Discurso urbano e enigmas no Rio de Janeiro: pichações, grafites, decalques
Bethania Mariani Vanise Medeiros
Se nos tempos atuais a questão do poder subversivo da arte retorna – e podemos aqui lembrar as manifestaçõesno Brasil a partir de 2013que se deram e se dão com o político aliado, ancorado e significado pelo gesto estético –, ele vai mostrar que isto seocorre, no entanto, de formas diversas e contraditórias. Por exemplo, o desejo derepolitizaras artes semanifestacontemporaneamente, entre outros modelospor ele trabalhados,no modelo mimético,isto é, um modelocom raízes na representação mimética que, embora contestada desde o século XVIII, ainda comparece de diferentes maneirasna nossa contemporaneidade. Tal modelo se sustenta numarelação de causa e efeito: a arte nos deixaria revoltados mostrando coisas revoltantes. Trazendo um exemplo de fotografias em galerias sobre vítimas de um extermínio ético, ele pergunta, entre outras coisas, que esperar de tal representação? A revolta contra os carrascos? Uma simpatia sem consequência por aqueles que sofrem? Uma cólera contra os fotógrafos que fazem da destruição humana ocasião de uma manifestação estética? Ou a indignação contra o olhar cúmplice nas populaçõese emseu estatuto degradante de vítimas? ConformeRancière,supondo a arte como um espelho – daí a ilusão, diríamos, de passagem ao ato por intermédio da arte –,tal posiçãose insere em um modelo pedagógico da eficácia da arte quepressupõeum “continuumsensibleentrelaproductiondesimages, gestes ou paroles etlaperceptiond’unesituationengageantlespensées,sentimentsetacionsdesspetateurs”(Ib,p. 60).Não há, contudo,razão alguma,elelembra, para que o choque diante de tal ou qual obra se traduza em compreensão da razão das coisas, nem para que ela produza uma decisão de mudar o mundo (ibidem,p.74). Sua crítica incide sobre o equívoco de supor uma transmissão calculável entre“chocartistiquesensible,prisedeconscienceinstellectuelleetmobilisationpolitique” (ibidem, p. 74)e não na possibilidade de eficácia da arte.
Emoutro modelo, fortenoinício do século XX e do qual ele vai indicar como ancorado numa lógica ética, os pensamentos, seguindo sua explicação, não estão mais nos corpos ou imagens representadas, mas diretamente incorporadas aos hábitos da comunidade.Ambos supõem uma pedagogia: uma mediada pela representatividade; outrapelaprontidão ética. Ambos polarizam as reflexões sobre política da artehoje em diae obscurecemum terceiromodelo, o do dissenso, isto é, aquele que suspendearelaçãodiretaentrearte e seu efeito.Este outro, que ele compreende como novas formas de, por exemplo, circulação da palavra, da exposição, do visível,rompe com as formas antigas e com os dois outros modelos, tanto o mimético quanto o ético “desproductionsàdesfinssociales” (ibidem, p. 67).