“O skate invade as ruas”: história e heterotopia


resumo resumo

Leonardo Brandão



Departamento de Geografia da USP, afirmou que um dos propósitos do filósofo fora o de trabalhar com uma forma de concepção espacial que valorizasse a “presença de múltiplas representações conflitantes em uma mesma área” (VALVERDE, 2009, p. 10). De fato, Foucault afirma que “a heterotopia tem o poder de justapor em um só lugar real vários espaços, vários posicionamentos que são em si próprios incompatíveis” (FOUCAULT, 2009, p. 418). Nesse sentido, a virtude de tal noção estaria em nos induzir a uma compreensão mais complexa e heterogênea no espaço, permitindo-nos apontar a existência de percepções que fugiriam da racionalidade instrumental moderna. Para Foucault, portanto, existiriam certos espaços que, em função da movimentação de atores e de seus significados, poderiam ser pensados como espaços de inversão, suspensão ou neutralização da ordem oficial.

Neste artigo, temos por objetivo aproximar a noção de heterotopia formulada por Michel Foucault dos estudos de história urbana, tomando como exemplo uma prática corporal mundialmente conhecida e que, nos últimos anos, vem ganhando a atenção dos estudos acadêmicos centrados na cidade e no esporte: o skate. Assim, com base em revistas publicadas na década de 1980 no Brasil, iremos abordar o desenvolvimento histórico dessa atividade, enfatizando o surgimento de uma modalidade urbana que passou a ser conhecida como Street Skate e como ela pode, em sua relação com a cidade, ser um exemplo típico de heterotopia.

 

A cidade e o street skate

O skate foi uma invenção norte-americana que se globalizou. No Brasil, ele foi introduzido na década de 1960. Nesta época ele era geralmente representado como uma derivação do surfe, sendo até mesmo conhecido pelo nome de “surfinho” ou “surfe de asfalto” (BRANDÃO, 2012, p. 26). No início os skatistas (ou “surfistas de asfalto”) apenas desciam ladeiras imitando algumas manobras que os surfistas realizavam nas ondas do mar. Na segunda metade da década de 1970, entretanto, a prática começou a sofrer um processo de esportivização, ganhando publicações especializadas (As revistas Esqueite, Brasil Skate e o Jornal do Skate), pistas (Wave Park, Alphaville e outras), campeonatos, juízes etc. Esse movimento resultou no que hoje é conhecido como skate vertical, atividade constantemente noticiada pela mídia televisiva como “esporte radical” e que se vale de grandes rampas as quais se parecem com uma grande letra “U” – para a realização dos treinos e competições.