“Cara de empregada doméstica”: Discursos sobre os corpos de mulheres negras no Brasil*


resumo resumo

Mónica G. Zoppi Fontana
Mariana Jafet Cestari



Nesse sentido, sua cara/corpo/voz representariam o empoderamento da mulher na política e sua capacidade de ação coletiva. Estes sentidos, ressignificados pelos aparelhos do Estado (TSE), são afetados pela atual conjuntura política brasileira, na qual a primeira mulher a ocupar o cargo de Presidenta do Brasil concorre à reeleição em outubro de 2014 e disputa com outra candidata mulher a preferência do eleitorado.

Por outro lado, já podemos também sentir os impactos de um discurso que despolitiza a interpretação mobilizadora e contestatária ganha por essa designação e essa metáfora no processo da luta social contra o racismo e a exploração de classe. Vemos emergir e ganhar circulação na grande mídia um discurso que faz deslizar seus sentidos para o campo semântico da superação pessoal: a empregada doméstica “batalhadora” que vence as dificuldades de sua origem pelo esforço pessoal. Neste sentido, recentes matérias sobre outras “ex-empregadas domésticas” que integram o governo federal mostram esta tendência discursiva ao esvaziamento dos sentidos políticos de luta coletiva e à imposição dos sentidos morais do esforço pessoal. Não por acaso, a figura escolhida para estas matérias jornalísticas é a Ministra do Tribunal Superior do Trabalho, Delaide Miranda Arantes, convenientemente branca[12].

Da metáfora de empregada doméstica como cara/corpo/voz da resistência coletiva à opressão, à metonímia da doméstica como indivíduos destacados do conjunto das mulheres brasileiras, a designação “cara de empregada doméstica” e os sentidos que se (des)organizaram em torno dela por efeito do acontecimento discursivo, mostram o funcionamento paradoxal dos objetos discursivos e seu investimento irrelutavelmente político.

 

Referências bibliográfica

 

CESTARI, Mariana. A tomada da palavra e as disputas pelos sentidos e memórias nos discursos do  movimento de mulheres negras no Brasil.  Anais do VIII Congresso de Pesquisadores Negros (COPENE), 2014.

COURTINE, Jean-Jacques et Claudine HAROCHE. Histoire du visage : exprimer et taire ses émotions : du XVIe au début du XIXe siècle. Paris, Payot, 1988.

DAMASCENO, Caetana. Segredos da boa aparência : da "cor" à "boa aparência" no mundo do trabalho carioca (1930-1950). Seropédica: EDUFRRJ, 2011.

 



[12] Cf. matéria transmitida no programa Fantástico da Rede Globo em 31-3-2013 com o título “Ministra do TST relembra seus dias de empregada doméstica”http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2013/03/ministra-do-tst-relembra-os-dias-de-empregada-domestica.html ; e nova matéria transmitida no programa Globo Reporter em 16-5-2014 com o título “Da casinha da roça ao TST: doméstica aposta nos estudos e vira ministra”,http://g1.globo.com/globo-reporter/noticia/2014/05/da-casinha-na-roca-ao-tst-domestica-aposta-nos-estudos-e-vira-ministra.html