Mariza Vieira da Silva Claudia Castellanos Pfeiffer
Introdução
Temos trabalhado, em nosso percurso de pesquisas, sobre algumas das formas por meio das quais vai se dando a relação entre o Estado e a Ciência, tendo como referência o espaço escolar, espaço este reservado, por uma memória discursiva republicana, para educar o indivíduo quanto às formas de sociabilidadeque lhe garantam a cidadania, o direito de estar na rua – espaço público – de modo adequado.
Uma dessas formas se materializa na textualidade dascartilhas, primeiramenterestritas ao espaço daEscola e, atualmente, sobretudo nas duas últimas décadas, alargada ao espaço das políticas públicas do Estado (SILVA, 2014). Ao tomarmos a discursividade dascartilhascomo ancoragem de análise, preocupamo-nos, especificamente, em buscar compreender o funcionamento do discurso de divulgação deconhecimentos científicos na escola e na sociedade, observando como se dão as relações que se estabelecem entre ciência e ideologia, e, mais propriamente, o modo pelo qual o Estado se apropria desses conhecimentos, incidindo em uma das formas de disciplinarização doscidadãos, própria à injunção da forma-sujeito jurídica(Pêcheux, 1990). Desse modo, ler e escrever em sociedade – ação gerida por um Estado republicano – pode se dar por meio de um instrumentolinguístico epedagógico específico como o dacartilha. Instrumento que permite a gestão das“coisas a saber”(Pêcheux, 1990), participando da configuração de umsujeito urbano escolarizado(Pfeiffer, 2001).
Nossa reflexão incidirá, pois,sobre o funcionamento do discurso científico quando mobilizado no espaço específico de sua divulgação com vistas a um objetivo pedagógico, recortando, para tanto, uma textualidade muito própria deste funcionamento: cartilhas temáticas cujo público alvo, hoje, extrapola o aluno da rede formal de ensino, marcando um modo muitosingularde determinar formas de pertencimento ao Estado: umapedagogização da vida em sociedade(SILVA, 2014), em quesetrabalha a formação docidadãoem um processo contínuo e específico de apropriação do conhecimento. A prática pedagógica, lembremos,produz respostas a demandas da sociedade, através de instrumentos, técnicas e tecnologias, que são transmitidos de geração a geração, que legislam em matéria de aprender-saber, visando à conformação, adaptação, reprodução de relações sociais (HERBERT/PÊCHEUX, 2011).