Memória e movimento no espaço da cidade: Para uma abordagem discursiva das ambiências urbanas


resumo resumo

Carolina Rodríguez-Alcalá



E – É que lugares...

M – De rua? Já morei no Vale do Anhangabaú.

E – Ah é?

M – Na Praça da Sé... dormi aqui na, na Praça Júlio Mesquita, na Praça do Arouche, na Princesa Isabel, vários... lugares... que você pode imaginar que tem aqui no centro eu já dormi.

 

 

Esse “nomadismo” é forçado pela própria configuração arquitetônica da cidade. Fixar-se na calçada, na praça, encostado numa escultura, dentro de um chafariz, encima de um telhado, embaixo de uma marquise ou uma ponte (conforme vimos nos depoimentos anteriores) é algo, por definição, precário e instável nesse modo de organização da cidade; há impossibilidades materiais, inclusive de ordem técnica, que atentam contra a permanência, como é a relacionada à circulação pelos espaços públicos. Essa é uma questão que aparece na seguinte referência às pessoas que dormem na calçada, embaixo da marquise do prédio dos Correios, “atrapalhando” a abertura das portas (não podendo, por isso, permanecerem durante o dia):

 

E – Porque você quer tirar [uma foto] do Correio?

J.E. – (...) já fiquei quase que três meses aqui embaixo... e o pessoal, só levantava, só seis horas da manhã porque ia abrir a porta.

 

Ou na praça, junto ao ponto de ônibus:

 

M Dormia uns vinte aqui no chão ó, tudo espalhado... quando era seis horas da manhã.. (...). Aí nós levantava, guardava as nossas coisas em cima do ponto de ônibus, limpava, às vezes varria, quando eu dormia né... eu varria, eu mandava as meninas varrer a Praça, onde nós dormia pra não ficar sujo...

 

Ou, como aparece em diversas passagens das entrevistas com os moradores de rua, em lugares abertos quando chove.

É o conflito dessa forma de ocupação do espaço nesse tipo de organização da cidade que produz a percepção de decadência e a deterioração dos equipamentos urbanos, como no caso do chafariz da Praça Júlio de Mesquita, cujas imagens havíamos reproduzido:

 

– (...) estava muito judiada a nossa Praça... e era..o chafariz era lindo, lindo, lindo, maravilhoso... ah... as luzes eram coloridas, o chafariz funcionava... as águas em cima da estátua... era muito bonito mesmo sabe, da gente ver... mas o povo não respeita, atravessa canteira, atravessa.. então acabou com grama, acabou com planta... ficou tudo assim... vazio... e... e daí começamos não é? varrer, arrumar, ajeitar, catar lixo daqui e de lá...