Discurso urbano e enigmas no Rio de Janeiro: pichações, grafites, decalques


resumo resumo

Bethania Mariani
Vanise Medeiros



A reflexão de Rancière que trazemos nos interessa por alguns outros motivos além destes modelos que ele pontua. Em primeiro lugar, por colocar em cena a relação por vezes maldita (e, acrescentamos, mau dita) entre arte e política. E aí cabe sua distinção entre poder e política. No que se refere à política, é preciso registrar que esta não é, para ele, exercício do poder ou luta, mas “l’activité qui reconfigure les cadres sensibles au sein desquels se définissent des objets comuns” (Ib, p. 66). Uma atividade que não se dá sob a égide do consenso – uma forma de governança ‘moderne’(as aspas são dele, p. 75) que apaga a dominação capitalista sob o rótulo de, como aponta, uma sociedade democrática ou de individualismo de massa do heterogêneo que inscreve a cidade, e assim, podemos acrescentar, faz valer a divisão de sentidos – o político, conforme Guimarães – que constitui a sociedade. Se voltarmos as fotografias que trouxemos, vemos nos muros e nas pilastras em (des)organização a errância do sujeito que insiste em se inscrever na discursividade urbana. No decalque que se repete em qualquer lugar, fazendo-se poesia ou palavra de resistência; na pichação, que porta na letra o enigma em se fazendo também resistência; e na pichação do estado, que proscreve e materializa a contradição.

Um segundo motivo, pela crítica que faz em relação à arte como supondo uma relação de causa e efeito. Como analistas de discurso, diremos que supor tal relação advém da ilusão de domínio e controle do dizer (e fazer artístico) que pressupõe como contrapartida a apreensão daquilo que o artista “quis dizer” (que resulta em supor e perseguir a intenção do artista). Este sujeito para o qual se supõe saber a intenção é aquele pensado cartesianamente, isto é, aquele que se imagina fonte e soberano de seu próprio pensamento. É aquele que Freud faz ruir mostrando que ele não é senhor de sua própria morada. Ademais, com tal continuum tem-se um paradoxo nas artes: a relação de causa e efeito repousa na transparência de sentido do objeto artístico, o que vai de encontro, portanto, a sua própria possibilidade polissêmica... Por fim, tal relação pressupõe qualquer leitura – e aí se inclui a da arte – como passível de um sentido a priori a ser desvendado, o que retira do sujeito sua historicidade – e aí indicamos a ideologia como constitutiva – e sua singularidade – e aí apontamos o inconsciente como estruturador.

Voltemos aos nossos muros. Rancière nos avisa que “un art critique est um art qui sait que son effet politique passe par la distance esthétique. Il sait que cet effet ne peut pas être garanti, qu´il comporte toujours une art d´indécidable” (ibidem, pag. 71). Talvez seja interessante pensar que a sigla-pichação, em sua repetição e equivocação