“Cara de empregada doméstica”: Discursos sobre os corpos de mulheres negras no Brasil*


resumo resumo

Mónica G. Zoppi Fontana
Mariana Jafet Cestari



 

Brasil, mostra a tua cara!

“Cara de empregada doméstica” é metáfora de quê? Se retomamos a tradição brasileira de anúncios de emprego que exigem “boa aparência”[6], denunciada insistentemente pelo movimento de mulheres negras, nos aproximaremos dos sentidos de feias, negras, pobres para as que não se encaixam nesses anúncios que sem explicitar os critérios raciais de seleção para suas vagas resistem à contratação de trabalhadoras negras. Poderíamos também retomar uma outra expressão corrente usada para qualificar certos espaços da cidade– os chamados “lugares de gente bonita”[7]. Se nos perguntamos quem são as pessoas bonitas, novamente veremos que os critérios para avaliação estética dizem a respeito das posições sociais e raciais. Essa divisão da sociedade e do direito a circular por seus espaços e a ocupar determinados postos de trabalho, que opõe “gente bonita”, de “boa aparência”, “com postura”, capazes, bem formados, bem vestidos a “gente feia”, “burra”, “sem postura”, “descabelados”, “mal vestidos” tem raízes profundas na história brasileira, que produziu  o discurso de “democracia racial”, por meio do qual se silencia e dissimula a violência das relações de exploração econômica e de exclusão racial e social que dão uma “cara” ao Brasil. Na historicidade dos sentidos dominantes do sintagma nominal “cara de empregada doméstica”, encontramos ainda o deslizamento metonímico do corporal para o intelectual, trazendo de forma implícita um julgamento sobre a capacidade intelectual desses indivíduos: seriam incompetentes ou incapazes, burros, (semi-)analfabetos; conforme formulação usual que circula na posição ocupada pelas patroas:  “tem que explicar tudo para que façam certo”.

Uma gravura do século XIX do pintor Debret, incluída como ilustração no texto “A PEC das Domésticas, os grilhões e as madames”, de Cidinha da Silva que denuncia os efeitos da memória escravagista presentes na polêmica sobre a PEC das empregadas domésticas, dá visibilidade a essa divisão social, inscrevendo-a na memória que lhe dá origem e a significa.

 

 

 



[6] Cf. Damasceno (2011).

[7] Lembramos aqui a polêmica que atravessou recentemente a mídia e as redes sociais em torno da ocupação de espaços urbanos valorizados imobiliariamente por aqueles que foram denominados depreciativamente como “gente diferenciada”. Cf. por exemplo, a reportagem disponível em http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/churrasco+de+gente+diferenciada+reune+centenas+de+pessoas+em+sp/n1596952519276.html