Discurso urbano e enigmas no Rio de Janeiro: pichações, grafites, decalques


resumo resumo

Bethania Mariani
Vanise Medeiros



como Baltimore no momento do amanhecer, certamente a história da cidade tem sua relevância, mas a ênfase não está nas camadas arqueológicas de sua historicidade, tal como Freud pensava ao tecer suas analogias entre o inconsciente e Roma. 

Se somos estruturalistas naquele longínquo ano de 1966, e se ainda hoje fazemos ecoar as analogias propostas por Freud e Lacan, então podemos compreender a cidade como um lugar simbólico com uma gramática própria que nem sempre se dá a ver: regras urbanísticas e administrativas regem seu funcionamento ao mesmo tempo em que uma outra lógica, própria e não totalmente visível, fura o esperado do urbanismo fazendo eclodir fluxos não previstos de subjetivações ali inscritas. Laurent (idem) chama atenção exatamente para essa visada poética e metafórica da cidade como a colocação “em ato do texto inconsciente.” Comparando Freud com Lacan, afirma: “A estratificação do tempo que revela o discurso arqueológico é substituída pela estratificação lógica que opera a estrutura.” (LAURENT, idem) Em outras palavras, Baltimore e o inconsciente funcionam de modo análogo na batida da sincronicidade, na simultaneidade das relações entre espaço e tempo que, se dão a ler um texto, permitem entrever a presença do sujeito lá onde ele não é previsto pelas regras urbanísticas: sujeitos que de modo pontual, fugaz e em permanente movimento, não se deixam apreender em sua errância de tentativas de inscrição de significante a significante nos muros da cidade.

O texto que aqui apresentamos – Discurso urbano e enigmas no Rio de Janeiro: pichações, decalques, grafites , retoma essas reflexões de Freud e Lacan para, no campo teórico, nas fronteiras pontilhadas entre a Análise do Discurso e a Psicanálise, compreender o funcionamento de certas formas de pichação, grafite e decalque presentes no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, assim como Baltimore, também foi construída a partir de um velho mundo, na fricção entre discursos que se antagonizam, se interceptam, se afastam ou se misturam.  Que restos não simbolizados dessas fricções se inscrevem no Rio? Nossa pergunta incide sobre os modos de inscrição de seus habitantes contemporaneamente: o que pichações, grafites e decalques dão a ler? Ou ainda, não teríamos nos muros com os decalques, pichações e grafites tentativas de inscrição do sujeito em sua errância pelo espaço urbano? Algumas dessas inscrições são poéticas, outras são palavras de ordem que materializam gestos de resistência às instâncias de poder. São essas marcas que pretendemos abordar tomando-as a partir da indicação dinâmica de espaço/tempo, como vimos acima.