A análise da microesfera do exercício do poder
[14] na intimidade dos sobrados pode nos conduzir a diversas interpretações. Podemos dizer que a posição discursiva ocupada pela mulher relativiza a posição de “mando” do homem branco, burguês. Se a pequena criança negra lhe foi imposta para criação pelo marido, os contatos, entre mãe e enteado, deveriam ser realizados da porta da cozinha para dentro. No entanto, contra todas as regras morais da sociedade da época, que buscavam silenciar uma paternidade obscurecida, a criança negra sai do anonimato. Mais ainda, ela surge na área externa do sobrado, ou seja, aos olhos de todos, acompanhada da senhora dona da casa. A esposa reage com insubordinação ao marido, assumindo uma criança negra em suas mãos e explicitando para toda uma sociedade sua discordância com relação à negligente composição familiar do filho bastardo. Som de uma passividade inexistente: a mulher confronta o marido. Também, por que não pensar que essa senhora protagoniza uma cena de afetividade que invade às avessas o espaço nobre da fotografia do Brasil da segunda metade do século XIX?
Sabendo que, sobretudo, nas três últimas décadas do século em questão, o discurso abolicionista já se fazia presente nos jornais locais devotados ao tema, nas instituições em defesa da causa e nos comícios de rua
[15], podemos afirmar que o ideário abolicionista também adentra nesta fotografia. Ao colocar-se no lugar de uma ama-de-leite branca com um bebê negro no colo, a mulher experimenta uma passagem clássica do colonialismo imaginado de forma contrária, opondo-se, assim, à teoria da diferença racial, pretenso saber que se auto-afirmava como verdade científica.