“Cara de empregada doméstica”: Discursos sobre os corpos de mulheres negras no Brasil*


resumo resumo

Mónica G. Zoppi Fontana
Mariana Jafet Cestari



para manter a forma, valets nos restaurantes para estacionar os carros, etc. [...]

Com as classes médias o quiproquó é maior: os seus estratos mais tradicionais e conservadores agem quase como um espelhamento deformado das classes proprietárias e vociferam a “revolta da sala de jantar”: não será estranho se começarem a defender o direito das trabalhadoras domésticas não terem os direitos ampliados. E sua bandeira principal já está indicada: são contrárias à ampliação dos direitos das trabalhadoras domésticas para lhes evitar o desemprego.

(A revolta da sala de jantar, Ricardo Antunes, no jornal Estadão, 30-3-2013, http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,a-revolta-da-sala-de-jantar,1015042,0.htm)

 

De doméstica a deputada: a mulher na política

Como vimos nas análises, o acontecimento discursivo da “PEC das empregadas domésticas” deu visibilidade a sentidos longamente apagados que trouxeram para a cena política a memória do discurso escravagista e das lutas do movimento negro e especificamente das mulheres negras contra a exploração. Como efeito dessa filiação de sentido a expressão “cara de empregada doméstica” foi afetada por um processo de metaforização que deslocou a designação e lhe embaralhou os sentidos, legitimando e enaltecendo a prática desses sujeitos sociais. A partir de março de 2013 a menção às “empregadas domésticas” ganhou nova e maior circulação no discurso social e, por meio de um processo de metaforização, passou a significar de forma emblemática os sentidos da resistência à opressão. Porém, por efeito de generalização, esta designação também condensou, como metáfora, os sentidos de “ascensão social pelo esforço pessoal”, com o consequente apagamento da memória de luta política.

A imagem da deputada Benedita da Silva discursando no Parlamento na sessão em homenagem ao Dia do Trabalhador Doméstico (acontecida em 29 de abril de 2014) pode ser considerada um ícone desse funcionamento metafórico: a empregada doméstica que chegou ao poder e que dá corpo, cara e voz a luta contra a opressão.