Memória e movimento no espaço da cidade: Para uma abordagem discursiva das ambiências urbanas


resumo resumo

Carolina Rodríguez-Alcalá



concepção arquitetônica como da experiência ordinária dos citadinos. A análise, através da noção de memória discursiva, de como tal oposição opera no espaço estudado, determinando a percepção do movimento, poderá contribuir, ao mesmo tempo, para compreender o que há de comum e o que há de específico nos modos de habitar característicos das cidades brasileiras quando confrontados às outras realidades urbanas que foram objeto de estudo nesta pesquisa. 

 

2. Sujeito, linguagem e espaço: algumas aproximações entre ambiência e discurso

A AD na qual trabalhamos foi instaurada na década de 1960, na França, por Michel Pêcheux[1], e introduzida no Brasil a partir dos trabalhos de Eni Orlandi[2]. A AD participa do gesto epistemológico anti-positivista produzido a partir da trilogia de autores Marx/Freud/Saussure, que revolucionou as ciências humanas no século XX. Tal gesto pode ser caracterizado, conforme palavras de Paul Henry (1990), pelo questionamento das evidências da ordem humana como sendo estritamente biossocial, através do reconhecimento da castração simbólica que caracteriza a estrutura do humano (cf. Rodríguez-Alcalá 2005). Dessa perspectiva, nem o sujeito é o reflexo (psicológico) de características naturais (biológicas), e sim o resultado de um processo simbólico que se dá na história, nem o mundo em que vive se confunde com o meio natural, condição da vida orgânica, mas é o espaço simbólico que resulta do mesmo processo de constituição subjetiva (ibidem). O que leva a atribuir à linguagem, à própria língua, matéria simbólica por excelência, um estatuto central na constituição da realidade humana. Afirmamos, por isso, que sujeito, sentidos e espaço resultam de um mesmo processo histórico, existindo entre esses termos uma relação constitutiva[3].

 


[1] A obra fundadora da AD é Analyse automatique du discours, de 1969. Alguns anos mais tarde (1974), Pêcheux revisaria alguns pontos de sua proposta inicial no artigo “Mises au point et perspectives à propôs de l’analyse automatique du discours” (tradução ao português: “A propósito da Análise Automática do Discurso: atualização e perspectivas”), escrito em co-autoria com Catherine Fuchs e publicado na revista Langages 37, para publicar no ano seguinte a principal referência da teoria que propõe, Les veritées de la Palice (tradução ao português: Semântica e Discurso. Uma Crítica à Afirmação do Óbvio). Autores como Paul Henry e Michel Plon, bem como Françoise Gadet, Denise Maldidier, Francine Mazière, Jacqueline Authier-Revuz, Régine Robin, Jean-Jacques Courtine, Jean-Marie Marandin, Jacqueline Léon, Dominique Maingueneau, além da citada C. Fuchs, entre outros, fizeram parte da equipe que acompanhou Pêcheux nessa empresa teórica, explorando as relações entre a AD e diversas disciplinas limítrofes (a própria Lingüística e suas diferentes áreas, como a fonologia ou a morfossintaxe; a psicanálise e a psicologia social; a sociolingüística; a historiografia, a antropologia; a etnografia, etc.), embora nem todos eles tenham mantido o mesmo rumo até hoje. 

[2] Baseada na obra de Pêcheux, Eni Orlandi desenvolve a AD no Brasil a partir de noções e formulações originais, tendo constituído uma linha de reflexão que talvez seja hoje a mais forte, no contexto acadêmico internacional, nessa vertente de AD iniciada por Pêcheux e sua equipe, dentre outras vertentes de análise do discurso que se constituíram, inscritas notadamente na tradição anglo-saxônica.

[3] Inspiramo-nos na afirmação crucial que faz Orlandi, a partir da obra de Pêcheux, de que sujeito e sentidos se constituem num mesmo movimento, à qual acrescentamos o terceiro elemento (o espaço) da tríade sujeito/linguagem/mundo sobre a qual se constrói a realidade humana, a fim de pensar o caráter histórico (i.e. não natural) da mesma e a relação constitutiva entre seus termos.