Dos não-lugares à cidade senciente


resumo resumo

Lucia Santaella



da vida social. O êxodo rural provocou a concentração de pessoas que crescia para atender ao fluxo do capital em expansão, demarcando duas classes claramente definidas, os operários, de um lado, e a elite industrial, de outro. Nasciam aí as metrópoles ligadas por redes de eletricidade, cuja organização e comando contavam com o telégrafo, o telefone e a mídia criadora de opinião, o jornal. Na arquitetura, nos traçados urbanísticos das ruas, nos grandes magazines, nas galerias, nos cassinos, nas exposições, nos museus de cera, e principalmente na moda, a febril imaginação moderna ia se forjando.

Os pressentimentos dessas mudanças já se faziam presentes no conto “O homem na multidão”, de Edgar A. Poe, retomados nos escritos e obra poética de C. Baudelaire e perscrutados por Simmel, no seu ensaio pioneiro de 1903, “A metrópole e a vida mental” (apud SINGER, 2001, p. 116), seguido, entre outros, pelas obras de Walter Benjamin (1975, 1989). Com seus boulevards, galerias, parques, cafés, museus e teatros, o design das cidades foi se desdobrando em uma multiplicidade de imagens, cenários voláteis e espetáculos que alimentavam os prazeres do consumo.

Em um capítulo dedicado especificamente à diversidade de experiências da paisagem cotidiana, Relph (1976, p. 122-140) discorreu sobre as transformações introduzidas pelo crescimento desmedido dos centros urbanos e sobre a ruptura por elas provocadas nas noções herdadas de como as paisagens urbanas deveriam ser organizadas. De fato, na sua aparência caótica e continuamente mutável, destituídas de centros e bordas claramente definidos, as megacidades desafiam quaisquer sentidos de ordem. Disso resulta a natureza protéica tanto das identidades dos habitantes quanto das fronteiras dessas paisagens.

Relph está aqui sendo lembrado, no lugar de muitos outros estudiosos do assunto, porque é notável o seu diagnóstico antecipado das vibrações urbanas que adviriam sob efeito do capitalismo globalizado. Antecipou, por exemplo, muitos dos temas que vêm sendo discutidos, por Certeau (1984), Sennet (1996), assim como prognosticou o relevo progressivo que a questão do espaço passaria a adquirir das últimas décadas para cá. Tanto é que seu livro tem um título bem similar, Lugar não lugar, ao do livro Não-lugares, que Marc Auger publicou em 1992 [1994].

Conforme já foi por mim discutido (Santaella, 2007, p. 173-177), à aceleração da história, resultante de uma multiplicação de acontecimentos e às figuras do excesso como modalidades essenciais da contemporaneidade, Augé (ibid., p. 32) deu o nome de supermodernidade. São pelo menos duas transformações ou figuras do excesso que ela implica:

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