Memória e movimento no espaço da cidade: Para uma abordagem discursiva das ambiências urbanas


resumo resumo

Carolina Rodríguez-Alcalá



que caracterizam a realidade urbana estudada e que se inscrevem materialmente, como procuramos mostrar, no espaço, nos sujeitos e na própria língua, conferindo-lhes uma forma específica, que é histórica. Muitas questões ficam em aberto, como é a de melhor precisar a relação entre a linguagem verbal e não verbal, uma questão complexa do ponto de vista metodológico, que interessa a análise do discurso, e que se mostrou instrutiva para levantar a hipótese que direcionou a abordagem das imagens e das entrevistas de nosso corpus; outra questão a ser explorada é a relação entre a materialidade da linguagem e a materialidade do espaço e dos sujeitos, que coloca em jogo a questão do corpo e do gesto, realidades que, embora relacionadas em sua constituição e funcionamento simbólicos, conforme propomos, são irredutíveis entre si[1].

Acreditamos, entretanto, que a discussão feita tenha sido suficiente para vislumbrar uma abordagem possível da dimensão histórica e política da dinâmica das ambiências a partir da linguagem. Uma contribuição nesse sentido, a nosso ver, é que trabalhar nessa dimensão permite analisar a produção do espaço como um processo articulado, ao considerar que tanto os que concebem e administram o espaço como os que o percebem em sua experiência cotidiana, bem como os cientistas que se dedicam a estudá-lo, estão inscritos numa memória comum que relaciona, na contradição, todos os diferentes gestos que participam em sua produção. É isso o que procuramos mostrar a partir da hipótese trabalhada, que nos permite relacionar também diferentes realidades urbanas que participam dessa memória comum, embora com suas especificidades, as quais não devem ser apagadas.

Hanna Arendt utiliza uma metáfora muito ilustrativa para definir o domínio público e esse processo de esvaziamento constatado atualmente. “Público” é, para a autora, o mundo em si (não enquanto espaço natural terrestre, condição da vida orgânica, mas enquanto artefato humano), na medida em que é comum para todos nós e distinto de nosso próprio lugar nele (cf. ARENDT, 1958: 50-53). Viver juntos no mundo, de acordo com Arendt, significa essencialmente que um mundo de coisas existe entre aqueles que o têm em comum, como uma mesa entre os que estão sentados ao redor dela; o mundo, como tudo o que está entre, relaciona e separa os homens ao mesmo tempo. O domínio público, como o mundo comum, nos junta e ainda nos

 

[1] Todas essas são questões trabalhadas por Orlandi (cf. ORLANDI 2004, entre outros trabalhos). Podemos mencionar igualmente trabalhos de Haroche e também de Courtine, sobre o gesto e sobre o que este autor chama de intericonicidade, pois embora esses autores não se inscrevam mais hoje disciplinarmente no campo da análise do discurso eles trabalham de uma perspectiva afim.