O ritual da mística no processo de identificação e resistência


resumo resumo

Freda Indursky



divergências, tensões. E, em função disso, se um professor se afastasse, mesmo que minimamente, do modelo idealizado para a formação pretendida, cada vez que mobilizasse um saber contrário aos dos Sem Terra, cada vez que um de seus símbolos não era "respeitado", (como vimos na descrição da mística de sala de aula acima apresentada), desencadeava-se, em contrapartida, um movimento de resistência[1] materializado pela mística de sala de aula.

Através de seus cantos, de seus hinos, de sua bandeira os estudantes sem-terra produziam não apenas um movimento de resistência em relação ao deslizamento de saber ou ao modo de se colocar do professor, afetado por outra FD, como também produziam um processo de reidentificação com os saberes da FD Sem Terra, resultando dessa resistência um "retorno do Sujeito no sujeito", uma "reduplicação da identificação" (PÊCHEUX, 1975/1988, p.172). Rememoravam pelo viés dessas místicas quem eram e o que vieram procurar na Universidade. E, assim  procedendo, produziam um movimento para dentro, voltado para eles próprios, destinado a lembrar-lhes de onde vinham e o que ali vieram buscar, sinalizando pelo viés da mística que seus saberes são diversos, que não pertenciam àquele lugar e que ali estavam de passagem para fazerem sua formação pedagógica. Mas, paralelamente a esse movimento de reafirmação de seu lugar de sem-terra que a mística lhes proporcionava, havia um outro movimento igualmente provocado pela mística. E esse segundo movimento era para fora, dirigia-se ao professor que estava ali para ministrar-lhes aulas. A mística servia para lembrar também ao professor quem eram os estudantes que ali se encontravam na Universidade. Servia para lembrar ao professor que ali estavam sujeitos pertencentes ao MST e futuros professores de sem-terrinha, o que os distinguia dos valores/saberes da educação burguesa.

Esse duplo movimento - para si próprios e para o professor - produzia uma tomada de superidentificação que tornava visível o invisível: as FD em delimitação recíproca envolvidas naquela experiência. Assim a prática ritualística da mística construía uma fronteira invisível, mas perfeitamente tangível entre as FD que afetavam estes dois grupos reunidos no espaço da sala de aula, transformada momentaneamente em um entre-lugar - nem mais Universidade, nem mais um acampamento do MST - e

Pêcheux entende resistência como "não entender ou entender errado; não "escutar" as ordens; não repetir as litanias ou repeti-las de modo errôneo, falar quando se exige silêncio; falar sua língua como uma língua estrangeira que se domina mal; mudar, desviar, alterar o sentido das palavras e das frases; tomar os enunciados ao pé da letra; deslocar as regras na sintaxe e desestruturar o léxico jogando com as palavras....". (Pêcheux, 1982/1990, p. 17) (Os destaques são meus).



[1] Pêcheux entende resistência como "não entender ou entender errado; não "escutar" as ordens; não repetir as litanias ou repeti-las de modo errôneo, falar quando se exige silêncio; falar sua língua como uma língua estrangeira que se domina mal; mudar, desviar, alterar o sentido das palavras e das frases; tomar os enunciados ao pé da letra; deslocar as regras na sintaxe e desestruturar o léxico jogando com as palavras....". (Pêcheux, 1982/1990, p. 17) (Os destaques são meus).