente de dizer o outro para desdizê-lo em seu dizer, mas de assinalar e fazer portar sentidos outros em seu dizer.

 



[11] Recentemente o muro que se encontra nas fotografias 1 e 2 foi restaurado e pintado. Imposição do estado?