“Cara de empregada doméstica”: Discursos sobre os corpos de mulheres negras no Brasil*


resumo resumo

Mónica G. Zoppi Fontana
Mariana Jafet Cestari



pec das domesticas cidinha

Blog GELEDÉS Instituto da Mulher Negra, 28-3-2013[1],

 

O movimento das mulheres negras, com maior expressão a partir do início da década de oitenta, tem denunciado o funcionamento do mito da “democracia racial”, conforme o qual o Brasil seria fruto de uma miscigenação harmoniosa das raças, apontando para a produção de estereótipos sobre as mulheres negras, especialmente as figuras da mulata e da doméstica como as duas faces de uma mesma moeda: cara e coroa de um mesmo processo de violência simbólica[9]. Citamos a seguir um trecho de Lélia Gonzalez, uma das principais vozes que do lugar de intelectual/ativista produz a teoria necessária para analisar a dominação racial:

Como todo mito, o da democracia racial oculta algo para além daquilo que mostra. Numa primeira aproximação, constatamos que exerce sua violência simbólica de maneira especial sobre a mulher negra. Pois o outro lado do endeusamento carnavalesco ocorre no cotidiano dessa mulher, no momento em que ela se transfigura na empregada doméstica. É por aí que a culpabilidade engendrada pelo seu endeusamento se exerce com fortes cargas de agressividade. É por aí, também, que se constata que os termos mulata e doméstica são atribuições de um mesmo sujeito. A nomeação vai depender da situação em que somos vistas (GONZALEZ, 1983:228)

 

Consideradas as interpretações sobre a construção e os efeitos ideológicos do mito da democracia racial no Brasil, compreende-se que frequentemente o tema da miscigenação é comprometido com a história e com as práticas da dominação racial presentes mesmo quando não pronunciadas, que significam em sua ausência sem que sejam identificadas como tal. Para citar um exemplo trazido por Gonzalez (1983), na palavra mucama por vezes se oculta o sentido de escrava sexual e da prática sistemática da violência sexual contra as mulheres marcada pela hierarquia que articula classe, gênero e raça e que posiciona na escravidão, no topo da hierarquia, no lugar de dominador, senhores brancos e, na sua base, na posição de dominadas, mulheres negras escravizadas. Um processo semelhante ocorreria na hipersexualização da figura da mulata.

 

http://arquivo.geledes.org.br/em-debate/cidinha-da-silva/17807-a-pec-das-domesticas-os-grilhoes-e-as-madames-por-cidinha-da-silva

Cf. Cestari (2014).



[9] Cf. Cestari (2014).