“Cara de empregada doméstica”: Discursos sobre os corpos de mulheres negras no Brasil*
Mónica G. Zoppi Fontana Mariana Jafet Cestari
Se fazemos esta interpretação do lugar da Análise de Discurso,engajadas politicamentea partir da teoriaem temas polêmicos de nossa sociedade,também trazemos neste texto a voz daqueles que do lugar da luta política e da militânciacontra a discriminação racialdenunciaram a declaração da jornalista como um caso emblemático de práticas de racismo e xenofobia presentes na sociedade desde longa data.
Só por curiosidade, pesquise ‘médico’ no Google Imagens.
Sim, isso é assustador, somos controlados pela grande classe média brasileira. No último dia 27 de agosto, vimos o que uma parte dessa corja de sábios ignorantes soube fazer: chamaram médicos cubanos de escravos e hostilizaram a sua chegada ao aeroporto de Fortaleza. Para eles, a regra foi quebrada, é ofensivo ver um médico que não possua o porte hegemônico que se fabrica constantemente, ou seja, o homem branco, classe média com “cara de médico”. Não é possível aceitar que o que veio de Cuba foram médicas com “cara de empregada doméstica”, como lidar com isso?
Mas o que é ter cara de empregada doméstica? O que é ter cara de médico? O Brasil tem tantos médicos brancos e empregadas negras que isso acaba entrando para um padrão – que, infelizmente, a classe média burra usa para classificar todos.Há sim uma injustiça acontecendo aí e isso é sim questão, não só de xenofobia, mas de racismo institucional. A regra foi quebrada, a classe médica ficou enfurecida, sabemos que eles não estão perdendo empregos, não é questão de direitos trabalhistas, é algo mais forte que isso e é cego quem não quer ver.(“No Brasil, a medicina é branca e classe média”, Mara Gomes, noBlogueirasNegras, 4-9-2013,http://blogueirasnegras.org/2013/09/04/medicina-no-brasil/)
A partir desta análise feita de uma das posições da militânciadasmulheresnegrasengajadasna luta política por igualdade de direitos e reconhecimento social, vamos nos indagar sobre ofuncionamento metafóricoda expressão “cara de empregada doméstica”. Como diz ablogueira, trata-se de “algo mais forte”e “é cego quem não quer ver”. O humoristaLatuffcom suas charges corrosivasdávisibilidade à memória discursiva que analisaremos a seguir.