“Cara de empregada doméstica”: Discursos sobre os corpos de mulheres negras no Brasil*


resumo resumo

Mónica G. Zoppi Fontana
Mariana Jafet Cestari



 

Sobre a figura da mulata, na perspectiva de Pinho (2004:91), trata-se da idealização do “mestiço” pressuposta no discurso da miscigenação,

 

que opera por estruturar discursivamente – e isso quer dizer também materialmente – raça, sexualidade e identidade nacional de modo a instituir um campo de leituras, interpretações, sujeitos, todo um regime de verdade, que pressupõe uma figura idealizada de “mestiço” – a mulata ou mulato – como base para a transformação modernizante e modernista da sociedade brasileira naquilo que ela é como vontade e como representação.

 

A partir do seu trabalho, pensamos a figura da mulata e também da doméstica como constituídas pelo discurso da democracia racial e funcionando como se fossem uma evidência, algo da ordem do real do mundo, apagando a historicidade dos sentidos e dos sujeitos. Os sentidos atribuídos à “mulata” e à “doméstica” foram a tal ponto naturalizados pelo discurso dominante ao longo da história, que hoje constituem, como bem aponta Lélia Gonzalez no seu texto, atributos de um mesmo sujeito que aparece assim ontologizado.

Mulher negra, naturalmente, é cozinheira, faxineira, servente, trocadora de ônibus ou prostituta. Basta a gente ler jornal, ouvir rádio e ver televisão (idem, p. 226).

 

A aprovação da chamada PEC das empregadas domésticas trouxe de forma acirrada para o debate público os discursos e as práticas da opressão política, da dominação racial, da exploração econômica e da exclusão social. A luta histórica pelos direitos trabalhistas das empregadas domésticas ganhou visibilidade pública, ao mesmo tempo em que foram escancaradas as formas simuladas de exploração de classe, exercidas cinicamente a partir do discurso das relações cordiais na intimidade do lar. O texto de Cidinha da Silva, publicado no Blog do Geledés- Instituto da Mulher Negra, se inscreve com força na atualidade do acontecimento discursivo, disputando sentidos por meio da análise e da denúncia dos enunciados naturalizados pelo discurso da democracia racial.

Oxalá, caminhemos de um lado, para botar fim ao “você é quase da família”, e do outro, para extirpar do mapa o discurso passivo de trabalhadoras destituídas de tudo, o dolorido “meus patrões têm o coração tão bom, me tratam tão bem.” São faces da mesma moeda. A coroa passa açúcar (roupa usada, sobras de comida) na exploração das domésticas, compartilha de maneira simbólica e subalternizada o mundo que um salário ínfimo não pode comprar. A cara da moeda, privada do básico, até do direito ao trabalho para manter existência digna, tende a contentar-se ou iludir-se com o coração bom de mãos tiranas. (“A PEC das Domésticas, os grilhões e as madames”, Cidinha da Silva, Blog Geledés, 28-3-2013, http://www.geledes.org.br/em-debate/cidinha-da-silva/17807-a-pec-das-domesticas-os-grilhoes-e-as-madames-por-cidinha-da-silva)