Memória e movimento no espaço da cidade: Para uma abordagem discursiva das ambiências urbanas


resumo resumo

Carolina Rodríguez-Alcalá



Essa distinção, entretanto, não está isenta de contradições, de superposições, de indistinções, em relação às quais pode ser compreendida a forma que assumem os problemas das sociedades capitalistas contemporâneas, decorrentes do esvaziamento do sentido do público, enquanto bem comum que exige a mediação do Estado, acompanhado da erosão do domínio privado[1] (cf. Sennett 1988; Arendt 1958). É precisamente a desestabilização dessa distinção, de suas conseqüências sobre o espaço urbano estudado, a questão que propomos mobilizar em nossa análise.

Mas como surgiu essa hipótese e de que forma se mostrou pertinente para revelar fenômenos de ambiência?

 

3.3.2. O percurso analítico

Quando percorríamos junto com a equipe o centro de São Paulo para realizar as imagens de vídeo do espaço que foi objeto de nossa pesquisa, já conhecendo o conteúdo das entrevistas e procurando uma entrada para a análise, deparamo-nos com a seguinte situação que me afetou particularmente:

Imagem 1

 

 

[1] Segundo Hanna Arendt, a palavra “privado”, originariamente associada, no mundo grego, à “privação” (daquilo que é propriamente humano, isto é, a vida pública na polis), ao ser conectada, com o capitalismo, à propriedade, perde imediatamente esse caráter de privação e muito de sua oposição com o domínio público em geral (cf. ARENDT 1957: 60-1). A propriedade privada deixa de ser a instância para satisfazer as necessidades básicas da vida e, nesse sentido, o pré-requisito para usufruir o bem-estar da vida pública, passando a ser equacionada ela mesma com o bem-estar. Por isso a sociedade, diz a autora (ibid.: 68), assume a forma de uma organização de proprietários que, em lugar de demandarem acesso ao domínio público tendo em vista seu bem-estar, demandam proteção dele para a acumulação de mais bem-estar. O bem comum não é mais comum, no sentido de um mundo comum, mas ele se tornou estritamente privado; só o governo, apontado para proteger os proprietários privados uns dos outros na luta competitiva por mais bem-estar, é comum. Tanto o público como o privado se esvaeceram: o público, porque se tornou uma função do privado, e o privado porque se tornou a única preocupação comum (cf. ARENDT 1957: 69).