“Como navegar”: texto e espaço na ordem do discurso digital expográfico


resumo resumo

Cristiane Dias



Questões introdutórias

O discurso expográfico ou a “escrita da exposição” deixa marcas do modo como a memória vai sendo construída ao mesmo tempo em que o espaço toma forma. A partir dessa premissa, a reflexão que vou aqui empreender, partindo da perspectiva teórica da Análise de Discurso, buscará compreender como o discurso expográfico produz efeitos de sentidos na relação entre o sujeito-leitor e a obra exposta, considerando o discurso digital.

O museu virtual, museu online, museu digital, cibermuseu[1] etc., não são uma novidade. A construção de um “duplo” de museus físicos, tradicionais, como o Louvre[2], por exemplo, é comum há bastante tempo. Nas palavras de Carvalho (2008, p. 1):

 

Com a expansão da rede na década de 90, multiplicaram-se sites de Museus, dedicados aos mais diferentes temas, com nomes e tipologias, permitindo ao usuário da Internet “visitar”, num mesmo dia, museus localizados fisicamente em diferentes continentes. Muitos destes sites são espelhamentos de instituições museológicas construídas no espaço físico. Essa capacidade de alcance possibilitada pelas redes eletrônicas, chegou a despertar o questionamento de que os museus físicos pudessem ser substituídos por seus equivalentes digitais.

 

Com a internet, foi possível criar uma experiência museológica online que, no meu entender, é mais do que um espelhamento, trata-se, de uma dobra, de um outro do museu. Algumas vezes em 3D, como o exemplo do Louvre, no qual é possível visitar virtualmente salas de exposições específicas e galerias. No caso do Louvre, essas visitas são uma “amostra” do acervo do Museu. Nessas visitas, encontramos textos digitais, considerados, aqui, a partir da tipologia que Paveau (2015) propõe para dar conta das especificidades do texto no digital. Segundo a autora, texto digital é o texto produzido off line (no word, por exemplo), mas com os recursos de um dispositivo digital. Gostaria, nesse artigo, de expandir o texto digital, para pensá-lo como texto expográfico digital, ou seja, aquele que, embora produzido off line, produz, nas visitas virtuais, uma outra textualidade pelos recursos utilizados pelo Museu para tornar a visita possível.

Em meus trabalhos, a relação online e offline é uma relação constitutiva, vazada, onde uma interfere necessariamente na outra. Desse modo, embora uma visita online a um museu, cuja narrativa tenha sido planificada, espacializada pensando uma circulação física, uma vez no digital, ela se significa pela discursividade do digital. Ela é, portanto, “uma articulação específica com efeitos particulares, que se produzem pela injunção a seu modo de circulação” (ORLANDI, 2001, p. 151). Em se tratando de um modo de circulação pelo digital, há efeitos do discurso digital sobre a formulação, sobre o texto expográfico.

É a partir daí que meu intuito nesse texto é problematizar o discurso expográfico no digital, buscando compreender como ele se textualiza, quais são suas textualidades e suas marcas ao constituir um espaço digital específico de circulação, com os recursos digitais, como setas indicativas, zoom, textos interativos, mapas, etc. Para tanto, vou analisar o Projeto Era Virtual[3], um projeto realizado por “Empório de Relacionamentos Artísticos”, que tem como objetivo ampliar o acesso a museus brasileiros. O meu objetivo com essa análise é trabalhar as marcas de textualização do discurso digital expográfico, encontradas na aba “Como navegar” do site do projeto.

 

O Projeto Era Virtual e o discurso digital

Conforme consta no site do Era Virtual, o projeto vem sendo desenvolvido desde 2008, “sua primeira iniciativa foi a criação de visitações virtuais a museus brasileiros e seus acervos.” Em 2013, o projeto se expandiu também “para os parques nacionais e para as cidades com sítios considerados como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO.”

Nas palavras do texto de apresentação do projeto, encontrado no site, trata-se de “transpor museus, exposições e monumentos do patrimônio cultural brasileiro do mundo real para o virtual”. Em minha perspectiva, vou considerar como uma iniciativa que propõe a “transferência” de um modo de circulação em museu, parques e cidades, para recriá-las no espaço virtual, construindo, com isso, um outro modo de circulação pelas obras, pelo patrimônio histórico e cultural.

Segundo Orlandi (2001), a transferência não é a simples substituição de algo, não se trata de transportar o museu, os parques ou cidades-patrimônio de um espaço físico, off line e substituí-lo por um outro no espaço virtual, mas de produzir “um efeito metafórico pelo qual algo que significava de um modo, desliza para produzir outros efeitos de sentidos, diferentes. Desse ponto de vista não há equivalência entre o que é dito em uma ordem de discuso e na outra.” (ORLANDI, 2001, p. 153).

Dessa forma, pensar o museu no digital seria pensar num modo de circulação que se traça por outros trajetos, percursos significantes, outra ordem discursiva, outros dispositivos de leitura, a saber, outro espaço e meio material de sentido: o digital.

O que vemos, no entanto, em muitos trabalhos que analisam a emergência dos museus digitais, é uma busca pela equivalência entre um espaço virtual, online e um espaço físico, off line, como se um fosse a “réplica” do outro. Isso ocorre porque o digital é compreendido como “instrumento no domínio da informação” (Orlandi, 2001).

Minha posição vai numa outra direção, a de considerar o digital com um discurso que se produz em condições de produção específicas. Assim, pensar o museu digital não é buscar uma equivalência entre um museu e seu “duplo”, mas é pensar no modo como um discurso é textualizado em outra formação, a “formação algorítmica” (FERRAGUT, 2018), em que a ideologia da técnica trabalha para delimitar as fronteiras dos sentidos no digital, daquilo que pode e deve ser dito.

O Era Virtual é composto de um conjunto de Exposições Temporárias, Museus e Patrimônio Cultural. Vejamos as telas relativas a cada um deles:

Interface gráfica do usuário, Site

Descrição gerada automaticamente

 

 

 

 

           

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Visitas Virtuais – Exposições Temporárias

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Visitas Virtuais - Museus

 

Interface gráfica do usuário, Site

Descrição gerada automaticamente

Visitas Virtuais – Patrimônio Cultural

 

Todos esses espaços existem fisicamente e podem ser visitados virtualmente. Podemos circular por ruas, parques e exposições, pelo digital. Mas como é essa circulação e que elementos a compõem, mediando a relação dos sujeitos com as obras?

Da perspectiva teórica que assumo, a da Análise de Discurso, e pautada nas pesquisas a que me dedico sobre o discurso digital, entendo que o discurso digital é uma das instâncias dessa mediação, que é também uma mediação entre a linguagem, o pensamento e o mundo, como nos ensina Orlandi (1998). Daí minha insistência em descrever algumas características desse discurso, com o objetivo de compreender o museu digital. Uma dessas características é a temporalidade, que institui um outro modo de relação com o espaço, pelo qual o sujeito se desprende de sua forma densa, aderente e se agrega a “uma temporalidade de forma dispersa, rarefeita. É uma espacialidade não geográfica, espaço feito de fragmentários, luminosidades, displays touch screem, uma espacialidade retigráfica[4], pela sua forma em rede.” (DIAS, 2016, p. 159) Uma outra característica do discurso digital, ligada a essa primeira, é a mobilidade, que ocorre numa outra ordem.

 

o processo de significação de mobilidade na constituição do sentido das cidades – entendida a partir dos trabalhos de Orlandi (1999, 2004, 2014) como espaço político-simbólico – e dos sujeitos, a partir da discursividade digital. Entendo que a transformação dos sentidos na/da cidade e do sujeito urbano está ligada a um modo de significação do espaço pelas tecnologias digitais, a partir das quais os processos de significação, interpretação e textualização da cidade têm se dado. (DIAS, 2016, p. 157)

 

Assim, pensar a temporalidade e a mobilidade como características do discurso digital e, portanto, como elementos de mediação sujeito-obra, um efeito-leitor, eu diria, que faz funcionar a inscrição do sujeito. É nessa medida que não trabalho com a distinção entre um museu físico e um museu digital, na medida em que ambos se constituem por diferentes materialidades, ou seja, trabalham diferentemente a relação sujeito e sentido, elaborando de modo específico a relação do imaginário com o real, em condições de produção determinadas. Sendo assim, considero que qualquer museu que podemos acessar digitalmente, é um museu digital. De acordo com Loureiro (2004, p. 104), “as características da Internet lhes conferem configuração hipertextual, propiciando a conectividade e ampliando as possibilidades de interação com a obra, cuja(s) abertura(s) é(são) evidenciada(s) e/ou potencializada(s)”.

Desse modo, o espaço digital do museu não é neutro, nem abstrato, é material, como ensina Orlandi (2004, 2012), e a circulação também. Circular (ou navegar) por um museu digital é uma injunção à interpretação, a percursos significantes. Assim, quais são os trajetos dos dizeres numa “visita virtual” a um Museu? O que os define? Com pensar, nessas condições de produção o texto expográfico?

Ligo isso ao fato de que no Era Virtual a circulação pelos Museus se organiza por meio de “setas indicativas”, “mapas interativos”, “zoom”, “botões de controle”, entre outros “recursos de navegação”, constitutivos da temporalidade e da mobilidade digital. O que aqui, considero como marcas da textualização do discurso expográfico.

Considerando que é através desses elementos expográficos que os efeitos de sentidos entre o museu, suas obras e seu público se produzem, a especificidade da minha reflexão é observar como esse discurso se textualiza pelos “recursos de navegação” desenhados no site Era Virtual e qual a relação desse modo de textualização com a memória.

A questão do espaço está diretamente ligada àquela da expografia compreendida como uma “escritura do espaço museológico”. Aqui se ligam espaço, memória e textualidade, três pilares desta reflexão sobre o discurso digital expográfico em seu modo de textualização.

Segundo a plataforma Atraves//[5], a expografia tem a ver com a planificação do espaço expositivo: “A expografia cria uma narrativa a partir das relações que se cria entre as obras expostas e o espaço criado, além de pode recorrer a outros elementos, como objetos cenográficos e textos.”

Minhas questões para essa abordagem são: o que muda na construção de um museu quando a materialidade do espaço é digital, com as características apontadas anteriormente, a saber, temporalidade e mobilidade, pensando um espaço sem aderência, um espaço de fluxos, que se sustenta pela conectividade?

A partir dessas questões, vou mobilizar, ainda que de modo rápido, o campo dos estudos da museologia, para, então, trabalhar esse campo da perspectiva discursiva, levando em conta a exterioridade científica ou exterioridade do conhecimento, a partir daquilo que Orlandi (1998, p. 25) formula como entremeio das disciplinas e que se sustenta sobre a noção de materialidade discursiva, ou seja, não se trata “da relação de um objeto, de uma disciplina com outro, de outra disciplina”, no caso, o objeto da museologia como o fato museal e o da análise de discurso, o fato de linguagem: o discurso. A questão da expografia é aqui fundamental. É a partir do discurso digital que passarei a questionar o discurso expográfico textualizado pelo modo como os “recursos digitais” escrevem o espaço museológico.

Considerando o museu como “parte do modo de individuação do sujeito capitalista em nossa formação social”, como o compreende Orlandi (2014, p. 2), esse trabalho busca olhar para o modo como pela construção do espaço museológico, o sujeito é individuado. Espaço é, para mim, o ponto que liga a memória e sujeito, na medida em que coloca este último em relação com um objeto (-a- saber).

 

Museu e cidade

Segundo Suano (1986), “o museu é uma instituição urbana por excelência”. Desse modo, refletir sobre o museu é também refletir sobre os artefatos da cidade. Para Orlandi (2004, p. 63), “a cidade é organização, é injunção a trajetos, a vias, a repartições, a programas, a traçados e a tratados”, mas é também, em seu corpo significativo, flagrante, ruptura, falas desorganizadas. A compreensão do museu e, mais especificamente do museu digital como um artefato da cidade, diz respeito a essa contradição entre a organização e a desorganização dos sentidos do urbano.

O museu é parte do “corpo significativo” da cidade, do espaço, uma das “formas do discurso urbano” (ORLANDI, 2004, p. 31). Minha questão aqui é compreender como ele organiza, na textualização digital, sentidos de leitura das obras expostas, no caso dos museus e exposições, e de patrimônio cultural, no caso dos parques e cidades. Como o museu digital, pela “visita virtual” cria um “sítio de significação que requer gestos de interpretação particulares”?

Compreendo que, no caso da ideia de museu, essa “organização” é a marca de um gesto de interpretação, que se dá pela expografia e pelas suas ferramentas, como os textos expográficos. Orlandi (2008, p. 26) ensina que “as marcas dizem respeito à organização do discurso e a propriedade tem a ver com a consideração do discurso como um todo em relação a exterioridade, com a situação (com as instituições, com o contexto sócio-histórico, com a cultura, com a ideologia).” É nesse sentido que a expografia nos interessa aqui como uma forma material do gesto de interpretação do contexto sócio-histórico do digital e, a partir dele, com o modo como as instituições constituem seus objetos, seus arquivos e suas memórias.

Lembremos ainda que, para a Análise de Discurso, as marcas “não são encontradas diretamente. Para se atingi-las é preciso teorizar.” (ORLANDI e GUIMARÃES, 1988, p. 18). Daí meu empenho em mobilizar a teoria da Análise de Discurso, teorizando, a partir dela, sobre as textualidades expográficas digitais e os sentidos produzidos na relação sujeito-memória-espaço museal.

Conforme observa Polo (2006), em seu estudo sobre expografia, a expografia não pode ser analisada isoladamente, mas a partir de suas características espaciais, que tem implicações no modo de leitura da obra. E eu acrescentaria, que tem implicações no funcionamento da memória.

 

Museu e memória pelo digital

Segundo a museóloga Botallo (2007, p. 7), o museu é uma mídia cujos contornos definem um tipo específico de relação: a museológica.

A autora, refletindo sobre a Museologia, considera que

 

o pensamento teórico necessita de verificação, já que o conceito Museu se ampliou e as reflexões sobre seu papel têm se intensificado, seja pela necessidade de acompanhar algumas propostas advindas dos mass media, seja para se posicionar frente a esse fenômeno (BOTALLO, 2007, p. 6).

 

 A partir disso, interessa-me colocar em reflexão essa “ampliação” do conceito de museu, pelo digital, e ligado a isso, uma mudança na relação com a memória, também “ampliada” pela tecnologia digital. A concepção de espaço material digital aí é central, uma vez que é pela construção do espaço que, no museu, o discurso se textualiza e o sujeito é individuado. Não estou aqui considerando o museu como espaço neutro, empírico, mas como condição de produção de memórias, metálicas, digitais, discursivas, em suas distintas naturezas.

Na esteira dos trabalhos de Orlandi (2009), tenho afirmado que o digital aponta para uma outra relação possível do arquivo com a memória ou do arquivo com memória, que é aquela da memória como arquivo, segundo a qual a memória é o próprio objeto a ser armazenado, uma vez que ela é produzida como um dado.

Por isso, a relação do sujeito com o arquivo é uma das instâncias em que essa ressignificação se mostra no cotidiano, pelas formas de organização automática, algorítmica, pelo armazenamento, acesso e disponibilização dos dados, documentos e obras. Essa mudança na forma de leitura das obras tem efeitos na relação do sujeito com a memória, pelo discurso digital e suas condições de produção, nas quais:

 

 

o tempo seria uma linha de dados recuperáveis por algoritmos. Nesse sentido, tenho me perguntado: a memória é uma questão de tempo ou de espaço? A memória como tempo seria aquela que se constitui pelo esquecimento e a memória como espaço seria aquela constituída pelo armazenamento. Na primeira, processo (histórico), na segunda, processamento (de dados). O processo de linearização da memória é distinto de uma ou de outra e é também regido por distintas relações de poder. (DIAS, 2017, p. 285)

 

 

Essas relações de poder são também relações de sentido regidas pelo discurso institucional que, no meu entender, pelo digital, também assume um outro estatuto frente aos processos de mineração de dados e big data como paradigmas do conhecimento.

Tudo isso afeta a relação museu e memória, nem um, nem outro é significado da mesma maneira. Desse modo, como podemos pensar os textos expográficos pelo digital? Poderíamos considerar a própria internet (sites, apps, redes sociais) como uma textualidade expográfica? Penso que sim. O texto como recurso expográfico num museu digital assume outros contornos pelo simples fato de que sua forma material é constituída de dados, numa linguagem algorítmica, numa escritura de códigos que determina e en-forma os percursos a seguir, o quê e como ver, uma outra materialidade significante.

Como afirmei anteriormente, o texto como recurso expográfico num museu digital se define muito mais pelos recursos de navegação do que por uma unidade textual tal como conhecemos comumente. Assim, considero que uma seta indicativa da direção a seguir, um mapa de navegação, ferramenta de zoom, botões de controle, caixa seletora, vídeos, QR Code, etc. são textos expográficos digitais. Considero, inclusive, o “como navegar” presente no site Era Virtual, um texto expográfico das visitas virtuais.

Vejamos.

 

Como navegar? Injunção a trajetos

A seguir, apresentarei as capturas de tela do “como navegar” do menu do site Era Virtual, onde encontramos as orientações ao visitante sobre como utilizar melhor os “recursos” do site para fazer uma visita virtual.

 

Interface gráfica do usuário, Site

Descrição gerada automaticamente

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Captura de tela – Como navegar

           

Na imagem acima, os recursos colocados em destaque pelo site são o que considero, no digital, os textos expográficos.

Cada visita traz recursos diversos, como no exemplo da visita a Ouro Preto (abaixo) em que podemos observar o recurso do zoom como produtor de uma textualidade, de uma direção no espaço do olhar:

 

Uma imagem contendo edifício, mesa, quarto, grande

Descrição gerada automaticamenteDestaque da obra para zoom

Tela de computador com imagem de vídeo game

Descrição gerada automaticamenteObra em zoom

 

As capturas de tela anteriores, mostram, à esquerda, a seleção da obra (destaque em amarelo) a ser exposta em zoom na segunda imagem (à direita).

 

Captura de tela Museu Casa Guimaraes Rosa

Captura de tela Rua do Museu Casa Guimaraes Rosa

 

Nas capturas apresentadas anteriormente, gostaria de indicar a seta como um recurso textual expográfico que aponta a direção a ser seguida, dentro de um conjunto de opções. Na captura à direita, é interessante observar como a seta enquanto texto significa diferente no discurso urbano (placa de trânsito), pautado numa mobilidade densa, fixa, do discuso da organização da cidade e no discurso digital, numa mobilidade retigráfica - seta amarela que “desliza” o visitante pela rua conduzindo-o a um percurso determinado. Distintos espaços significantes no cruzamento de ordens discursivas diversas.

 

 

           

Considerações Finais

A visita a um museu nunca começa e termina no tempo de permanência no espaço do museu. Assim como um texto não se esgota nas palavras que lhe dão unidade (imaginária). As margens significam. Os discursos significam a textualidade diante da qual o sujeito leitor se confronta com silêncios, não-ditos, derivas, sentidos em fuga, como já trabalhou fortemente Orlandi (2012). Por isso, a construção da memória se dá ao mesmo tempo em que o espaço toma forma. É preciso, então observar as marcas dessa construção.

Assim, ao final dessa reflexão com a qual procurei mostrar como o discurso digital significa a textualidade expográfica produzindo efeitos no próprio sentido de texto e também leitura, circulação, espaço, memória, compreendo que pensar o museu digital enquanto dobra coloca o desafio de também repensar os recursos que o sustentam enquanto forma do discurso urbano. Por isso, escolhi, aqui, analisar os recursos de navegação como aquilo que coloca o sujeito em relação com os sentidos de obra, museu, visita; os recursos de navegação como injunção a trajetos que impõem uma outra espacialidade, portanto, um outro olhar. Um outro olhar para o texto expográfico, para além disso, para o modo como o sujeito se relaciona com o conhecimento, os objetos-a-saber.

           

Bibliografia

BOTTALLO, Marilúcia. Poder, cultura e tecnologia: o museu de arte e a sociedade da comunicação.  In.: Novos Olhares ECA/USP - Edição 19 - 1º semestre de 2007.

CARVALHO, Rosane Maria Rocha de. Comunicação e informação de museus na Internet e o visitante virtual. In. Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST, Vol. 1, N. 1, 2008, pp. 83-93.

DIAS, Cristiane. A materialidade digital da mobilidade urbana: espaço, tecnologia e discurso. Revista Línguas e Instrumentos Linguísticos. n. 37. Jan./jun. 2016. p. 157-175. Disponível em: http://www.revistalinguas.com/edicao37/edicao37.html. Acesso em: 20 jul. 2020.

DIAS, Cristiane. Memória como arquivo: sujeitos, dados e circulação. In: VENTURINI, Maria Cleci (org.) Museus, arquivos e produção do conhecimento em (dis)curso. Campinas: Pontes Editores, 2017. p. 269-287.

FERRAGUT, Guilherme. Sentidos em circulação pelo digital: Justiça e Polícia e seus efeitos na

sociedade. – Campinas, SP. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, 2018.

LOUREIRO, Maria Lucia de Niemeyer Matheus. Webmuseus de arte: aparatos informacionais no ciberespaço. Ciência da Informação, Brasília, v. 33, n. 2, p. 97-105, Ago. 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-19652004000200010&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 14 Jul. 2020.

ORLANDI, Eni; GUIMARÃES, Eduardo. Unidade e dispersão: uma questão de texto e do sujeito. IN: ORLANDI, Eni (org.) Sujeito e texto. São Paulo: EDUC, 1988. p. 17-35.

ORLANDI, Eni. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1998.

ORLANDI, Eni. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. Campinas: Pontes, 2001.

ORLANDI, Eni. Cidade dos sentidos. Campinas: Pontes, 2004.

ORLANDI, Eni. Linguagem e método: uma questão da análise de discurso. In: ORLANDI, Eni. Discurso e Leitura. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2008. p. 15-28.

ORLANDI, Eni. Discurso em análise: sujeito, sentido, ideologia. Campinas: Pontes, 2012.

ORLANDI, Eni. Discurso e museus: da memória e do esquecimento. Entremeios: revista de estudos do discurso, Pouso Alegre, v.9, jul/2014. p. 1-8. Disponível em:  http://www.entremeios.inf.br . Acesso em: 8 jul. 2020.

PAVEAU, Marie-Anne. En naviguant en écrivant: réflexions sur les textualités numériques. In. ADAM, Michel (org.). Faire texte: frontières textuelles et opérations de textualisation. Besançon: Presses Universitaires de Franche-Comté, 2015.

POLO, Maria Violeta. Estudos sobre expografia: quatro exposições paulistanas do século XX. Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual Paulista. Instituto de Artes / Fundação de Ámparo a Pesquisa do Estado de São Paulo. São Paulo, 2006.

SUANO, Marlene. O que é museu. São Paulo: Brasiliense, 1986. 

 

[1]Não é objeto desse texto discutir a melhor nomeação para a presença do museu na Internet.

[2]https://www.louvre.fr/en/visites-en-ligne

[3]www.eravirtual.org

[4]Em um artigo publicado na Revista Línguas e Instrumentos Linguísticos (DIAS, 2016), trabalhei a noção de mobilidade retigráfica em relação à mobilidade densa. Essa forma de mobilidade, cuja aderência ao espaço físico não é considerada para se pensar o espaço urbano, é sustentada pela conectividade. Assim, o espaço retigráfico é feito de virtualidades, de recursos digitais e não geográficos.

[5]http://atraves.tv/o-que-e-expografia/ Acessado em 13/08/2020.