Arquitetura das igrejas: gestos metafóricos e metonímicos que materializam desejos inconscientes


resumo resumo

Olimpia Maluf-Souza
Fernanda Surubi Fernandes



Lacan (1999) elabora uma importante distinção entre o enunciado e a enunciação, pois no enunciado temos o lugar daquele que fala e na enunciação temos a significação, ou seja, a manifestação do objeto metonímico do desejo, que só existe pela cadeia significante, pois toda fala presume a existência dessa cadeia, que faz com que o discurso sempre diga mais do que aquilo que se diz. No nível da enunciação, o autor (idem) afirma que há discursos divergentes: um que vai do Eu na direção do objeto metonímico do desejo (que nunca está presente, que está situado em outro lugar, que é sempre outra coisa) e o outro que vai do Eu em direção ao Outro, ou seja, à cadeia significante, que irrompe sempre que acontece o furo na fala.

Nessa direção, os modos de se dizer da cidade obedecem, numa primeira visada, por suas arquiteturas e pelos modos de espacialização dos sujeitos, a sentidos ditados pelo mercado, pois, se observarmos o cotidiano de uma cidade, veremos que o mesmo circula em torno dos modos de produção capitalista, uma vez que a cidade se articula e se estrutura em torno das leis mercadológicas.

Desse modo, os sujeitos e os sentidos se assujeitam às normas mercantins, produzindo efeitos de sentido sobre a cidade. Em Cáceres-MT, por exemplo, estes sentidos são marcados pelo crescente movimento de carros, de motos, de bicicletas e de pedestres, pelo movimento nos bancos e no comércio local, pelas placas puplicitárias (os outdoors, as faixas, etc), pelos barcos no rio, pelo vai e vem de pessoas apressadas, ensimesmadas. O que esse burburinho urbano produz são modos de circulação de sujeitos e de sentidos, que nos fazem afirmar a cidade como representação do mercado, ou seja, como representação dos modos de produção capitalista, que vêm, muitas vezes, subsumidos pelas ordens de crescimento, desenvolvimento e progresso.

Esse funcionamento faz também efeitos na estrutura da cidade, pois se antes tínhamos o bucolismo, o apelo à forma, hoje temos a funcionalidade tomando conta do urbano, uma vez que o que mais cresce na zona nobre da cidade é o comércio com seus grandes salões ou a adaptação de casas de antigos moradores como pontos comerciais. Nesse sentido, as cidades traduzem os indicadores econômicos e os poderes estatais de um dado município, que se aliam à utilização de recursos, de técnicas e de conhecimento científico para assegurar a hegemonia do mercado, pois enquanto “[...] os poderes têm sua estratégia, os aparelhos têm o seu interesse” (LEFEBVRE, 1999, p. 131). Contudo, esse é o ordinário do sentido, a evidência, o semanticamente estabilizado.