Memória e movimento no espaço da cidade: Para uma abordagem discursiva das ambiências urbanas


resumo resumo

Carolina Rodríguez-Alcalá



3.3. A Análise

3.3.1. A pergunta da pesquisa

Uma das noções associadas à dinâmica das ambiências é a questão do movimento. De acordo com Thibaud (2002), as qualidades do movimento do público podem ser consideradas como uma expressão possível da ambiência. Uma pergunta que podemos fazer-nos, em relação ao espaço público analisado, é como se movem os sujeitos que o habitam, qual é a percepção que os diferentes sujeitos têm disso. Para explorar essa pergunta, propomos compreender o movimento num sentido amplo, como uma noção estruturante da cidade (RODRÍGUEZ-ALCALÁ 2003). Desse ponto de vista, a organização interna da cidade, suas divisões, respondem a modos históricos que certas sociedades estabeleceram para assentar-se no espaço, isto é, para fixar-se e circular por ele, de acordo com modalidades de encontro pautadas por normas específicas de sociabilidade[1]. Nas sociedades capitalistas contemporâneas, conforme propomos, essa organização está fundada na distinção público/privado, tal como elaborada na chamada tradição ocidental. Nossa hipótese é a de que essa distinção institui uma memória, caracterizada por uma estética[2] presente na produção do espaço urbano, em suas diferentes instâncias.

Quando observamos o plano de uma cidade, vemos que esta se apresenta grosso modo, em sua própria configuração arquitetônica, como um quadriculado de espaços privados (casas, edifícios), concebidos como lugares do habitar, do morar (isto é, espaços para fixar-se, assentar-se), circundados por espaços públicos, planificados para circular e encontrar-se (ruas/calçadas, para veículos/pedestres; praças). Essa divisão, que envolve questões técnicas e estéticas, entre outras, para o planejamento e construção dos prédios e dos equipamentos urbanos que operacionalizem tais modalidades de moradia e de circulação/encontro, responde a modos de estar-juntos relacionados aos próprios sentidos históricos do que seja “público” ou “privado”. De acordo com Richard

 

[1] Podemos dizer que o movimento, associado à questão de tempo (duração), é uma noção fundante da ordem urbana, do que concebemos como cidade, que delimita não apenas seu espaço interno mas também suas fronteiras exteriores. Pensamos aqui na própria denominação de cidade enquanto assentamento humano, que opõe a cidade a outros modos de ocupação do espaço, notadamente o nomadismo: sociedades que não se fixam, não se assentam no espaço, ou o fazem de modo (mais ou menos) provisório; desse ponto de vista, seria o nomadismo (e não o campo, por exemplo) o ‘outro’ da cidade (cf. RODRÍGUEZ-ALCALÁ 2003).

[2] Lembramos, como faz Thibaud (2004), que a palavra estética, originariamente, não se limita ao sentido mais recente de “ciência do belo” ou “gosto estético”, mas remete à “faculdade de sentir” e a “perceptível, sensível” (o termo vem do grego aisthêtikos, derivado do verbo aisthanesthai, “sentir”, da mesma família de aiein “apreender, perceber”) (cf. REY, ALAIN (org.), Le Robert historique de la langue française. Paris: Larousse.)