Quando os espaços se fecham para o equívoco


resumo resumo

Suzy Lagazzi



reafirmar a dicotomia dos espaços, e no segundo caso negando o próprio acontecimento pela concepção do espaço da cidade como comum a todos. Dois modos de não nos debruçarmos sobre as determinações que levam a essa dicotomia. Duas tentações que nos acolhem em lutas legítimas!

A delimitação da cidade em espaços de ricos e espaços de pobres, “cada um pro seu lado”, impermeáveis uns aos outros, me impõe a necessidade de pensar sobre as nomeações “rico” e “pobre”. Quais derivas de sentido cada uma dessas nomeações abriga? Qual o pré-construído que sustenta essas nomeações em sua eficácia simbólica?

A divisão rico/pobre continua estabilizada na afirmação tautológica “rico é rico e pobre é pobre”, numa suficiência que parece não suscitar nenhuma dúvida. Que evidência é essa que nos faz não desconfiar de que “rico é rico e pobre é pobre”? O verbo ‘ser’, em sua conjugação objetiva e positiva ‘é’, afirma um “estado” com efeito de natureza para sujeitos que ficam categorizados[1]. Embora a ascensão social fique ressoando como possibilidade em nossa sociedade (neo)liberal, embora a economia teime em ainda subdividir a população em classes nomeadas por letras de A a E e classes adjetivadas por combinações esdrúxulas entre “alta”, “média” e “baixa”, as condições da riqueza e da pobreza e os sentidos que daí decorrem para pobres e ricos estão muito bem delimitados e separados uns dos outros.

A dicotomização me captura pela eficácia de seu funcionamento. Sempre em busca de sínteses conciliadoras, nossa sociedade legitima as dicotomias num funcionamento opositivo porque não suporta contradições, que teimam em expor as diferenças que impedem a afirmação da unidade. A oposição abre espaço para negociações e sínteses na previsibilidade das antecipações que permite. Já a contradição nos demanda nos equívocos que produz ao confrontar significante e história.

Falando do discurso revolucionário, Pêcheux (1990b) chama a atenção para estratégias imobilizadoras:

“[...] as estratégias de tomada da palavra, de inversão e de contra-identificação especular que constituem os discursos revolucionários na sua relação com o Estado (ao mesmo tempo garantia do estado de coisas existente e agente geral da “mudança”) são escritas conjuntamente no registro histórico tanto dos dispositivos estatais como dos programas revolucionários.

Neste sentido, pode-se dizer que os discursos de revolução [...] tendem inevitavelmente a tornar simétrico algo presente nos discursos da ordem estabelecida, prefigurando a ordem estatal revolucionária (com seus



[1] Cf. a análise do verbete ‘analfabeto’ feita por Mariza Vieira da Silva (1996).