“O skate invade as ruas”: história e heterotopia


resumo resumo

Leonardo Brandão



Não foi ele que planejou aquilo. E não planejaram pensando nele. Aquilo simplesmente está ali. E não poderia ser melhor / Seus olhos brilham vendo o que ninguém mais vê. Sua mente viaja no que ninguém mais imagina. Seu coração acredita no que ninguém mais crê. E seu corpo vibra com o que ninguém mais sente / Em busca de emoções verdadeiras, ele foge das regras convencionais, cria novos conceitos e vence seus próprios limites / Misturando dimensões de tempo e espaço, ele transforma a ilusão de muitos numa realidade para poucos / As ruas escondem perigos, abrigam incertezas e oferecem desafios. Nas ruas ele mostra coragem, revela precisão e se torna um vencedor. / Entre formas frias e estáticas, ele se torna um ser colorido e móvel / Enquanto as pessoas se escondem em seus gigantes arranha-céus, ele encontra a liberdade a alguns centímetros do chão / Mesmo cercado por centenas de quilômetros quadrados de concreto, poucos metros são mais que suficientes para que ele concentre toda sua criatividade e energia[5].

 

Nesta revista, assim como nas duas outras publicações, o skatista era apresentado aos leitores como alguém que “foge das regras convencionais” e, por isso mesmo, “encontra a liberdade”. Não é difícil deduzirmos que a prática do Street Skate era bastante diversa daquela praticada em rampas verticais, pistas construídas em espaços delimitados e organizada nos moldes de um esporte de competição. No Street até haveria um “vencedor”, como nos diz a citação acima, mas o derrotado não seria um oponente (um outro skatista), mas sim os limites do corpo e dos espaços.

O Street Skate fazia um uso irreverente e transgressor das ruas. Nesses espaços não existiam juízes ou o uso do tempo cronometrado. Neles, o que contava era a liberdade para criar, saltar sobre bancos, escadas, enfim, escorregar sobre as dobras da matéria. O skate de rua, neste sentido, manifestava-se de maneira informal e não através da formalidade esportiva (cronômetro, juízes, equipes etc). Tratava-se de novas experiências juvenis, heterotópicas, que buscavam singularizar as vivências do cotidiano ao explorarem “outros espaços”, inventando maneiras de ser onde o corpo tinha um lugar especial.

Considerações finais

A questão é que as heterotopias geram inquietações: um corrimão não é mais um corrimão, nem uma escada é tão somente uma escada. Além disso, não podemos nos esquecer da grande heterotopia citada por Foucault: o navio, figura por excelência do século XIX, o navio inglês nos mares, por exemplo, o navio transatlântico... Pedaço



[5] Revista Skatin, n. 6, 1989, p. 30 – 39.