“Cara de empregada doméstica”: Discursos sobre os corpos de mulheres negras no Brasil*
Mónica G. Zoppi Fontana Mariana Jafet Cestari
entreaberta– por onde contemplá-la, mas por onde igualmente pode surgir de repente a via daspaixões. ”(idem,p.45).
Como metáfora:além de estar próximo da alma, o rosto étambém a sua imagem,o seuespelho. O rosto é a metáfora da alma, a sua condensação, o seu ‘quadro resumido’.Afisiognomonia, ao inscrever o rosto naordem da linguagem,descreve e codifica nelesuas operaçõese sinais fundamentais- as chamadas figuras. “É neste sentido que o rosto é afigura da almae afisiognomoniao repertório de uma linguagem dasfiguras. ”(idem, p.46).
Voltemos, então, a nosso enunciado.Em seufuncionamento metonímicoaexpressão“cara de empregada doméstica”faz referência explícitaa uma parte do corpo humano, cara = rosto, face.Assim, a expressão aludiria amarcasno corpoque identificam/caracterizam as empregadas domésticas de forma homogênea; haveriauma“cara de empregada doméstica” que permitiria identificar socialmente os sujeitos lhes atribuindo um lugar definido nas relações de classe.Temos assim um deslizamento desentido que leva do corpo humano significado biologicamente(seus traços físicos)ao corpo socialmentesignificado(sua função/lugarna sociedade). A força da expressão se dá a partir de seu funcionamento porefeito depré-construído, ou seja, por ser apresentada no enunciado como um elemento que remete a “uma construção anterior, exterior e independente”,produzindo o efeito de evidência do que “todo mundo sabe” e do que “todo mundo vê” (Pêcheux, 1975).A evidência desses sentidos para significar a cara/corpo das empregadas domésticas já é resultado do funcionamento ideológico, ou seja,da construção histórica de um corpo estereotipado negativamente, que surge da imbricação de traços que referem à ordem do racial (textura do cabelo, cor da pele, forma corporal), do cultural (tipo de penteado, de roupa, postura, agir), do social (marcas de classe nas vestimentas)e de gênero (reduzir o emprego doméstico a uma profissãoexercida exclusivamente por mulheres – “as empregadas”).
Noseupost iniciala jornalistanãoexplicita o que seria uma “cara de empregada doméstica”, não há descrição nem definição, apenas uma relação de sinonímia coma palavra“aparência”.Somente quando questionada nos comentários, a jornalista avança algumas precisões:“descabelada”,“de chinelos”,“sem lavar a cara”,“cara de acabado”, “mal vestido”. Porém, essas especificações não verbalizam os sentidos de discriminação racial que foram imediatamente compreendidos e atribuídos a sua declaração. Por